PME reclamam solução governativa estável no pós-eleições

Os pequenos e médios empresários estão alinhados com os partidos na preocupação com a governabilidade do país a partir de segunda-feira. Conheça os argumentos e também as prioridades para a economia.

A governabilidade foi o tema que dominou a campanha eleitoral para as legislativas do próximo domingo e também parece ser a principal preocupação dos pequenos e médios empresários e dos líderes das associações setoriais ouvidos pelo ECO ao longo dos últimos dias, que apelam à negociação de uma solução política estável e duradoura para viabilizar a retoma e as reformas na economia.

A partir de Vila Nova de Famalicão, onde tem sede e instalações fabris a ESI, que há 15 anos resultou de um projeto de empreendedorismo de três engenheiros mecânicos formados na Universidade do Minho, Gil Sousa reclama que esta solução governativa estável “será imprescindível para uma rápida recuperação económica”, pois “é importante para as empresas saberem com o que podem contar e fazerem planos a médio e longo prazo”. Nas políticas de fiscalidade, por exemplo, o gestor frisa que se devem “prolongar ao longo dos anos, independentemente dos governos que as venham a aplicar”.

O sócio fundador e administrador desta empresa especializada em projetos de automação industrial, que fatura seis milhões de euros por ano e emprega atualmente quase três dezenas de pessoas, destaca que, independentemente do Governo que venha a assumir funções na próxima legislatura, espera que nas várias matérias dê “claras indicações” de estabilidade e confiança ao mercado. E elenca as prioridades: fortalecer as políticas de apoio às PME, tomar ações para facilitar o acesso ao crédito e rever a carga fiscal que incide sobre as empresas para “permitir a recuperação e crescimento” da economia.

Gil Sousa, sócio fundador e administrador da ESI

São também três as áreas essenciais escolhidas por Juliana Oliveira, cofundadora e CEO da Olimec. A começar pelo emprego, com o apoio à formação e contratação por parte das indústrias de mão-de-obra intensiva, considerada não qualificada, mas altamente especializada e inexistente no mercado. E a prosseguir no incentivo à produção nacional, desde logo nas compras do Estado. “Foi preciso uma pandemia para o mundo inteiro perceber a dependência da China, e gostava que o Estado português entendesse a importância de apoiar os produtores nacionais, que antes de serem grandes exportadores, têm que conseguir vender dentro de portas”, desabafa.

O Acordo de Parceria do Portugal 2030, que será apresentado pelo futuro Governo à Comissão Europeia, é o terceiro ponto escolhido pela empresária da Maia, que gostaria que a proposta tivesse em conta as falhas que existiram nos anteriores quadros comunitários, para que os fundos tenham impacto em áreas mais abrangentes e “não sejam sempre os mesmos a obter as pontuações máximas”. Lembrando que “há inovação em setores tradicionais” e ironizando que “Portugal não vende só cortiça e os portugueses não são todos guias turísticos”, diz que “seria ‘inovador’ se o próximo quadro comunitário tivesse uma postura diferente dos anteriores em termos de avaliação de mérito dos projetos”.

Juliana Oliveira, cofundadora e CEO da Olimec

“Para mim, enquanto empresária, espero do próximo Governo, além de estabilidade, consistência e realismo nas decisões, apoio e soluções de médio e longo prazo capazes de fazer crescer a economia nacional. Em suma, gostava era que deixassem as bandeiras políticas de lado e privilegiassem as ações em torno do crescimento da economia nacional, com empresas criadoras de valor para o país e para os portugueses”, refere Juliana Oliveira, uma ex-auditora financeira da KPMG que se despediu em 2016 para tentar salvar a empresa do avô e que lidera uma metalomecânica especializada na venda, reparação e manutenção de equipamentos pesados, com destaque para camiões do lixo.

"A estabilidade política tem um valor bastante significativo no ecossistema económico e empresarial. (…) As empresas vivem de forma ininterrupta todos os processos eleitorais.”

Ricardo Costa

Presidente da Associação Empresarial do Minho

Ricardo Costa, CEO do Grupo Bernardo da Costa, sublinha que “a estabilidade política tem um valor bastante significativo no ecossistema económico e empresarial”, lembrando que “as empresas vivem de forma ininterrupta todos os processos eleitorais” e esperam uma solução governativa duradoura a partir de 31 de janeiro. Responsabilidade, inteligência e visão é o que pede ao próximo primeiro-ministro o também presidente da Associação Empresarial do Minho, valorizando a previsibilidade fiscal, a desburocratização do Estado ou a aplicação dos fundos europeus, que “irão ditar não só o sucesso da atividade governativa, como também os pilares que poderão ou não lançar a nossa economia para uma nova dimensão”.

Mafalda Monteiro, diretora comercial da Univerplast

“A estabilidade do país é a estabilidade das empresas. Quanto mais força espelharmos para a Europa, mais confiança teremos dos investidores”, concorda Mafalda Monteiro, diretora comercial da Univerplast, empresa de injeção de plásticos com fábrica em Lousada. A porta-voz da líder nacional na produção de cruzetas, que tem como clientes as confeções que abastecem a Zara, Massimo Dutti, Primark, Zippy ou SportZone, elege ainda como prioridades o combate à pandemia, o apoio aos mais pobres e desfavorecidos, e a “aposta no desenvolvimento do país para acompanharmos a Europa”.

Mais a Sul, Miguel Castel-Branco, sócio da Torres Novas, sustenta que “a estabilidade da solução governativa não é um bem em si mesmo” e só é positiva se for aproveitada “para fazer reformas de fundo, sobretudo ao nível da fiscalidade e simplificação dos processos do Estado”. “Se essa estabilidade vier às custas do foco em temas pouco prioritários para o país ou se for aproveitada para se continuar a aumentar o peso do Estado, não interessa”, completa o gestor, que há dois anos se juntou a Adolfo de Lima Mayer, Inês Vaz Pinto e Nuno Vasconcellos e Sá para relançar a histórica marca de toalhas criada em 1845.

Miguel Castel-Branco, sócio da Torres Novas

“Espero que o próximo Governo crie condições para o crescimento da economia. Isso passa necessariamente por uma redução significativa da carga fiscal que hoje em dia estrangula os contribuintes e as empresas. Mais concretamente, a redução imediata do IRS e da TSU permitiria reduzir rapidamente os custos de contratação de trabalhadores pelas empresas, potenciando o emprego, e melhorar o rendimento das famílias”, defende o gestor da empresa atualmente sediada em Lisboa, que fez regressar a marca de têxteis-lar depois da falência em 2011.

A diminuição dos impostos às empresas, para que possam gerar riqueza e mais empregos no país, está igualmente no topo do programa de Sara Monte e Freitas, partner da Expense Reduction Analysts em Portugal, que acabava com o IRC para “pequenas empresas que têm volumes de faturação muito baixos e que servem para se autossustentarem” ou reduzia o IVA como na Letónia e na Lituânia, “onde [os consumidores] não são ‘assaltados’ de cada vez que vão ao supermercado ou colocam combustível”. “Dar mais a quem constrói, retirar a quem destrói e ajudar a quem mais precisa”, resume a consultora desta rede internacional especializada na redução de custos das empresas, para quem “soluções governativas instáveis não têm condições para gerir além do curto prazo”.

Sara Monte e Freitas, partner da Expense Reduction Analysts

Ainda em Lisboa, o CEO da YDigital Media espera que desta ida à urnas resulte “a estabilidade política necessária”, argumentando que “não podemos andar a saltar entre sucessivas crises com Governos sustentados por coligações instáveis, sem um projeto reformista claro e mobilizador”. Nuno Machado dispensa “táticas e contabilidade política” e desafia o próximo Executivo a “apostar em tirar Portugal da cauda da Europa, potenciar o crescimento económico e valorizar um modelo que não esteja assente em alta carga fiscal, penalizadora tanto das empresas como dos trabalhadores”.

Preocupação com a “casa” das exportações e a inflação

As associações setoriais ouvidas pelo ECO estão alinhadas com as pequenas e médias empresas. João Rui Ferreira, secretário-geral da Associação Portuguesa da Cortiça (APCOR), espera que destas eleições resulte “um quadro estável e rápido” para a legislatura, para as empresas “não terem aí nenhum fator disruptivo” e poderem aproveitar as oportunidades criadas pelo PRR e pelo PT2030. Apesar de estarem sobretudo expostos ao contexto internacional – exportam 95% da produção –, os industriais da cortiça lembram que “é sempre mais favorável [ter] ambientes estáveis” também no mercado interno.

“Foi sempre a nossa tónica termos um diálogo constante e uma abertura total para dialogar com os governos, quaisquer que eles sejam. A cortiça, pela relevância que tem no país, terá sempre de ter esta responsabilidade. Todo o trabalho — seja de produção, de investigação, industrial, florestal — tem de ser desenvolvido em Portugal. Sendo líderes [mundiais], não é expectável que outro país possa fazer este trabalho por nós”, atira o porta-voz da indústria corticeira, constituída por 500 a 600 empresas e que representa atualmente cerca de 8 mil postos de trabalho diretos, concentrados em três grandes polos (Santa Maria da Feira, Coruche e Ponte de Sor).

João Rui Ferreira, secretário-geral da Associação Portuguesa da Cortiça (APCOR)

No têxtil e vestuário repete-se a preocupação dos empresários com a instabilidade política, com Mário Jorge Machado, presidente da associação do setor (ATP) a ambicionar que resulte destas legislativas antecipadas “uma solução governativa estável para Portugal, que privilegie o crescimento económico e que tenha como ambição melhorar as condições de competitividade do país”. Entre as respostas esperadas pelo também administrador da Adalberto Estampados está aquela que vai ser dada pelo poder político para “mitigar” o efeito da subida dos preços do gás natural ou para colocar o Banco de Fomento a “conseguir dar resposta” aos impactos que a inflação está a ter no capital das empresas.

"Esperamos que, decorridas as eleições legislativas, tenhamos uma solução governativa estável para Portugal, que privilegie o crescimento económico e que tenha como ambição melhorar as condições de competitividade do país.”

Mário Jorge Machado

Presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP)

Finalmente, no setor do turismo, em que as previsões apontam para que o volume de negócios em 2022 continue a aumentar, mas fique ainda mais de 20% abaixo do nível anterior à pandemia (2019), Francisco Calheiros mostra-se “confiante e empenhado” na recuperação do tecido empresarial e deseja que “Portugal tenha, num curto espaço de tempo, estabilidade política para que a economia não estagne e se implementem as reformas estruturais de que o país tanto precisa”.

O presidente da Confederação do Turismo Português (CTP) lamenta que os apoios e as medidas aprovadas para o setor continuem a “chegar tarde” às empresas e avisa que “é preciso que os apoios previstos ao nível do PRR, nomeadamente as verbas canalizadas para o Programa Recuperar o Turismo, cheguem efetivamente à economia real”. É que, mesmo com a mudança em curso na Assembleia da República, as PME “precisam rapidamente de medidas de recuperação económica e de capitalização” e de resposta a outros “entraves à retoma”, como a subida galopante dos custos com a energia, matérias-primas e combustíveis.

Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP)MIGUEL A. LOPES/LUSA 20 outubro, 2021

Na última semana da campanha eleitoral, um conjunto de empresários, incluindo o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, publicou um artigo de opinião na imprensa a apelar aos dois maiores partidos para viabilizarem “uma solução de governo, liderada pelo partido que sair vencedor das eleições de 30 de janeiro, através de um acordo de incidência parlamentar para uma legislatura, que se comprometa com a viabilização dos respetivos Orçamentos do Estado e com um programa de governo assente em reformas de fundo, que permitam alavancar e otimizar os fundos comunitários, designadamente o PRR e o Portugal 2030”.

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