Hotelaria reforça investimento em benefícios, salários e planos de carreira para atrair e reter talento
Faltam mais de 40 mil trabalhadores para suprir as atuais necessidades e ambições de crescimento do turismo. Reforçar a atratividade é obviamente uma questão salarial, mas é muito mais do que isso.
Com o enorme desafio — intrínseco às próprias características do setor — de ser uma atividade laboral permanente e onde é, muitas vezes, complicado encontrar um equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal e privada, a indústria hoteleira precisa de olhar para dentro e perceber como pode tornar-se mais atrativa. É um trabalho de casa que não pode ser mais adiado, tendo em conta que faltam pelo menos 40 mil trabalhadores em Portugal para suprir as atuais necessidades e ambições de crescimento do turismo. Reforçar a atratividade é obviamente uma questão salarial, mas é muito mais do que isso. Investir nos benefícios atribuídos aos colaboradores parece ser uma opção escolhida por grande parte das unidades hoteleiras, não esquecendo os planos de carreira.
“Este ano temos um investimento em salários, aumentos e promoções, aos quais se adicionam ainda mais benefícios, formação e desenvolvimento, cerca de 10% acima do ano anterior“, avança a diretora de recursos humanos da Blue & Green, Paula Cordeiro, à Pessoas.
O objetivo é reforçar e criar um conjunto de benefícios agregados — do qual faz parte o seguro de saúde extensível à família, a progressão de carreira e evolução salarial, a formação contínua e uma série de programas e políticas relacionadas com o bem-estar físico e mental das pessoas — suficientemente atrativo para captar novos talentos, mas também reter os profissionais.
Também a Vila Galé considera um objetivo prioritário para os próximos anos a melhoria dos benefícios dos colaboradores, sobretudo daqueles que recebem vencimentos mais baixos (ainda que a companhia há vários anos que não tem nenhum colaborador a auferir o salário mínimo nacional). Este ano, o grupo hoteleiro optou também por rever essencialmente os vencimentos mais baixos, estimando-se que o investimento na folha salarial global represente cerca de 6% a 7% de aumento.
Já o Grupo Quinta do Lago, só para garantir as revisões salariais dos colaboradores, que rondam os 12% e os 25%, precisou de colocar na folha salarial mais quatro milhões de euros de investimento do que no ano passado. Com estes ajustes, a companhia tem agora “uma das políticas remuneratórias mais competitivas do mercado”, aliada a um plano de benefícios muito focado na evolução profissional das pessoas, garante o diretor de recursos humanos do grupo hoteleiro, Paulo Gonçalves.
Trunfos que se espera serem suficientemente atrativos para reverter os números que dão conta da falta de mais de 40 mil profissionais para o setor. Um problema que se agravou com a pandemia, altura em que alguns trabalhadores optaram mesmo por abandonar esta indústria. Em 2021, de acordo com o INE, o canal HORECA empregava 244.400 trabalhadores (65.900 no alojamento turístico e 178.500 na restauração e similares), o que se traduz numa perda total de 76.300 trabalhadores face a 2019 (menos 16.100 no alojamento e menos 60.200 na restauração).
A indústria hoteleira tem o desafio de ser uma atividade de laboral permanente e onde é complicado o balanço entre a relação da área profissional com a área pessoal e familiar.
As atividades de alojamento e restauração perderam, assim, cerca de um quarto da força de trabalho que tinham em 2019. Apesar de, no verão de 2021, as empresas terem iniciado lentamente a retoma da sua atividade, esta tímida recuperação não encontrou paralelo no emprego, tendo o setor continuado a perder postos de trabalho. Entre 2020 e 2021 foram perdidos 47.600 trabalhadores, estima a Associação da hotelaria, restauração e similares de Portugal (AHRESP), num dos seus boletins diários publicado em fevereiro.
“Considerando esta perda de proporções muito superiores à das restantes atividades económicas, é urgente reforçar as políticas de apoio à manutenção do emprego e à contratação de novos postos de trabalho no setor do turismo, devendo igualmente ser considerada a redução da carga fiscal associada ao emprego. É também prioritário que sejam desenvolvidos esforços para que os nossos setores se tornem mais atrativos para os indivíduos em busca de emprego, permitindo às empresas recuperar os trabalhadores que foram deslocados para outras atividades no decurso da crise pandémica”, alerta a associação.
Reforçar benefícios, aumentar salários
Além de preocupada em reforçar o seu pacote de benefícios, a Blue & Green considera que é igualmente necessário apostar em melhores condições salariais. Sem detalhar valores, a unidade hoteleira diz apenas contar com uma política salarial acima do salário mínimo nacional, atualmente fixado nos 705 euros.
Uma política semelhante tem o Pestana Hotel Group (PHG), que decidiu reforçar a sua política de remuneração mínima, fixando o valor mínimo de entrada nos 750 euros brutos mensais. A este valor acresce um pacote de benefícios “competitivo” na indústria hoteleira, garante o grupo. Consultas médicas gratuitas e mobilidade internacional são alguns dos benefícios que oferece aos colaboradores.
“Os recursos humanos têm sido sempre uma prioridade para o Pestana Hotel Group e, seguramente, uma das razões para a sua solidez e crescimento. Este pacote de benefícios que temos vindo a desenvolver para todos os nossos colaboradores inscreve-se numa cultura muito forte de confiança e de compromisso para com as pessoas que escolheram trabalhar e crescer connosco”, afirma José Theotónio, CEO do PHG.
Do pacote de benefícios do PHG faz também parte o subsídio de alimentação, apoio psicológico, iniciativas de formação e desenvolvimento e descontos em todos os hotéis e pousadas do grupo (extensíveis a colaboradores e às suas famílias). A empresa decidiu ainda adotar um regime híbrido de trabalho para os serviços partilhados.
Também o Grupo Quinta do Lago atualizou a sua política remuneratória para 2022 e tem agora “uma das mais competitivas do mercado”, garante o diretor de recursos humanos, Paulo Gonçalves. “Os valores de entrada variam entre os 750 euros e os 900 euros, consoante a experiência, o nível de especialização dos candidatos e áreas a contratar.”
Este ano, as revisões salariais situam-se entre os 12% e os 25%, representando um investimento global, face ao ano anterior, de mais quatro milhões de euros em payroll, adianta Paulo Gonçalves.
A Vila Galé também procedeu a ajustes nos rendimentos dos colaboradores, sobretudos daqueles que recebem os vencimentos mais baixos. “A Vila Galé já há vários anos que não tem nenhum colaborador a auferir o salário mínimo nacional, sendo todos os vencimentos estabelecidos acima desse valor. Temos como objetivo prioritário para os próximos anos a melhoria dos benefícios, em particular nas funções que tem vencimentos mais baixos”, adianta Gonçalo Rebelo Almeida, administrador da Vila Galé Vila Hotéis.
“Este ano, optámos por rever essencialmente os vencimentos mais baixos, estimando-se que o investimento na folha salarial global represente cerca de 6% a 7% de aumento”, precisa.
Mas, além de aumentar salários, nomeadamente os valores remuneratórios mínimos de entrada, “também é importante olhar para o volume de profissionais da empresa que estão nos patamares mínimos salariais”, alerta Jaime Sarmento, diretor de recursos humanos da United Investments Portugal (UIP).
“A nossa estratégia passa por procurar evoluir no employee value proposition [EVP], não apenas com a evolução salarial dos diferentes níveis que temos na organização, como com o melhorar do conjunto de benefícios que podemos colocar à disposição das pessoas e à sua escolha individual.”
Equilibrar vida profissional e privada
Este ano, o grupo UIP pretende investir e melhorar o seu EVP, nomeadamente através de parcerias que possam ter proveito pessoal para os profissionais, mas também através de um reforço do investimento na promoção do work-life balance de cada pessoa.
“Já estamos a alargar as parcerias com parceiros externos, apostando em novas mais valias. Estamos a melhorar alguns dos benefícios que existem com as marcas com que operamos, como benefícios de utilização de alguns dos nossos restaurantes. Além disso, estamos a alargar o portefólio de unidades, que podem ser utilizadas pelos nossos colaboradores sob condições especiais”, conta Jaime Sarmento.
“Mais do que se queixar, o turismo tem que olhar para dentro e perceber como pode ser atrativo. A indústria hoteleira tem o desafio de ser uma atividade de laboral permanente e onde é complicado o balanço entre a relação da área profissional com a área pessoal e familiar. É uma indústria onde a resiliência desempenha um papel fundamental para o bem-estar dos profissionais que nela exercem a sua atividade, o que não deixa de ser um desafio para a atratividade do setor“, defende o gestor.
Igualmente empenhada em cultivar uma cultura de orientação para o bem-estar físico e mental dos colaboradores está a Blue & Green. “Temos um programa a decorrer composto por workshops sobre como lidar com o stress (entre outros), um espaço terapêutico disponível para os colaboradores que tem aulas de relaxamento com ioga, pilates e mindfullness, bem como atendimento psicoterapêutico, para além de ginástica laboral”, conta a gestora de pessoas.
No Selina — um hotel com características um pouco diferentes dos restantes contactados pela Pessoas por ser uma cadeia de coliving com dezenas de alojamentos por todo o mundo e que acolhe, sobretudo, trabalhadores remotos — apesar de nem sempre ser possível cumprir as expectativas salariais dos colaboradores ou aumentar os rendimentos para que se posicionem acima do salário mínimo nacional, tem sido feito um esforço adicional para compensar as pessoas com outros benefícios.
O salário emocional não é descurado: “Procuramos desenvolver diversas políticas internas, tais como a atribuição de bónus monetários, mais dias de férias por ano, pontos que permitam aos colaboradores usufruírem de estadias gratuitas em qualquer Selina do mundo, e por aí fora”, detalha Maria Rosa, diretora de recursos humanos do Selina em Portugal.
O impacto deste tipo de iniciativas é “sempre alto e significativo”, mas “tudo o que fazemos e nos propomos oferecer é revisto em orçamento de forma ponderada e sustentável”. E dá frutos na forma de bem-estar, motivação e engagement.
A mesma prioridade assumiu o InterContinental, que pretende manter o foco na saúde mental e bem-estar das equipas. “Ao se assumir o salário emocional, como um key factor nas dinâmicas da gestão de pessoas, mais do que impactos nas folhas salariais vamos passar a ter resultados em matéria de engagement, qualidade e satisfação dos nossos clientes. Este é o nosso investimento”, refere Francelina Ferreira do Amaral, general manager do InterContinental Cascais-Estoril.
Investir nos planos de carreira
A estratégia mais impactante que o hotel implementou passa, no entanto, acredita a gestora, pelas oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional. “É tempo de agir e investir em formação, qualificação e boas condições de trabalho. Há que aproximar compromissos com as principais expectativas dos trabalhadores: flexibilidade, desenvolvimento e progressão, desafios e projetos profissionais e, sobretudo, identificação com o propósito organizacional”, defende.
“Há que não comprometer a qualidade do nosso produto turístico, por via de ações imediatas que refresquem e mudem a imagem do nosso setor, porque as pessoas são o ativo mais importante que ainda temos. Há que apostar e com muita determinação na atratividade, na retenção e desenvolvimento de talentos”, acrescenta Francelina Ferreira do Amaral.
Por isso mesmo, mais do que aumentar salários, a empresa está focada, essencialmente, no reconhecimento do trabalho realizado pelo colaboradores, garantir a liberdade para todos partilharem as suas ideias e fazerem parte de projetos, assegurar a comunicação entre líderes e liderados e oferecer oportunidades de crescimento e progressão de carreira dentro do hotel e entre os hotéis da companhia InterContinental Hotels Group.
Na Blue & Green esta também tem sido uma preocupação. Além de políticas de recrutamento internas, o grupo está atento aos seus talentos para apoiar o seu desenvolvimento. “Promovemos também planos de carreira concretos com a possibilidade de crescimento quer salarial, quer funcional”, salienta a diretora de recursos humanos.
É tempo de agir e investir em formação, qualificação e boas condições de trabalho. Há que aproximar compromissos com as principais expectativas dos trabalhadores: flexibilidade, desenvolvimento e progressão, desafios e projetos profissionais e, sobretudo, identificação com o propósito organizacional.
Na Quinta do Lago os planos de carreira, a formação especializada e os programas de coaching são também algumas das políticas e estratégias levadas a cabo. “Reforçámos a estratégia de recrutamento interno, que promove a evolução profissional e desenvolvimento de carreira dos colaboradores”, diz o líder de pessoas.
Uma estratégia semelhante tem seguido o Selina, que decidiu avançar com o reforço da formação interna. O balanço é até agora bastante positivo. “A nossa estratégia de formação tem-nos permitido alcançar ótimos resultados, ao mesmo tempo que contribuímos para a evolução profissional dos nossos colaboradores”, revela Maria Rosa.
“Acreditamos nos talentos que temos atualmente nas nossas propriedades e procuramos conferir-lhes oportunidades para diversificarem as suas funções e, desta forma, desenvolverem os seus conhecimentos e competências técnicas. Dado que não existem profissionais suficientes para responder às necessidades, potenciamos o melhor dos nossos colaboradores em funções que contribuem para a sua realização e satisfação profissional e pessoal”, continua.
Além disso, a cadeia hoteleira de coliving tem apostado na formação de estagiários, recém-formados e pessoas com experiência em áreas distintas de hotelaria, de forma a suprir as atuais necessidades de talento.
Recentemente, em entrevista à Pessoas, Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal falou precisamente da necessidade de o setor investir nos planos de carreira. Apesar de afirmar que não há dificuldade em preencher, por exemplo, cursos para chef de cozinha — sem o élan das estrelas Michelin, há muita dificuldade para posições como chefe de sala, empregado de bar ou de quartos.
“Um aluno quando entra numa escola para chef de cozinha tem uma perspetiva de crescimento, uma pessoa que entra como chefe de sala ou empregado de mesa não tem essa perspetiva de plano de carreira. Muito do que está a ser feito aqui é nesse caminho. Juntamos (na formação) tanto o digital, a tecnologia e as soft skills com estas áreas mais direcionadas ao serviço, porque é uma maneira de os alunos perceberem que há um conjunto de oportunidades muito maiores do que aquelas que estão no simples título empregado de mesa”, afirmou na altura.
Leia a entrevista completa a Luís Araújo aqui ou adquira a revista Pessoas de janeiro/fevereiro, agora nas bancas.
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