Fábrica de Paredes boicota compra de madeira à Rússia

“Por uma questão moral e de responsabilidade social”, a Alfredo Nunes Correia já avisou fornecedores russos que vai deixar de lhes comprar matéria-prima que transforma para a indústria de mobiliário.

Quando Alfredo e Rui Correia leram as primeiras notícias da invasão da Rússia à Ucrânia, logo no final da semana passada, a primeira coisa que estes proprietários de uma empresa de madeiras fizeram foi “notificar os cinco fornecedores e clientes russos de que não haverá qualquer relação comercial com eles enquanto esta situação se estiver a passar”.

Fundada há quase 30 anos, a Alfredo Nunes Correia, Lda. está instalada na freguesia de Rebordosa, concelho de Paredes. Tem 15 trabalhadores e dedica-se ao comércio de madeira, folhas de madeira e derivados, que coloca em revendedores ou diretamente nas indústrias da fileira casa, como carpintarias e fábricas de mobiliário. E na lista de clientes, mas sobretudo de fornecedores, estão empresas da Rússia e também da Ucrânia.

“É uma decisão difícil porque, além das vendas diretas que fazemos, é um dos nossos principais fornecedores. Sabemos que são empresas privadas e não públicas, mas por uma questão moral e de responsabilidade social – e por conhecermos as pessoas do outro lado, a realidade dos ucranianos -, entendemos que não fazia sentido estar a manter essa relação comercial. É ainda mais difícil compreender [o conflito] quando se conhece os ucranianos, com quem temos uma relação mais próxima. Vemos como as pessoas estão”, desabafa Rui Correia em entrevista ao ECO.

Sabemos que são empresas privadas e não públicas, mas por uma questão moral e de responsabilidade social – e por conhecermos as pessoas do outro lado, a realidade dos ucranianos -, entendemos que não fazia sentido estar a manter essa relação comercial.

Rui Correia

Diretor da Alfredo Nunes Correia Lda

A Alfredo Nunes Correia, Lda. faturou 15 milhões de euros no ano passado, com as vendas no estrangeiro a pesarem cerca de 75% deste valor. Entre importações e exportações – e no caso específico destes dois mercados de leste, as primeiras são mais representativas do que as segundas –, a exposição à Rússia, a quem compra madeira e contraplacados, equivale a dois milhões de euros. Na Ucrânia são três milhões de euros, com destaque para a madeira e folha de madeira.

No mercado ucraniano, além de comprar a matéria-prima (sobretudo madeira de carvalho), esta empresa do distrito do Porto faz igualmente a subcontratação de produção. Isto é, compra a madeira um pouco por todo o território e depois são fábricas daquele país que fazem a transformação em folhas de madeira. Daí que conheça “mais profundamente” este país, onde tem um representante e para onde o fundador Alfredo e o filho Rui Correia costumavam viajar quase uma vez por mês para acompanhar a produção.

Nos últimos dias têm mantido um “contacto diário” com os fornecedores ucranianos, notando que “além da relação de negócio, há uma relação de amizade” com eles. “Dentro das possibilidades que têm, eles querem continuar a trabalhar enquanto podem. Mas vão ficar com acesso dificultado às matérias-primas porque vêm de várias zonas do país e depois o transporte do produto para outros mercados, incluindo Portugal, vai ser muito complicado. Prevemos deixar de ter esse mercado, tanto para importações como exportações”, contextualiza o empresário nortenho.

Em termos de negócio, Rui Correia antecipa que “a consequência deste conflito é uma perda direta de vendas no valor aproximado de 1 a 1,5 milhões de euros” em 2022. Quanto às compras, tanto no caso da Rússia (que dispensaram), como da Ucrânia (que vai deixar de conseguir fornecer), admite que “os produtos são de difícil substituição”. As alternativas estão noutros países daquela região, como Polónia, Croácia, Hungria ou Áustria, em que já compra, mas terá de “pressionar o mercado para obter mais quantidade”, sabendo já que “os preços vão aumentar”.

Esta semana, a Associação Empresarial do Minho apelou aos associados e à comunidade empresarial em geral que “cesse de forma imediata” as relações comerciais que tenham com a Rússia. A estrutura liderada por Ricardo Costa referiu que o objetivo é “exercer pressão” sobre o governo de Moscovo para que pare imediatamente o “ataque vil e infundado” à Ucrânia. “É imperativo isolarmos economicamente a sociedade empresarial russa, para que isso seja um catalisador de desenvolvimento de ações que nos levem à paz”, sublinhou.

Rebordosa segue gigantes no boicote à Rússia

Tal como esta PME portuguesa, nos últimos dias, multinacionais de vários setores têm anunciado a decisão de reduzir a exposição ao mercado russo, cancelar investimentos ou boicotar aquele mercado em termos comerciais. No setor da energia, por exemplo, a petrolífera norte-americana ExxonMobil vai deixar de investir no país e a italiana Eni vai vender a participação conjunta de 50%, em partes iguais com a russa Gazprom, no gasoduto “Blue Stream”, que liga a Rússia à Turquia.

A MSC e a Maersk, líderes mundiais de carga contentorizada, suspenderam as escalas em portos russos e reduziram o transporte para a Rússia aos bens essenciais, como alimentação e ajuda humanitária. A Apple é outra das gigantes que está a excluir a Rússia dos seus negócios – a BMW também interrompeu a exportação de carros -, tendo anunciado que vai suspender as vendas dos seus produtos, como o iPhone, na Rússia, com os consumidores locais impedidos também de fazer compras na Apple Store.

Por outro lado, desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, o mundo mobilizou-se para ajudar de todas as formas possíveis os ucranianos que querem sair do país e Portugal não é exceção. O Governo criou uma plataforma para ajudar na publicação de ofertas de trabalho e já se contam mais de 2.000 vagas, adiantou a ministra do Trabalho. O Executivo desenvolveu ainda um mecanismo que prevê a entrada automática destes cidadãos em Portugal.

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