Mercados veem BCE a subir juros dos depósitos em 2022 para perto de zero

Uma mudança no comunicado do BCE indica que a subida de juros pode não chegar logo após o fim dos estímulos. Porém, os mercados estão a assumir que ainda será este ano que há um aumento da taxa.

A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, ainda tentou travar as interpretações de uma posição mais falcão (hawkish, isto é, favorável a aperto monetário) do comunicado da reunião desta quinta-feira, mas os mercados não se deixaram convencer. Os investidores estão convictos de que vai haver um aumento dos juros dos depósitos até ao final do ano, levando-os para um valor próximo de zero.

De acordo com os dados da Reuters, após a decisão desta quinta-feira do BCE de acelerar a redução das compras de ativos, os investidores estão a apostar numa maior subida dos juros dos depósitos face ao que previam antes do encontro: os números apontam para uma subida de quase 50 pontos base até ao final de 2022, o que colocaria a taxa muito perto dos 0% (atualmente está nos -0,5%).

Antes da reunião, os investidores apontavam para um aumento de cerca de 30 pontos base, um valor justificado principalmente por causa do impacto económico da invasão russa na Ucrânia. No mês passado, previamente ao ataque mas já depois da reunião do BCE de 3 de fevereiro, os mercados apontavam para uma subida de 55 pontos base até ao final de 2022, o que teria colocado a taxa acima dos 0%.

Ou seja, neste momento, os investidores esperam um aumento dos juros, mas não no mesmo grau que se esperava antes da guerra. A concretizar-se a subida desta taxa, será a primeira vez que tal acontece desde 2011. Acresce que desde 2014 que os juros sobre os depósitos têm estado em terreno negativo.

Durante a conferência de imprensa, Christine Lagarde fez pelo menos duas tentativas para moderar as interpretações do mercado. Em primeiro lugar, rejeitou a ideia de que estas decisões correspondem a uma aceleração da retirada dos estímulos. “As decisões tomadas hoje são a continuação lógica das nossas decisões de dezembro e da nossa comunicação de fevereiro”, afirmou Lagarde, assegurando que os passos são dados com base nos dados que chegam. “Não estamos a falar de uma aceleração ou de um aperto. Estamos a falar de normalizar”, defendeu, justificando a normalização com os níveis elevados de inflação na Zona Euro.

Em segundo lugar, apontou para uma mudança no comunicado que sinaliza uma postura de pomba (dovish, isto é, favorável a estímulos monetários). Em causa estão o momento em que os juros vão subir: anteriormente, o comunicado referia que as compras de ativos iam acabar “pouco antes” da subida dos juros; agora diz que a subida dos juros será “algum tempo depois” do fim das compras. Se antes não havia um “compasso de tempo muito grande” entre o fim da compra de ativos e a subida de juros, com a nova expressão há um “horizonte aberto”, o qual dependerá dos dados que cheguem.

Tanto pode ser uma semana depois como meses depois”, especificou Lagarde, argumentando que o mais importante são os dados e não o horizonte temporal. Esta mudança coloca uma incógnita sobre o momento exato em que os juros vão subir, mesmo que as compras de ativos ao abrigo do programa APP terminem no terceiro trimestre, como aponta o comunicado — ainda que também esta decisão não seja definitiva e esteja dependente dos dados que chegarem ao BCE.

No comunicado, o BCE explicava também que “qualquer ajustamento” aos juros será feito de forma “gradual”. E voltava a deixar a garantia de que está preparado para ajustar todos os seus instrumentos, conforme apropriado, para assegurar que a inflação estabilize no seu objetivo de 2% no médio prazo. Lagarde insistiu que era necessário manter toda a flexibilidade e todas as opções em cima da mesa neste período de “máxima incerteza”.

Inflação acelera para 7,1% no cenário severo

Depois da conferência de imprensa, o BCE revelou mais pormenores das projeções do seu staff e os números apontam para revisão significativas face às últimas previsões, como o ECO escreveu. Porém, as projeções (com data de fecho de 28 de fevereiro, pouco dias após o início do conflito) completas, que incluem um cenário adverso e um cenário severo, dão mais pistas sobre o que poderá acontecer nos próximos meses, consoante a evolução da guerra na Ucrânia.

Num cenário intermédio, o cenário adverso, a taxa de inflação seria ligeiramente superior, mas o principal impacto seria no PIB, o qual é revisto em baixa para apenas 2,5% em 2022. Este cenário assume que há mais sanções à Rússia, com disrupções nas cadeias de valor, cortes no gás russo, com os preços a subir ainda mais, e uma menor produção na Zona Euro, ainda que temporária, até que haja substituição das fontes de energia. “Além disso, as tensões geopolíticas seriam mais constantes, levando a mais disrupções financeiras e a uma incerteza mais persistente“, descreve o BCE.

No pior dos cenários, o cenário severo, a taxa de inflação pode chegar aos 7,1% em 2022, principalmente por causa do impacto dos preços da energia. Nesse cenário, haverá maiores efeitos de segunda ordem da subida dos preços no resto da economia, com implicações no crescimento económico, o qual sofreria um corte para 2,3%. Porém, mesmo neste cenário severo, a inflação chegaria a 2024 nos 1,9%, provavelmente por causa da travagem do PIB, com a guerra a afetar o consumo e o investimento.

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