Governo perde apoio de Espanha para travar preços no Mibel

O mecanismo foi criado pelos dois países e prevê um teto máximo de 180€/MWh para a luz no Mibel. Espanha diz que não o vai fazer e procura outras opções que agradem mais a Bruxelas.

Ainda a proposta ibérica para travar o preço do gás usado para produzir eletricidade — através da imposição de um teto máximo de 180 euros por MWh no mercado grossista Mibel — não chegou a Bruxelas e Madrid já está a roer a corda ao Governo português.

Esta segunda-feira, o jornal Cinco Días (acesso livre, conteúdo em espanhol) dá conta que Espanha não aplicará este limite de 180 euros por MWh no mercado grossista de eletricidade, como chegou a estar previsto num mecanismo anunciado a semana passada pelos dois países ibéricos, e está já a trabalhar em “outras opções, que permitam obter maior unanimidade no seio da UE”.

Esta foi a garantia dada por fontes do Ministério para a Transição Ecológica à agência espanhola Efe, sem dar dar mais explicações ou confirmar se já informou o Governo português. O ECO questionou o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, que respondeu não ter “nada a acrescentar sobre esse tema”.

Fontes ouvidas pelo jornal especializado El Periódico de la Energía (acesso livre em espanhol), dizem que Madrid também quer que o preço do gás deixe de inflacionar a eletricidade no Mibel, mas de outra forma: que seja o próprio sistema elétrico a pagar a diferença entre as centrais a gás e as centrais elétricas sem emissões, obtendo um preço médio horário mais justo.

Portugal mantém-se firme no limite de 180€/MWh no Mibel

Ainda este fim de semana, durante uma visita à Albufeira da Caniçada, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, voltou a frisar que é urgente “fixar um valor máximo para o gás usado para produzir eletricidade”.

À margem do evento, o governante disse perante as câmaras da RTP que “é absolutamente essencial encontrar uma forma, ainda que transitória no tempo, para limitarmos o preço da produção de eletricidade. E porque o que está a marcar esses preços mais elevados é o aumento do preço do gás, é por aí que temos de agir”. “Só dessa forma se pode controlar o elevado preço da energia elétrica”, reiterou o ministro.

Mas como funcionaria este mecanismo, na prática?

Basicamente, a fórmula já estava desenhada pelos governos de Portugal e Espanha e iria ser apresentada a Bruxelas esta semana. O objetivo seria acabar por limitar sim o preço do gás usado nas centrais de ciclo combinado, mas de uma forma indireta.

Como? Através da imposição de um teto máximo ao preço do MWh no mercado grossista Mibel (spot diário e intradiário), pelo menos enquanto o seu funcionamento marginalista não for alterado.

Senão veja-se: de acordo com o que Matos Fernandes já apresentou na semana passada no Parlamento, Portugal e Espanha planeavam impor um preço máximo de 180€/MWh para a eletricidade no mercado grossista (algo que já aconteceu no passado).

Significa isto que todos os produtores ibéricos de eletricidade, sobretudo as centrais de ciclo combinado só poderiam vender a sua energia em mercado até este preço (e nem mais um cêntimo), mesmo que o gás natural adquirido para gerar eletricidade tenha custado muito mais.

Aqui estaria o tal limite ao preço do gás de que o Governo fala e que o primeiro-ministro António Costa defendeu na cimeira de Roma e iria apresentar à UE.

Esta semana, o governante tinha como missão pedir em Bruxelas medidas rápidas que passem “pela fixação de um preço de referência máxima para o gás, desta forma evitando a contaminação do preço da eletricidade pela subida indiscriminada do preço do gás, e através de um mecanismo técnico que permita pagar o diferencial entre o preço de referência e o preço que existe neste momento no mercado”.

O diferencial, ou sobrecusto, entre os 180 euros fixados e o valor que o gás realmente custou às centrais térmicas seria então pago por um European Compensation Fund. Caso seja por financiamento nacional, o pagamento seria feito através da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, anunciou já Matos Fernandes no Parlamento.

Independentemente de quem pagasse a fatura, esta seria elevada e geraria um défice, ainda que o ministro fale de “poupança”.

O Governo já até tinha feito contas: neste momento, Portugal e Espanha pagam mensalmente 9200 milhões de euros de gás e com o novo mecanismo ficariam a pagar 3500 milhões, o que equivale a uma “poupança” de 5700 milhões, para um sobrecusto mensal de gás de cerca de 250 milhões de euros.

No caso de Portugal, a “poupança” mensal líquida seria de cerca de 1.100 milhões de euros para um sobrecusto mensal de gás de cerca de 250 milhões.

“Com esta proposta, estamos a gerar um défice? Sim, mas este é muito menor que a poupança, e, se for por meses, valerá a pena. Lutaremos para que Bruxelas vá além de um tool kit das generalidades e nos acompanhe nesta proposta. Mas aviso: são muitos os opositores, entre os países europeus”, disse Matos Fernandes.

Espanha está disposta a avançar com Portugal, à revelia de Bruxelas?

Fazendo votos para que a proposta seja aprovada no Conselho Europeu, Costa disse que, se tal não for o caso, “entre Portugal e Espanha temos neste momento as condições e a decisão tomada de avançarmos em conjunto, no âmbito do mercado ibérico, para a fixação deste novo mecanismo”.

Além disso, com este novo mecanismo, “todas as centrais renováveis oferecem ao seu custo variável, exceto as centrais hídricas com armazenamento (em caso de ano hidrológico seco)”.

Na prática, Portugal e Espanha não querem nunca mais ver o preço do MWh no mercado grossista ibérico Mibel chegar a valores médios diários 541,78 e 544,98 euros por MWh, com recordes horários de 651 euros e 700 euros por MWh.

Isto aconteceu a 8 de março, dia em que também se verificou um forte aumento da cotação que o gás natural (usado nas centrais de ciclo combinado), chegando os contratos holandeses TTF (referência na Europa) a superar os 300 euros por MWh.

“É urgente desenhar um mecanismo de salvaguarda no mercado de eletricidade, sob pena de se gerarem efeitos nefastos irreversíveis sobre o tecido produtivo industrial europeu e sobre as famílias”, disse Matos Fernandes.

Quando à extrema dependência da Europa do gás russo, Matos Fernandes defendeu que estar preso a um só mercado é um “absurdo estratégico”.

“Porque o gás será sempre um combustível de transição, porque não vejo forma de a Europa viver sem gás durante os próximos 20 anos, de facto, a dependência exclusiva de um só mercado é um absurdo estratégico”, rematou.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Governo perde apoio de Espanha para travar preços no Mibel

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião