Um terço dos docentes que ensinam futuros professores não tem formação no ramo educacional

Ao mesmo tempo que se chamam licenciados sem conhecimento pedagógico para serem docentes, o número de professores diplomados, e jovens interessados nos cursos de Educação, é cada vez mais reduzido.

Um terço dos docentes do ensino superior que asseguram a formação inicial de futuros professores não tem formação no ramo educacional e os perfis académicos estão desajustados às componentes de formação, alerta o mais recente estudo do EDULOG, iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo, divulgado esta sexta-feira. Ao mesmo tempo que se chamam licenciados sem conhecimento pedagógico para serem docentes, o número de professores diplomados, e jovens interessados nos cursos de Educação, é cada vez mais reduzido.

“A maior parte dos docentes, formadores de professores, possui o doutoramento e tem habilitações académicas ajustadas à natureza das unidades curriculares (UC) que lecionam. É, no entanto, de registar que cerca de um terço dos docentes que asseguram estas UC não tem formação no ramo educacional e os perfis académicos são desajustados à natureza de algumas UC/componentes de formação, predominantemente ao nível das didáticas específicas (situação que se verifica em todos os níveis de habilitação)”, lê-se no estudo “Perfil académico e profissional de professores do ensino superior que asseguram a Formação Inicial de Professores”.

“O mesmo acontece ao nível da área educacional geral (no caso das IES público que habilitam para a docência nos primeiros seis anos de escolaridade) e da iniciação à prática profissional/prática de ensino supervisionada (no caso das IES público que habilitam para a docência no 3.º CEB e ensino secundário).”

Fonte: Estudo “Perfil académico e profissional de professores do ensino superior que asseguram a Formação Inicial de Professores”, do EDULOG

Neste contexto, o estudo alerta para o facto de que, sendo a formação inicial de professores tão importante, sejam predominantemente os professores em início de carreira que asseguram estes cursos, sendo reduzido o número daqueles que têm experiência de lecionação nos ensinos básicos e secundário.

“A par disso, e apesar das indicações legais para a progressão de carreira, muitas das instituições de ensino superior que fazem parte da análise do estudo não têm aberto concursos para tal, o que pode significar um indicador das dificuldades financeiras vividas neste setor”, estima o EDULOG.

No que respeita às atividades de investigação, o estudo mostra que a maioria dos docentes tem ligação a centros de investigação, ainda que não seja feita referência ao tipo de pertença, nem à participação em projetos. Todavia, o volume de publicações de artigos por parte destes docentes é, regra geral, baixo.

Apesar das indicações legais para a progressão de carreira, muitas das instituições de ensino superior que fazem parte da análise do estudo não têm aberto concursos para tal, o que pode significar um indicador das dificuldades financeiras vividas neste setor.

EDULOG

Ainda no campo da investigação, o estudo adianta que a publicação de artigos científicos em revistas indexadas (como, por exemplo, a Scopus ou a Web of Science), apesar de reduzida, é mais expressiva no caso dos docentes ligados ao ensino universitário do que ao ensino politécnico, tanto no sistema de ensino público como privado.

Recomendações

Para contrariar este cenário, o EDULOG propõe o “reconhecimento institucional da formação inicial de professores, criando condições de desenvolvimento profissional que lhes permita aprofundar os conhecimentos sobre as práticas do ensino supervisionado, ao mesmo tempo que se criam condições de envolvimento dos estudantes, em estágio, em atividades de investigação sobre a prática docente”.

Por outro lado, os protocolos de cooperação entre as instituições de ensino superior e as escolas cooperantes devem, segundo a entidade responsável pelo estudo, ser ampliados a processos institucionais de trabalho coletivo, evitando, assim, o isolamento da relação dos professores cooperantes no seu relacionamento apenas com os estagiários.

Para a realização deste estudo, foram analisados todos os cursos que asseguram a formação inicial de professores, de instituições públicas e privadas, acreditados pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES). Foi considerado, assim, um total global de 1.736 docentes que asseguram o ensino de 2.878 unidades curriculares. Destes, 1.260 professores estão associados a 2.040 unidades curriculares de cursos lecionados em instituições de ensino superior público e 476 associados a 838 unidades curriculares de cursos em instituições de ensino superior privadas. A investigação contou com o envolvimento do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto.

Em 2030 será preciso recrutar 4.100 docentes por ano

Ao mesmo tempo que uma parte significativa dos docentes do ensino superior que preparam os futuros professores não têm formação no ramo educacional, há um problema ainda mais gritante. Da educação pré-escolar ao ensino superior, as linhas traçam um destino pouco animador: há cada vez menos professores.

Em 2020 diplomaram-se 1.567 docentes, mas as necessidades de recrutamento futuras apontam para 3.425 por ano em média. E as necessidades não são constantes ao longo do tempo, tendem a intensificar-se à medida que os anos passam. Em 2030 será necessário recrutar mais de 4.100 professores, revela uma projeção feita pela equipa de investigadores da Nova SBE, num estudo pedido pelo Ministério da Educação e apresentado em novembro.

Cerca de 40% dos 120 mil professores que estavam a dar aulas em 2018/19 deverão reformar-se até ao ano letivo de 2030/31. De acordo com o trabalho coordenado por Luís Catela Nunes, a saída de professores do sistema será mais acentuada no pré-escolar (61% de aposentações até 2030), seguida pelo 2.° ciclo do ensino básico (46%). A nível geográfico, a maior queda vai registar-se no centro do país.

A esperança vira-se, assim, para as novas gerações. Contudo, nas universidades, ainda não há grandes sinais de otimismo. Os cursos da área de Educação foram os que registaram maior quebra de inscritos, quase seis mil na última década, deu conta o Conselho Nacional da Educação.

Grande parte do desinteresse na profissão de docente prende-se com a instabilidade que a profissão representa para um grande número de profissionais. O salário e a dificuldade de progressão na carreira são fatores que também pesam na equação: quase metade dos docentes encontra-se entre o primeiro e o quarto escalão remuneratório, num total de dez.

“Infelizmente, os debates e programas dos diferentes partidos não têm uma única medida ou proposta para resolver este problema, que me arrisco a dizer vai transformar-se na próxima pandemia académica nesta década. Os sinais estão dados há muito tempo e nos últimos 10, 12 anos nada foi feito, quando os sinais eram evidentes que mais tarde ou mais cedo íamos pagar esta fatura da falta de professores”, afirmou Carlos Ceia, professor catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, citado pela Renascença.

O docente universitário sublinhou, ainda, que é urgente captar a atenção dos jovens para o ensino e que é um risco grande chamar licenciados sem conhecimento pedagógico para serem docentes.

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