Guerra na Ucrânia também atinge o ambiente, mas pode acelerar a ação

O conflito na Ucrânia, que veio abalar a Europa na sequência da crise pandémica, ameaça o meio ambiente. No entanto, no que toca a metas de descarbonização pode acabar por acelerar a concretização.

Numa altura que se assume como crítica para o combate às alterações climáticas, dois eventos sucessivos vieram arrebatar o palco das preocupações internacionais, em particular na Europa: primeiro, a pandemia de covid-19; mais recentemente, a invasão da Rússia à Ucrânia. Em conjunto, dão azo a disrupções que podem abalar o meio ambiente mas, ao mesmo tempo, reforçam a urgência da “revolução verde”, podendo mesmo levar a uma ação mais célere, consideram fontes europeias, ambientalistas e as empresas.

Embora não sejam tão visíveis quanto as milhares de vidas perdidas e os milhões de deslocados, existem também custos ambientais da guerra. Ao ECO/Capital Verde, a presidente da direção regional da Quercus, Alexandra Azevedo, diz que a situação da guerra poderá ter impactos tanto pelo “aumento de emissões”, como “na destruição de valores naturais e o aumento de resíduos”.

Além disto, “os impactos indiretos pela crise económica, relacionada também, por sua vez, com a crise energética, incentivam ao consumo de produtos mais baratos, que são também muitas vezes os que têm maior pegada ecológica e são socialmente menos responsáveis”, continua a mesma fonte.

Grupos ambientalistas ucranianos, como é o caso da Ecoaction, estão a acompanhar os danos que alguns especialistas consideram ser crimes de guerra. Até agora, esta entidade registou quase 270 potenciais casos de danos ambientais, que variam desde explosões a centrais energéticas até ataques a ecossistemas marinhos no Mar Negro, pelos quais não se sabe ainda se a Rússia será responsabilizada.

“Centrais nucleares, portos marítimos, instalações de armazenamento de resíduos perigosos, indústrias, incluindo centrais químicas e metalúrgicas, estão agora na zona de hostilidades ativas”, escrevem os responsáveis da organização na página inicial do website, denunciando ainda “incêndios em depósitos de petróleo, postos de gasolina e aterros sanitários”.

Embora reconheçam não seja possível fazer ainda um levantamento completo e uma verificação dos danos denunciados — “algo que só será possível [fazer] após o fim das hostilidades ativas” –, a Ecoation frisa que os ucranianos “irão sentir as consequências desta guerra durante anos”.

Do outro lado, a aceleração

A guerra evidenciou as fragilidades da Europa no que toca à dependência energética de outros países, em particular da Rússia, e dos combustíveis fósseis. O que, explica o Ministério do Ambiente ao ECO/Capital Verde, “cria um contexto que obriga a acelerar o caminho já iniciado aquando do compromisso com a neutralidade carbónica”.

O Pacto Ecológico Europeu mantém-se a prioridade número um de longo prazo para a Comissão Europeia, e assim foi tanto durante a pandemia de Covid-19 como durante a invasão da Rússia à Ucrânia.

Comissão Europeia

Fonte oficial

O think tank Ember e o Centre for Research and Clean Air, citados pela Reuters, revelam que, pelo menos, 17 dos países europeus começaram a priorizar a aposta nas energias renováveis. Se as metas forem alcançadas, os planos mais recentes dos países resultarão em 63% da eletricidade da UE produzida a partir de fontes renováveis ​​até 2030, acima dos 55% de suas políticas de 2019, informam os investigadores. Isso implica uma queda na geração de energia com base em combustíveis fósseis para, pelo menos, 595 terawatts-hora (TWh) em 2030, abaixo dos 1.069 TWh em 2021.

O Pacto Ecológico Europeu mantém-se a prioridade número um de longo prazo para a Comissão Europeia, e assim foi tanto durante a pandemia de covid-19 como durante a invasão da Rússia à Ucrânia”, garante fonte oficial da Comissão, em declarações ao ECO/Capital Verde. Ao mesmo tempo, este organismo relembra que os objetivos delineados pelo bloco — a neutralidade carbónica até 2050 e um corte de 55% nas emissões poluentes até 2030, face aos níveis de 1990 — foram inscritos na lei, tornando-se vinculativos.

A Comissão Europeia lançou ainda recentemente o RePower EU, que propõe maior ambição nas metas de eficiência energética e de incorporação de energia de fonte renovável, atualmente em discussão no âmbito do Pacote Fit for 55. Um programa aplaudido pela Galp e pela Greenvolt, contactadas pelo ECO/Capital Verde, e que o presidente executivo da EDP, Miguel Stilwell Andrade, classificou como “um bom primeiro passo”, em declarações aos jornalistas a 2 de junho.

Neste sentido, a guerra impulsiona a transição energética, realça o presidente da associação Zero, Francisco Ferreira, Embora ressalve que a urgência também tem um eventual lado negativo: a possibilidade de determinar investimentos ociosos nos combustíveis fósseis em países de momento menos problemáticos do que a Rússia. Esta associação questiona, por exemplo, o investimento no gasoduto entre França e Espanha, afirmando que provavelmente não estará concluído em tempo útil e as maiores dimensões podem não se justificar para o transporte futuro de hidrogénio verde.

Planos das grandes empresas não derrapam

As energéticas EDP, Galp e Greenvolt, mas também as retalhistas Jerónimo Martins e Sonae, e a papeleira Altri dizem ao ECO/Capital Verde que, na sequência desta guerra e da pandemia, nem reviram as metas ambientais a que se haviam proposto, nem cancelaram ou adiaram quaisquer projetos neste âmbito. Pelo contrário, “a subida dos custos da energia veio reforçar o racional de projetos que estavam previstos acontecer no futuro e cuja implementação está a ser antecipada”, afirma a Sonae.

Sobre o financiamento dos respetivos projetos de sustentabilidade, a EDP reconhece os impactos da guerra e da pandemia na economia, mas diz-se preparada para dar resposta, nomeadamente através da emissão de dívida verde. A Sonae acredita que a “crescente consciência global da importância de lutar contra as alterações climáticas” tem contribuído para o incremento de financiamentos sustentáveis, e diz que a sua capacidade de financiamento não foi afetada.

A Greenvolt “não acredita” que se sinta “grande impacto” no financiamento e espera que todos reconheçam “que será necessário investir cada vez mais nas renováveis”. A Galp “não registou, até ao momento, alterações significativas no acesso a financiamento para os seus projetos”. Embora ressalve que a inflação que emergiu do contexto de pandemia e guerra afeta todos os seus negócios e tem impacto nos investimentos, pelo agravamento das taxas de juro e do preço dos equipamentos.

Questionada sobre se a capacidade de financiamento de projetos ambientais fica afetada com a guerra, a Comissão Europeia refere apenas que na sequência da pandemia libertou mais de 800 mil milhões de euros, com vista a tornar os países mais preparados para enfrentar desafios ambientais e digitais. A nível nacional, o Ministério do Ambiente aponta o Fundo Ambiental como “o principal instrumento financeiro da política do ambiente” e destaca incentivos fiscais. Como aquele dirigido à aquisição de veículos elétricos, a eliminação dos incentivos fiscais aos combustíveis fósseis e a redução dos valores dos passes sociais através do Programa de Apoio a Redução Tarifária dos Transportes, entre outros.

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