Carbono pode ser azul. Projeto pioneiro em Portugal investe no mar para descarbonizar
A Fundação Calouste Gulbenkian vai investir em ecossistemas marinhos que capturam carbono, e quer depois promover esta opção junto das empresas, para que possam compensar as suas emissões.
Quando se pensa em retirar carbono da atmosfera, a primeira imagem que surge será, muito provavelmente, a de uma floresta. Mas existem outros ecossistemas, que se situam na fronteira entre a terra e o mar, que conseguem ser oito a trinta vezes mais eficazes nesta captura, garante Rui Santos, investigador no Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve. É por isso que, em conjunto com a Fundação Calouste Gulbenkian, a Associação Natureza Portugal (ANP) e a WWF, vão ser estudados os ecossistemas costeiros em Portugal, que armazenam o chamado carbono azul, num projeto pioneiro que pretende contribuir para a descarbonização. Depois do estudo, quer-se promover o investimento privado na área e quer até criar um mercado de carbono azul.
Mas o que é o carbono azul? No fundo, é apenas carbono, mas que é captado pelos ecossistemas marinhos e costeiros em vez da floresta. Estes ecossistemas também têm nomes pouco conhecidos do público em geral – mangais, pradarias marinhas, sapais e florestas de algas. Em Portugal não existem mangais, que são típicos de zonas tropicais, e as florestas de algas “não são tão relevantes”, diz Rui Santos, pelo que o estudo se vai focar nos sapais e nas ervas marinhas. Já se sabe que estão espalhados por nove áreas de norte a sul, em sítios como o Parque Natural da Ria Formosa, a Reserva Natural de Castro Marim, o estuário do Arade, o de Mira, a ria de Alvor e a de Aveiro, a reserva do estuário do Sado e a do estuário do Tejo e, finalmente, a Lagoa de Óbidos.
O primeiro passo vai ser mapear estes ecossistemas: saber onde se encontram e qual o estado deles. Perceber se só precisam de ações de preservação ou se é necessário um restauro. Depois, calcular quanto carbono conseguem absorver e os custos associados à manutenção. Feito isto, já é possível passar à segunda fase: intervir. E a primeira entidade a fazê-lo, vai ser a Fundação Calouste Gulbenkian.
“Vamos ser as cobaias. É o que a filantropia deve fazer”, diz Filipa Saldanha, responsável pelo Programa Gulbenkian Desenvolvimento Sustentável, em declarações ao ECO/Capital Verde. “Vamos testar numa área piloto, construir a semente para conseguir escalar o projeto. Depois, explicar como funciona a investidores futuros”, explica. Sendo que a primeira fase está já a iniciar-se, e deverá prolongar-se até outubro ou novembro, a fundação espera avançar com o investimento piloto já no último trimestre.
Quanto ao volume do investimento, afirma que ainda não se consegue saber, só após a fase de estudo. A fundação compromete-se contudo a, independentemente do valor apurado, compensar desta forma as 2238 toneladas de dióxido de carbono equivalente que calcula ter emitido em 2021.
"Ainda não posso dizer os nomes das empresas, mas temos já quatro grandes empresas portuguesas que sabem do projeto e estão muito interessadas em saber mais”
E é esta lógica de compensação que a fundação vai depois propor às empresas. Conta ganhar experiência até 2023 e que, ao longo desse ano, já seja possível ter outros investidores envolvidos e a começar os seus próprios projetos. “Ainda não posso dizer os nomes das empresas, mas temos já quatro grandes empresas portuguesas que sabem do projeto e estão muito interessadas em saber mais”, refere.
Mas há ainda uma terceira carta na manga: um mercado voluntário de carbono. A lógica é semelhante ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE), no qual as empresas pagam pelo “direito de poluir” – ou seja, as emissões que não conseguem evitar têm através deste mercado um preço. No caso do mercado voluntário de carbono azul, a ideia é que as empresas paguem para compensar as emissões que não conseguem evitar. Há contudo outra uma diferença relevante: enquanto no CELE o preço está dependente da oferta e da procura, no mercado de carbono azul o preço seria fixado consoante os custos da operação associada à compensação de emissões, isto é, o investimento necessário para preservar ou restaurar estes ecossistemas com capacidade de absorver determinada quantidade de carbono.
Filipa Saldanha explica que no estrangeiro existem mercados voluntários de carbono, mas os valores associados variam muito de país a país. Há um relatório britânico que coloca o valor do carbono azul em 25 euros por tonelada de CO2 equivalente. A McKinsey aponta para 9.000 euros por hectare, sem referirem o preço por tonelada de CO2 equivalente. Mas variará consoante o tipo de intervenção e a capacidade de absorção de cada ecossistema.
A ideia é começar a trabalhar neste mercado em 2023, para o lançar no final do ano ou em 2024. “Vai depender do tempo de resposta das entidades públicas”, de que tudo está dependente dado que o oceano é um bem público, diz Filipa Saldanha. Já aconteceram as primeiras conversações com o Governo e a recetividade foi positiva, com o Executivo interessado no potencial do projeto para acelerar as metas de descarbonização, indica. Para já, não há referência a estes ecossistemas no Roteiro para a Neutralidade Carbónica. A fundação acredita que este mercado pode ser importante para escalar o número de investidores, já que simplifica o processo: podem adquirir simplesmente as unidades correspondentes às suas emissões, sem ter de entrar mais a fundo nos processos de conservação.
Nas últimas décadas perderam-se mais de 50% dos ecossistemas de carbono azul, indica Rui Santos, o que implica que o carbono que havia sido armazenado por estes regressou à atmosfera. E é neste ponto que agora começam os trabalhos.
Mas afinal, como é que o mar sequestra o carbono?
O carbono está no ar, na forma de dióxido de carbono. Tal como acontece com as plantas das florestas, as plantas do mar captam-no e armazenam-no no seu corpo. A diferença é que, quando morrem, as plantas das florestas são decompostas por bactérias e fungos, libertando-se o dióxido de carbono.
No caso dos ecossistemas marinhos, como o solo é menos rico em oxigénio, as plantas demoram “muito mais” a degradar-se, explica Rui Santos, pelo que o dióxido de carbono fica retido por mais tempo. E não é só o carbono presente no ar que se fixa nas lamas que servem de base às plantas marinhas – também o carbono presente na água é aqui capturado. “Não existe um limite no carbono que pode ser acumulado no solo. Pode ter centenas ou milhares de anos, se estes ecossistemas não forem perturbados, destruídos”, conta o investigador.
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