Dos poderes à avaliação. Como Paulo Macedo olha para os administradores não executivos

Líder da CGD deu aula de corporate governance a gestores do Norte, defendendo a declaração de conflitos de interesse nas empresas e que na administração não têm de ser “todos amigos e camaradas”.

Os administradores não executivos têm um peso cada vez maior na administração das grandes empresas, mas continua a faltar definição sobre o papel que devem ter estes gestores com características de independência. A começar pelos poderes. “Infelizmente vimos na televisão pessoas que achavam que a única coisa que deviam fazer era estar presentes nas reuniões. As pessoas são responsabilizadas porque as decisões são solidárias; não vale a pena dizer ‘não vi, não fui, não estava lá’. São, de facto, coisas que queremos todos deixar para trás”, desabafou Paulo Macedo, numa alusão aparente aos casos do BES e do BCP.

O presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) reconhece que, no que toca à intervenção dos não executivos dentro dos conselhos de administração, nem sempre está claro o papel que devem exercer. E a maior parte dos boards, sublinhou durante um almoço-debate organizado pela APD Portugal na Casa da Música, no Porto, fica já “muito contente” se for executada essa componente do controlo — se os documentos são apresentados, se estão corretos, se as contas estão certificadas — e do desafio aos executivos, fazendo as perguntas certas.

“Mas o papel tem de ir mais longe. Os não executivos estão lá para trazerem insights. Não é para assistirem às reuniões, é para aportarem valor. Quando se é administrador de empresas é porque se pode aportar valor, mesmo sendo especialistas noutras áreas e não naquele negócio”, acrescentou. E se é unânime a necessidade de os gestores executivos serem avaliados, no caso dos não executivos reconhece que é uma discussão mais polémica, embora não tenha dúvidas de que devem igualmente ser avaliados para ter “algum tipo de feedback”.

Paulo Macedo lamentou que em Portugal não seja feita essa avaliação dos não executivos. “Quando muito, diz-se que esteve muito presente, que cumpriu diligentemente, mas feedback à séria não há. Isto não é de somenos porque os tais independentes têm um papel importante nas grandes organizações. Tem de se saber se estão a acertar ao lado — muitas vezes a fazer de executivo, que não é o que se quer — ou se estão a trazer questões novas, estratégicas, que não estão na ordem do dia e que são de antecipação”, completou.

Durante esta intervenção no evento CEO Discussions, realizado esta semana no conhecido espaço cultural da cidade Invicta, o presidente executivo da CGD notou ainda que quem está no conselho não tem de fazer aquilo que designou como “o papel do chefe” — se tiver de o fazer “é porque a coisa está mal parada” – e deve dar a oportunidade para os restantes falarem. E se tiver sido feito o fit & proper correto, com a seleção de administradores com a experiência certa, então devem ser escutadas essas pessoas com conhecimentos de marketing, do ramo jurídico, de compliance ou da área digital, por exemplo.

Outro conselho deixado à plateia composta maioritariamente por empresários e gestores do Norte, foi o de praticar o teaming, em vez do team building: “Muitas vezes nos conselhos de administração grandes, com não executivos, temos pessoas que se veem duas vezes por mês. Não pretendemos tanto fazer team building e fazer de conta que somos todos amigos e camaradas; somos mais profissionais e temos de construir muito mais a forma como nos relacionamos e a dinâmica que apresentamos”.

Declarar conflitos interesses nas empresas públicas e privadas

A corporate governance é um conjunto de processos, órgãos e meios através dos quais uma organização é dirigida e controlada. Um dos aspetos primordiais é o conjunto de checks and balances que garantem que numa organização há quem dirija e exerça o poder, mas também alguém independente, que possa supervisionar, fiscalizar, escrutinar e questionar. A invasão do Capitólio, na sequência das últimas eleições americanas, foi o exemplo dado por Paulo Macedo para salientar a importância dessa arquitetura institucional, incluindo a separação de poderes.

No caso dos processos da avaliação da adequação ao cargo (fit & proper), que no setor financeiro “até podem ser demasiado pesados por tudo o que aconteceu de negativo” no setor nas últimas crises, há uma avaliação que começa por ser de conhecimento sobre o setor – ou, em alternativa, de outras matérias que possam aportar valor à organização de forma indireta – e que abarca depois os eventuais conflitos de interesse dos administradores. Paulo Macedo defende que qualquer empresa, seja pública ou privada, devia avançar com essas declarações, que em Portugal praticamente só são exigidas aos políticos.

“Os conflitos de interesse não são impeditivos de nada, à partida. Têm é de ser conhecidos e mitigados. Depois ou são mitigados e anda-se para a frente; ou não conseguem ser mitigados e são um impedimento. Agora, [a declaração dos] conflitos de interesse deviam ser uma prática de qualquer empresa pública ou privada. Nas pessoas das compras, por exemplo, quais as empresas com que se relacionam em termos familiares? Isto não é uma coisa lá dos políticos ou, para já, das pessoas da área financeira”, questiona o líder máximo do banco público.

E para uma instituição se defender dos riscos, Macedo elencou três linhas de defesa. Uma primeira são os comerciais, que “hoje em dia têm obrigação de conhecer quem é o cliente”. De seguida, no caso das empresas de maior dimensão, é a área de risco e compliance. E a terceira linha de defesa é a auditoria. “Isto cria uma cultura sã na empresa” e um dos vetores é que quem está na linha da frente entenda que tem uma responsabilidade nos riscos em que está a colocar a organização. “No caso da banca são mais elevados porque pode haver lavagens de dinheiro, mas nas pequenas empresas têm de saber se o cliente existe, se não está falido e quais são os seus riscos públicos”, frisou.

Paulo Macedo considerou ainda que “um dos maiores handicaps nas empresas é a falta de formação no topo, de quem gere as empresas”, advertindo que este não é só um problema das PME, mas alargado igualmente às estruturas de maior dimensão. No caso específico da Caixa Geral de Depósitos, que soma atualmente 6.000 colaboradores, há diferentes programas de formação para os gestores de topo e administradores (além de outros específicos para os diretores, gerentes de agência e coordenadores), que todos os meses têm sessões sobre matérias tão diversas como a gestão de risco ou o digital.

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