Tribunal de Contas deteta pagamentos indevidos no programa Escola Digital
Um relatório do Tribunal de Contas sobre o programa Escola Digital revelou atrasos na entrega dos 100 mil computadores previstos e pagamentos indevidos às operadoras por serviços móveis não ativados.
Os prazos e os pagamentos pela aquisição de 100 mil computadores portáteis, hotspots e serviços de conectividade na pandemia, no âmbito do programa Escola Digital, decorreram em desconformidade com o que foi contratualizado. A conclusão é do Tribunal de Contas (TdC), que, no relatório sobre a Fase Zero da aquisição de computadores e conectividade para alunos com Ação Social Escolar (ASE), indica que dos nove milhões de euros com IVA (ou 7,4 milhões sem IVA) previstos para a rede móvel, o anterior Governo pagou apenas 6,6 milhões com IVA. Ao mesmo tempo, há equipamentos que ainda permanecem por entregar aos alunos, apesar de terem sido faturados e pagos.
Para a aquisição dos equipamentos, a Secretaria-Geral da Educação e Ciência (SGEC) celebrou, em 2020, três contratos para os computadores, por 24,4 milhões de euros, e outros três para a conectividade, por 7,4 milhões, num montante total de 31,8 milhões (sem IVA), financiado a 100% por fundos europeus. Contudo, em 2021 (com efeitos a 2020), foi permitido o financiamento por dotações do Orçamento do Estado, no valor de 318 mil euros, porque a distribuição dos equipamentos, inicialmente prevista para alunos com ASE do ensino básico e secundário de escolas públicas, incluiu também alunos com ASE de escolas de ensino particular e cooperativo, com contrato de associação.
Embora constate que o âmbito dos equipamentos foi alargado, o TdC considera errado que os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não tenham sido considerados nos contratos, visto que “a distribuição de computadores deveria incluir todos os alunos com ASE”. Além disso, o tribunal sublinha que “quaisquer alterações contratuais não podem revestir forma menos solene que a do contrato celebrado, pelo que se deveria ter procedido à outorga das respetivas adendas, o que não sucedeu”.
Ao mesmo tempo, os computadores distribuídos a esses estabelecimentos foram suportados pelas dotações do Orçamento do Estado, mas “apresentavam, indevidamente, a identificação de cofinanciamento por fundos europeus”. A SGEC esclareceu, a este respeito, que à data da entrega dos equipamentos “ainda se considerava possível financiamento pelo POCH (Programa Operacional do Capital Humano, inserido no Portugal 2020), motivo pelo qual continham a referência ao cofinanciamento por fundos comunitários”. O TdC apela, nesse sentido, à regularização da situação.
O relatório do TdC aponta também que não foram cumpridos os prazos contratualmente previstos para a distribuição dos equipamentos. A entrega às escolas dos computadores portáteis, hotspots e cartões SIM estava estipulada para ocorrer entre 10 de setembro e 15 de outubro de 2020, mas decorreu apenas em finais de novembro e dezembro de 2020 e ainda em janeiro de 2021, havendo computadores por entregar aos alunos, seja por ainda não terem procedido ao levantamento, ou não o fizeram com celeridade; pela existência de muitas recusas, justificadas com a má qualidade dos equipamentos, receios de perda ou quebra e morosidade e elevados custos de reparação.
Quanto aos contratos de conectividade, além do atraso nos prazos de entrega, o relatório revela que os pagamentos, no total de 6,6 milhões de euros com IVA, ficaram aquém do contratualmente previsto de 9 milhões com IVA (7,4 milhões sem IVA). O contratualizado era que as prestações eram devidas desde a data da ativação até 31 de agosto de 2021; porém, o TdC constatou que “foi paga a prestação de serviços de conectividade de equipamentos entregues às escolas, mas não aos alunos e, portanto, sem qualquer ativação”.
Em dois dos três contratos, o montante faturado acabou por ser superior às obrigações contratuais num valor estimado de 1,3 milhões de euros (com IVA), uma desconformidade que, segundo o tribunal, “é crítica para determinação de eventuais pagamentos indevidos”.
"Impõe-se concluir o processo de reverificação e validação do cumprimento das obrigações contratuais por parte dos adjudicatários e das faturas emitidas, que a SGEC refere já estar a levar a cabo, com vista a determinar o montante dos pagamentos indevidos (estimados em cerca de 1,3 milhões de euros) e das verbas a repor, para subsequente notificação às operadoras.”
A auditoria relata ainda deficiências e insuficiências no sistema de acompanhamento e controlo dos equipamentos, nomeadamente na plataforma “Escola Digital – registo dos equipamentos”. Entre elas, destacam-se bloqueios frequentes que dificultaram o registo célere da informação – mas que, segundo a SGEC, “foram resolvidos de forma expedita e célere”; dificuldades nas opções de escolha do equipamento a afetar, devido à quantidade de informação, o que conduziu a erros no registo e inconsistência dos dados; limitações nos registos por só existir uma password de acesso; e falta de registo do histórico dos equipamentos – que a SGEC justifica com o facto de a plataforma ter sido criada em setembro de 2020 e ter sido aperfeiçoada desde então, com o registo histórico a ser iniciado em julho de 2021, não abrangendo todas as situações.
Por fim, o tribunal recomenda à SGEC que “prossiga o apuramento de desconformidades entre os montantes faturados e pagos no âmbito dos contratos de aquisição de hotspots e serviços de conectividade e os montantes devidos à luz das correspondentes obrigações contratuais” e “adote as medidas necessárias para suprir as deficiências e insuficiências identificadas na auditoria e melhorar os sistemas de acompanhamento, gestão e controlo dos equipamentos”.
Com um financiamento de 400 milhões de euros, o programa Escola Digital foi uma das bandeiras do anterior Governo, sob a alçada do ex-ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues, e foi planeado ainda antes de a pandemia de Covid-19 ter evidenciado as fragilidades existentes em termos de acesso a ferramentas digitais por parte dos alunos que no final do ano letivo de 2019/2020 tiveram de recorrer às aulas à distância.
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