Os cinco números que marcaram o mandato de João Lourenço

  • Joana Abrantes Gomes
  • 24 Agosto 2022

Face há 5 anos, João Lourenço não conseguiu baixar o desemprego, uma das suas mais famosas promessas. Mas a economia angolana mostra sinais de recuperação, com o PIB a crescer e a inflação a descer.

Inflação elevada, contração do Produto Interno Bruto (PIB), desvalorização da moeda nacional, mais desemprego – sobretudo entre os jovens – e uma maior incidência da pobreza. Os dados económicos dos últimos cinco anos, com uma pandemia, um programa de austeridade e os efeitos de uma guerra pelo meio, refletem uma realidade muito desafiante em Angola, que apenas saiu da recessão no final do ano passado.

Desde 2017, ano em que sucedeu a José Eduardo dos Santos na presidência do país, a política económica de João Lourenço tem sido marcada por uma série de privatizações, reformas (principalmente no setor mineiro, petrolífero e dos diamantes e na regulação aérea), novas concessões a privados e contenção orçamental, de modo a baixar a pressão do Estado sobre as taxas de juro a nível doméstico. É o resultado do resgate negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), mas o país ainda não viu os frutos materiais das reformas implementadas – embora já exista mais produção agrícola e transportes públicos e um mercado cambial mais eficiente, por exemplo.

Da evolução da taxa de desemprego ao crescimento económico, o ECO reuniu cinco dados que marcaram a economia angolana durante a presidência de João Lourenço, que nas eleições gerais desta quarta-feira concorre a um segundo mandato pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

1. Promessa de baixar desemprego por cumprir

Uma das principais bandeiras de João Lourenço quando assumiu a presidência de Angola era criar 500 mil empregos e reduzir o número de desempregados. Ao fim de cinco anos, o balanço está longe de ser positivo: a taxa de desemprego este ano está acima da registada no início do seu mandato, enquanto a pandemia e a recessão dificultaram a criação de postos de trabalho.

No segundo trimestre deste ano, a taxa de desemprego era de 30,2%, traduzindo uma ligeira descida em termos homólogos, mas acima dos valores de 2017, altura em que o desemprego rondava os 24%, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística de Angola (INE Angola).

Os números são ainda piores na faixa etária dos 15 aos 24 anos: entre abril e junho, a taxa de desemprego jovem situou-se em 56,7%, que compara com 57,7% no período homólogo e 57,2% em termos trimestrais. Na sequência das restrições impostas devido à pandemia de Covid-19, muitas empresas fecharam portas, arrastando ainda mais pessoas para o desemprego, sobretudo jovens.

2. Valorização do kwanza ajudou à queda da dívida pública

Entre 2017 e 2020, a moeda angolana, o kwanza, desvalorizou bastante contra o euro e o dólar. Segundo dados da Ebury, empresa especializada em pagamentos internacionais e gestão de câmbios, um euro vale atualmente cerca de 430 kwanzas, enquanto um dólar equivale a 428,5 kwanzas. Ao todo, durante o mandato de João Lourenço, o kwanza desvalorizou 120% face ao euro e 158% face ao dólar, mas desde há dois anos que a subida das receitas do petróleo tem fortalecido a moeda angolana, ganhando terreno às divisas da Zona Euro e dos EUA.

Para esta valorização contribuiu também a estabilização e a liberalização do mercado cambial, que agora funciona de “maneira rápida e eficiente”, a par com a descida do IVA de alguns produtos, segundo explicou ao ECO um economista especialista em Angola. Apesar de ter tido um impacto relevante em dificultar a descida da inflação, “gerou confiança no equilíbrio do sistema atual e gerou as condições para um início de diversificação económica, tornando as importações muito mais caras”, disse, detalhando tratar-se de um processo “que está a começar a ocorrer no setor agrícola, piscícola e também, ainda que timidamente, em alguma pequena indústria – por exemplo, de processamento alimentar”.

as exportações portuguesas de bens e serviços para Angola têm vindo a diminuir, mas em 2021 voltaram a subir face a 2020. O país que vai esta quarta-feira a votos, por seu lado, perdeu terreno no ano passado no ranking dos países fornecedores de bens para Portugal, enquanto as importações aumentaram a uma média anual de 26,4% entre 2021 e 2027, segundo dados da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) citados pela agência Lusa.

Embora tenha estado em “queda livre” na sequência da liberalização parcial, a valorização do kwanza sustentou a significativa mudança de posição na dívida pública, cujo rácio face ao PIB caiu para cerca de metade. De momento, a dívida pública ronda os 60%, muito abaixo dos mais de 100% que registava no ano passado, quando o FMI tinha em curso um dos mais avultados programas de ajuda financeira em África, no valor de 4,5 mil milhões de dólares (entre 2019 e 2021), que Angola cumpriu de forma considerada exemplar pela maioria dos analistas.

3. Inflação em trajetória decrescente, mas ainda acima dos 20%

Ao contrário da maioria dos países, a inflação em Angola está a desacelerar, o que resulta em grande parte do fortalecimento do kwanza durante o ano de 2021, aliviando o custo dos bens importados. Em julho, o Índice de Preços no Consumidor no país desceu pelo sétimo mês consecutivo, para 21,40%, um valor ligeiramente abaixo do registado em julho de 2017, altura em que a taxa homóloga se situava nos 23,67%, de acordo com o Banco Nacional de Angola (BNA) e o INE.

No início do mandato de João Lourenço, a inflação estava ainda em processo de ser controlada, como descreveu ao ECO o economista especializado em Angola. Agora, o FMI prevê uma descida da inflação este ano para uma média de 23,9%, o que está em linha com uma série de indicadores económicos positivos de Angola. O país conseguiu sobreviver à queda dos preços do petróleo, ainda antes da pandemia, bem como ao impacto da guerra na Ucrânia, que teve um efeito muito positivo nas contas públicas angolanas devido à forte subida dos preços do petróleo a nível mundial.

4. Depois de cincos anos de recessão, FMI prevê crescimento de 3%

Há anos que a economia de Angola vinha a sofrer os efeitos da descida dos preços do petróleo e dos níveis de produção. Em 2020, a pandemia atingiu em força o PIB, que contraiu 5,6%. Era o quinto ano consecutivo de recessão, com um declínio total do PIB de 9,9%.

A partir de 2021, ano em que terminou o programa de ajuda financeira, a economia angolana mostrou sinais de recuperação ao apresentar um crescimento do PIB de 0,7%. Os dados do FMI antecipam para este ano um crescimento económico de 3%, especialmente devido à subida contínua dos preços do petróleo e a um aumento temporário dos níveis de produção.

Fora do petróleo – que nos últimos cinco anos tinha um peso de 34% no PIB –, a economia de Angola também cresce, graças ao fim das restrições pandémicas e ao impacto desfasado das reformas macroeconómicas. De acordo com o especialista na economia deste país produtor de crude, mesmo antes da pandemia os sinais já eram positivos: “No último trimestre de 2019, o PIB não-petrolífero cresceu pelo 6.º trimestre consecutivo, tendo caído nos quatro trimestres de 2020, e voltando a crescer do início de 2021 até agora”. O economista destaca, em particular, o setor da agricultura, “que cresce ininterruptamente há 14 trimestres (três anos e meio)”.

Beneficiando da subida dos preços, a produção angolana teve também um efeito significativo nos cofres do Estado. Nos primeiros seis meses de 2022, aumentou apenas 3,3%, mas as receitas no mesmo período dispararam mais de 70%, atingindo quase os 100 mil milhões de euros, de acordo com as contas da consultora Oxford Economics Africa.

Adicionalmente, “a balança corrente regista superávites há vários anos e deverá continuar a fazê-lo no futuro próximo, e as reservas internacionais pararam de cair e estão em níveis razoáveis”, aponta também o mesmo economista.

Ainda assim, o crescimento previsto não deverá ser suficiente para anular as perdas dos últimos anos, e é também insuficiente para criar riqueza no país, já que o crescimento da população suplanta o crescimento da economia.

5. Menos poder de compra, mais pobreza

O contexto de recuperação da economia de Angola, no entanto, não tem feito diminuir a pobreza. Os dados escasseiam, mas segundo a última atualização do Índice Global Multidimensional de Pobreza, que cita o INE Angola, a taxa de intensidade média da pobreza no país era de 48,9% em 2015-2016.

A taxa de incidência da pobreza multidimensional na área rural (87,8%) é mais que o dobro da taxa de incidência na área urbana (35,0%), sendo que o mesmo relatório aponta que mais de quatro em cada dez angolanos são pobres com privações em habitação de qualidade adequada (44,2%) ou em eletricidade (43,7%) ou de registo civil (43,3%).

Outro estudo, do Afrobarómetro, indica que a pobreza extrema em Angola cresceu de 35% para 44% entre 2019 e 2022, afetando neste momento quase metade da população. Com a elevada inflação e a subida generalizada dos preços, além da recessão que o país viveu durante cinco anos, os angolanos perderam poder de compra.

“As pessoas que estavam numa situação confortável, sem pobreza, se em 2019 eram 31% da população, em 2022 só são 21%. Portanto, há 10% que estavam bem e caíram, estão em situação moderada ou mesmo de pobreza extrema”, sublinhou o politólogo Carlos Pacatolo, investigador da empresa de estudos de opinião Ovilongo, que faz parceria com o Afrobarómetro em Angola.

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