Depois do ‘boom’ de demissões, chegam os colaboradores ‘boomerang’

Depois da "Great Resignation", o "Shift Shock", que é quando as expectativas de uma mudança profissional saem defraudadas, pode estar a fomentar o retorno a uma empresa para a qual já se trabalhou.

Há quem diga que ‘bom filho a casa torna’, mas será que, no mercado de trabalho, regressar a uma empresa para a qual já se trabalhou é bem visto pelos empregadores? Embora a resposta não seja fechada, pois depende sempre de vários fatores, as empresas especializadas em recrutamento ouvidas pela Pessoas dizem que os boomerang employees são cada vez mais comuns. Depois da “Great Resignation”, o “Shift Shock” – quando as expectativas de uma mudança profissional saem defraudadas – pode estar mesmo a potenciar este movimento.

“O padrão da empregabilidade está em constante mutação, assim como a possibilidade de retorno à empresa anterior, com isto os boomerang employees tornam-se cada vez mais comuns. Trocar de emprego nunca é uma decisão fácil e, se esta decisão não correspondeu, de certa forma, às expectativas, regressar pode ser uma boa opção”, começa por dizer Ariana Alves, consultora sénior da Michael Page Finance.

Nos Estados Unidos, onde o “boom” das demissões foi mais acentuado, mais de 46% da força de trabalho são já millennials e profissionais da geração Z. E 72% destes confessa já se ter arrependido de ter aceite um novo trabalho depois de começar o novo desafio, mesmo quando achavam que seria mesmo o “emprego de sonho”, revela um inquérito da The Muse. É a este sentimento de arrependimento que Kathryn Minshew, cofundadora e CEO da The Muse, chama de “shift shock”.

Neste cenário, os boomerang employees, que tentam regressar à empresa de onde saíram, podem tornar-se cada vez mais comuns. Quase metade (48%) das novas contratações que experienciaram este “shift shock” tentaram regressar ao seu emprego anterior.

A decisão de regressar — quer tenha sido o colaborador a abordar a empresa ou a empresa a abordar o colaborador — deve ser sempre tomada em consciência e com ponderação. “Regressar não tem de ser visto como algo negativo, pelo contrário”, mas “não devemos voltar ao mesmo”, alerta Ariana Alves.

Trocar de emprego nunca é uma decisão fácil e, se esta decisão não correspondeu, de certa forma, às expectativas, regressar pode ser uma boa opção.

Ariana Alves

Consultora sénior da Michael Page Finance

 

“É necessário refletir sobre o que levou à saída, desde a motivação à falta de progressão de carreira, questões salariais, mudanças pessoais e familiares, crise económica ou até mesmo pela proposta de uma oportunidade imperdível, e refletir se esses mesmos motivos permanecem ou não”, aconselha a especialista.

Atualmente, num momento em que o mercado é extremamente competitivo, com grandes desafios ao nível da atração e retenção de talento, é mais comum que sejam os próprios empregadores a tomar a iniciativa, considera João Silva, antigo staffing senior director da Multipessoal, que, entretanto abraçou um novo desafio.

“Sabendo que os profissionais não estão satisfeitos no seu emprego atual ou que estão disponíveis ou à procura de novos desafios e, paralelamente, existindo espaço para a sua integração, esta pode ser uma abordagem bastante eficaz e até lógica”, explica.

Ariana Alves está de acordo. “O mais comum é existir um convite direto por parte da chefia.” Contudo, Begona Menendez, manager da divisão de engenharia da Robert Walters, tem uma visão distinta. Tem visto mais ex-colaboradores a aproximarem-se das antigas empresas do que propriamente o contrário.

“Penso que é mais comum que os profissionais se aproximem das suas antigas empresas. Eles podem dar-se conta de que a cultura era maravilhosa, e perderam-na. Talvez tenham partido porque não sentiam que havia oportunidades de desenvolvimento e crescimento. Se surge uma nova oportunidade lá, podem ficar felizes por estarem de volta”, justifica. “Voltar para uma empresa para a qual já se trabalhou está a ganhar cada vez mais aceitação”, reforça.

O mais importante para que haja sequer essa oportunidade é que o colaborador tenha deixado boa imagem e, ao mesmo tempo, que a empresa tenha gerido a sua saída de forma construtiva e positiva. “O facto de alguém decidir sair de uma empresa não significa necessariamente que saia com anticorpos ou descontentamento. Existem muitos fatores que podem levar a essa decisão, num determinado momento da vida do profissional”, recorda João Silva.

Um histórico entre empresa e talento que traz “inúmeras vantagens”

Mas há outro fator que as três empresas ouvidas pela Pessoas destacam: a proposta apresentada. Na maioria dos casos, o regresso à organização pressupõe uma evolução de carreira e um novo cargo, com maior nível de responsabilidade e desafio. “Esta questão é fulcral”, afirma Ariana Alves. Contudo, a possibilidade de regressar para assumir a mesma função “não deve ser mal vista, quando o crescimento profissional e financeiro estão alinhados com o expectável de ambas as partes”.

Há ainda certos casos em que o profissional integra uma função inferior. Neste cenário, a gestão tem de ser “mais delicada” e há “há necessidade de abordar a questão da reputação de forma mais cuidadosa”, alerta João Silva.

De uma maneira geral, o facto de um profissional regressar a uma empresa para a qual já trabalhou pode ser encarado como algo bastante positivo para ambas as partes, concluem as recrutadoras. Por um lado, “demonstra que estamos perante uma empresa com bons valores e que deixou uma impressão positiva (algo que é cada vez mais importante, atendendo às características atuais do mercado)” e, por outro lado, “evidencia que o profissional é valorizado e que o empregador reconhece que o seu perfil e competências trazem verdadeiramente mais-valias para o negócio”, defende João Silva.

Atualmente, é muito raro alguém pensar numa ‘empresa para a vida’ e é natural ir mudando de emprego e ter uma carreira mais dinâmica. Assim, nesse panorama, o regresso de um ex-colaborador é algo perfeitamente normal e pode ser visto por quem recruta apenas como um reflexo daquilo que são as ambições, expectativas e valores atuais dos profissionais.

João Silva

Ex-staffing senior director da Multipessoal

“Atualmente, é muito raro alguém pensar numa ‘empresa para a vida’ e é natural ir mudando de emprego e ter uma carreira mais dinâmica. Assim, nesse panorama, o regresso de um ex-colaborador é algo perfeitamente normal e pode ser visto por quem recruta apenas como um reflexo daquilo que são as ambições, expectativas e valores atuais dos profissionais”, acrescenta.

Além disso, durante o período em que o profissional esteve fora aprendeu coisas novas e enriqueceu o seu percurso profissional, “e isso pode até ser interessante para a própria empresa”, destaca Begona Menendez.

Ariana Alves adiciona ainda outro fator que considera que pode ser uma vantagem para as empresas. “Recrutar talento ‘conhecido’ pode gerar um menor risco para o empregador, uma vez que é mais vantajoso apostar em alguém que se conhece o seu know-how”, justifica. “A pandemia reflete exatamente esta questão. Após o downsizing de elementos mais recentes, alguns high profiles foram ‘repescados’ do mercado. Para o colaborador, esta pode ser vista como uma prova de reconhecimento, com impacto direto na sua performance e comprometimento (salário emocional).”

Por outro lado, também o antigo colaborador já conhece os procedimentos e forma de atuar da organização, pelo que, à partida, irá precisar de um menor período de adaptação. “O facto de haver um histórico entre a empresa e o profissional traz inúmeras vantagens, desde logo, no processo de integração, que se torna muito mais ágil e confortável e, em última análise, permite que se obtenha resultados mais imediatos. Para o colaborador, regressar a uma empresa onde já trabalhou é uma decisão de baixo risco e, na maior parte dos casos, uma oportunidade para assumir maiores responsabilidades, com o respetivo maior retorno direto. Para muitos torna-se, tendencialmente, uma melhor alternativa a iniciar um novo projeto sem contacto anterior”, conclui João Silva.

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