Fosso entre Roménia e Portugal “está a diminuir”. Euro não é o culpado
Reformas nos mercados e investimento estrangeiro impulsionam crescimento da Roménia. Poder de compra no país aproxima-se do português.
2.768 quilómetros separam Portugal da Roménia, mas há muito mais que diferencia os países, desde a moeda, passando pelas políticas até às condições de vida. Por outro lado, os dois Estados-membros começam a aproximar-se num indicador que tem dado muito que falar: o PIB per capita, que tem crescido na Roménia e deverá mesmo ultrapassar Portugal nos próximos anos. O fosso entre os dois tem vindo a diminuir, sendo que a Roménia tem beneficiado de reformas e investimento direto estrangeiro, segundo aponta um economista do think thank Bruegel ao ECO. Mas a culpa não é do euro.
A notícia de que a Roménia iria crescer mais do que Portugal em 2024, segundo cálculos do Expresso com base nas projeções da Comissão Europeia, foi utilizada pela oposição para chamar à atenção do Governo para a posição do país na Europa, nomeadamente no encerramento do debate do Orçamento do Estado para 2023. O Governo desvalorizou as críticas, preferindo destacar o crescimento do país desde que assumiu o leme.
No entanto, a verdade é que a Roménia estava na cauda da Europa e vai agora chegar ao nível de Portugal. Há cerca de 20 anos, o PIB per capita de Portugal correspondia a 80% da média europeia (número que deverá ser de 78,8% em 2024) enquanto nos países do Centro e Leste Europeu se fixava pouco acima dos 50% (em 2024 a Roménia deverá chegar aos 79%).
Zsolt Darvas, membro sénior do think tank Bruegel e também na Corvinus University de Budapeste, alerta que nem todas as projeções mostram isso, sendo que a última previsão do FMI prevê que Portugal tenha um PIB per capita superior ao da Roménia pelo menos até 2027. “No entanto, o fosso entre Portugal e a Roménia diminuiu desde o início dos anos 2000 e espera-se que diminua nos próximos anos”, admite.
Mas o que é que tem impulsionado o crescimento da Roménia? O economista aponta que o país “passou por uma transição económica dolorosa na década de 1990 e foi um dos últimos países da Europa Central que conseguiu estabilizar a economia e transformá-la numa economia de mercado”. “Mas desde o início dos anos 2000, a Roménia tornou-se uma economia convergente, impulsionada por reformas voltadas para o mercado e beneficiou do investimento estrangeiro direto e da atualização tecnológica“, sinaliza.
“As várias reformas estruturais implementadas ajudaram o processo de crescimento, assim como os fundos da UE“, acrescenta. Já a “falta de grandes desenvolvimentos insustentáveis (como aumentos muito rápidos dos preços das casas, dívida pública alta e dívida externa elevada, como em muitos países do sul da Europa) contribuiu para a estabilidade macroeconómica, que ajudou o crescimento”, indica, existindo aqui mais um ponto de divergência com as economias do sul.
É ainda de destacar outro indicador que poderá influenciar o PIB per capita: “A população da Roménia está a diminuir mais rapidamente do que em Portugal“. “Portugal tinha praticamente o mesmo número de pessoas em 2021 e em 2000 (10,3 milhões), enquanto a população da Roménia diminuiu 14%, de 22,4 milhões em 2000 para 19,2 milhões em 2021”, indica Zsolt Darvas, explicando que “parte deste declínio foi a emigração para outros países da UE”.
Este fator é destacado pelo primeiro-ministro António Costa, quando questionado sobre esta comparação numa entrevista à Visão na semana passada. “Queremos comparar-nos com o PIB per capita de um país que perdeu 15% da sua população desde o princípio do século? Devemos mesmo comparar-nos com um país que tem menos oito anos de esperança de vida e mais do dobro da taxa de mortalidade infantil? Esse país é um exemplo para nós?”, questionou.
Costa defendeu que “devemos comparar-nos com os mais desenvolvidos”, apesar de admitir que “temos de fazer um esforço para andar mais depressa”. Salientou ainda que Portugal tem “algumas vantagens competitivas, como a da segurança e da transição energética”, tendo também vencido “outro obstáculo em que comparava mal com esses países de Leste: o das qualificações”.
Claro que todos preferimos comparar-nos com países mais desenvolvidos. O problema é que em relação a esses não fazemos boa figura e, em breve, nem sequer o faremos relativamente à Roménia, Polónia e Hungria, os três candidatos a ultrapassarem-nos em breve
O economista João César das Neves aponta ao ECO que esta resposta é “eminentemente política”. “Claro que todos preferimos comparar-nos com países mais desenvolvidos. O problema é que em relação a esses não fazemos boa figura e, em breve, nem sequer o faremos relativamente à Roménia, Polónia e Hungria, os três candidatos a ultrapassarem-nos em breve”, atira. “Somos neste momento 19º nos 27 e arriscamo-nos a cair para 22º”, acrescenta.
De facto, olhando para os dados mais recentes do INE, vê-se que a Despesa de Consumo Individual per capita em Portugal, que “constitui um indicador mais apropriado para refletir o bem-estar das famílias”, se fixou em 83,6% da média da UE, inferior ao observado ano anterior (83,9%). Neste indicador, o país fica na 14.ª posição na Zona Euro e a 19.ª na UE. Já o PIB per capita de Portugal, expresso em Paridades de Poder de Compra, também recuou face à média europeia em 2021: foi 75,1% da média comunitária, uma queda face a 2020, quando tinha atingido os 76,2%.
Quanto à evolução mais lenta de Portugal, César das Neves aponta que o país “está descapitalizado, com baixa poupança e investimento, dívida elevada e um sistema bancário combalido”. “Pior, os temas do desenvolvimento, produtividade e competitividade quase desapareceu dos nossos debates políticos, que andam ocupados com outras questões”, critica o economista.
Já Fernando Alexandre alerta, num artigo de opinião no Observador, que “a queda de Portugal no ranking do PIB per capita da UE é muito preocupante”, já que “é uma condição necessária para erradicar o flagelo da pobreza infantil e na população mais idosa”. “Por outro lado, o afastamento do pelotão da frente prende-nos num círculo vicioso: os mais qualificados procurarão as melhores oportunidades de carreira noutros países, acentuando o empobrecimento do país e o enfraquecendo o seu potencial de crescimento”, acrescenta.
Enquanto no grupo de países mais pobres, a maioria do Centro e Leste Europeu, se registaram melhorias extraordinárias na posição em termos de PIB per capita, “sobressaem pela negativa os países do Sul da Europa”, nota ainda o economista. Fernando Alexandre conclui assim que “desde a decisão de adesão ao euro, em 1993, Portugal cometeu muitos erros, não tendo adaptado a sua política económica ao novo contexto”, mas os dados dos últimos 20 anos mostram também que “os países do Centro e do Leste Europeu foram os grandes ganhadores da integração europeia e que os países do Sul da Europa foram os grandes perdedores”.
Moeda própria não explica crescimento da Roménia
Outra diferença entre os dois países é então a integração na União Europeia e na Zona Euro. Portugal entrou na União Europeia em 1986 e adotou o euro em 2002, enquanto a Roménia se tornou um Estado-membro em 2007 e ainda tem a sua própria moeda, o leu romeno, estando no processo de adesão ao euro.
Por um lado, isto quer dizer que o país tem autonomia para usar políticas diferentes para fazer face aos desafios. O banco central aumentou a taxa de juros desde o final do ano passado de 1,5% para 6,75% em novembro, sendo que os cortes nas taxas de juros devem começar no final de 2024, como indica a OCDE.
A adesão à Zona Euro (ou o uso de uma taxa de câmbio fixa) não tem sido um fator determinante do sucesso económico na Europa central
Mesmo assim, o economista do Bruegel ressalva que “uma moeda autónoma não contribui por si só para o crescimento económico de longo prazo“. A partir de uma análise do possível impacto da adoção do euro nos países da Europa Central, em que comparou com os membros do sul do euro, incluindo Portugal, Zsolt concluiu que “houve desempenhos macroeconómicos bons e maus tanto em países com regime de câmbio flexível quanto em regime de câmbio fixo”.
“A adesão à Zona Euro (ou o uso de uma taxa de câmbio fixa) não tem sido um fator determinante do sucesso económico na Europa central“, reitera, sendo que “boas políticas estruturais e política fiscal responsável são os fatores importantes para o desenvolvimento económico, não o regime cambial”.
O economista César das Neves também nota que por vezes a moeda própria é utilizada como explicação, mas não “conseguem justificar como uma questão monetária afete drasticamente a evolução produtiva”. “A possibilidade de desvalorizar (que significa aldrabar os trabalhadores e consumidores para facilitar a vida aos exportadores) pode justificar algumas diferenças no curto prazo, mas não uma trajetória que é de quase estagnação por cá há mais de 20 anos”, reitera.
Guerra ainda vai impactar economia em 2023
E o que dizem as instituições internacionais? Segundo as últimas previsões da Comissão Europeia, o crescimento económico da Roménia vai abrandar de 6,5% em 2022 para 1,4% em 2023, refletindo o consumo doméstico e a procura externa mais fracos. Já para Portugal, Bruxelas estima um crescimento de 6,6% em 2022, mas abrandamento severo para 0,7% em 2023.
Já o FMI sinaliza, no Artigo IV, que a “economia da Roménia recuperou bem da pandemia de Covid-19, mas o impacto da guerra começa a ser sentido”. “O PIB atingiu níveis pré-crise no primeiro semestre de 2021 e recuperou fortemente no primeiro trimestre de 2022 (6,4% homólogo) da vaga de Covid no outono de 2021, devido a fortes procura interna e procura externa por exportações de serviços”, indicavam, em setembro.
Mesmo assim, “os vínculos comerciais e financeiros diretos da Roménia com a Rússia e a Ucrânia são pequenos“, pelo que o impacto deverá ser limitado.
As instituições avançam com recomendações, nomeadamente no campo fiscal. “A médio prazo, o alargamento da base tributária, nomeadamente através da eliminação dos regimes fiscais especiais e das isenções, melhoraria a sustentabilidade das finanças públicas e tornaria o sistema fiscal mais equitativo”, recomenda a OCDE.
Já os analistas do FMI, no relatório do Artigo IV, “encorajaram as autoridades a considerar uma reforma mais ambiciosa do IRS e melhorias na eficiência do IVA”.
De forma mais geral, a OCDE aponta que “melhorar os padrões de vida e reduzir as disparidades, inclusive entre regiões, requer melhorias na cobertura e adequação da assistência social, mais esforços para combater a corrupção e mais investimentos em infraestrutura”.
Olhando para os pontos fortes, segundo a Comissão Europeia, os setores mais importantes da economia da Roménia em 2020 foram a indústria (21,7%), comércio grossista e retalho, transporte, alojamento e serviços de alimentação (19,7%) e atividades de administração pública, defesa, educação, saúde humana e assistência social (16,5%).
Por Portugal, os setores mais importantes da economia foram o comércio grossista e retalhista e os serviços de transportes, alojamento e restauração (20,8%), a administração pública, a defesa, a educação, a saúde e os serviços sociais (20,7%) e a indústria (17,4%).
Fazendo uma comparação entre os dois países, alguns indicadores demonstram como a qualidade de vida é pior na Roménia, nomeadamente por ter uma maior percentagem de população em risco de pobreza (34,4% vs 22,4%), mais abandono escolar (15,3% vs 5,9%) e preços da eletricidade mais altos. Por outro lado, a dívida pública romena é menor (48,9% vs 125,5% em 2021, utilizando o período comparável), bem como a taxa de desemprego (5,6% vs 6,6%) e a dependência de importações de energia (28,2% vs 65,3%).
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