Execução do PRR está atrasada? Depende do excel escolhido

“Todos têm razão, mas falam de coisas diferentes”. Governo e Comissão Europeia olham para o cumprimento de metas e marcos, Banco de Portugal, CFP ou OCDE olham para valores já no terreno.

Portugal viu aprovada a segunda tranche do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) depois de a Comissão Europeia reconhecer o cumprimento das 20 metas e marcos a que o país se propunha no primeiro semestre deste ano. Mas são múltiplos os alertas de atrasos na execução deste plano.

“Com este segundo pedido de pagamento foram comprovados 20 marcos e metas, contando para os 58 marcos e metas com avaliação positiva, o que representa uma validação de 21%, ou seja, 3.429 milhões euros”, escrevia Fernando Alfaiate, presidente da Estrutura de Missão Recuperar Portugal, no dia em que Bruxelas deu luz verde ao pagamento da segunda tranche.

Até 2026, data-limite para a execução do PRR, Portugal tem dez pedidos de pagamento a fazer. Dois já estão feitos e um pago. Portugal não está atrasado a este nível face aos restantes Estados-membros.

Até ao momento, só Espanha já fez o terceiro pedido de pagamento à Comissão Europeia e já recebeu os dois primeiros cheques. Itália também fez dois pedidos como Portugal e já recebeu ambos. Mas Grécia, Eslováquia e Croácia, tal como Portugal, fizeram dois pedidos e aguardam o pagamento do segundo. A partir daí há países com um só pedido, países sem nenhum e até países que nem direito a pré-financiamento tiveram tendo em conta os atrasos. A Hungria é de longe a mais atrasada na sequência dos problemas de violação das regras europeias, e só obteve luz verde para o seu PRR a semana passada.

Mas o coro de críticas de atrasos na execução do PRR é persistente e surge de vários quadrantes.

O Presidente da República tem sido um dos mais vocais, não perdendo uma oportunidade para chamar a atenção do Governo para a fraca execução do PRR. O ataque mais violento terá sido o dirigido à ministra da Coesão, no qual Marcelo Rebelo de Sousa lhe disse que “não lhe perdoaria” se falhasse na execução dos fundos.

Em causa está o facto de ter sido pago apenas 7% do PRR aos beneficiários finais, quando Portugal já recebeu de Bruxelas 3,3 mil milhões de euros do PRR. De acordo com os dados mais recentes, que datam de 14 de dezembro, os beneficiários finais receberam apenas 1.145 milhões de euros. Mas a meta definida pelo presidente da Estrutura de Missão é ter 8,5% (1,4 mil milhões) do PRR pago aos beneficiários finais até ao final do ano.

Para ser cumprida, será necessário pagar 255 milhões até ao final do ano, já que no espaço de 15 dias os pagamentos avançaram apenas 18 milhões. Questionado se ainda é possível manter esta ambição, Fernando Alfaiate garantiu ao ECO que “os beneficiários intermediários estão a envidar todos os esforços possíveis para transferir de forma segura e adequada o maior montante possível até ao final do ano”.

Os alertas relativamente aos atrasos surgem ainda do Banco de Portugal, do Conselho das Finanças Públicas, da OCDE, das estruturas de acompanhamento do PRR, etc.

“A taxa de execução dos fundos europeus tem sido dramaticamente baixa”, disse Mário Centeno numa conferência sobre o Orçamento do Estado para 2023. Sendo que o próprio Orçamento reconhece que o “agravamento das necessidades de financiamento decorreu”, entre outras razões, da “menor atribuição de fundos europeus aos beneficiários finais, num contexto de transição de quadros de financiamento e de arranque do PRR, o que determinou a redução do excedente do rendimento secundário e da balança de capital”.

“A taxa de execução do PRR tem ficado muito abaixo do previsto”, muito por conta do aumento considerável dos custos dos projetos, em função da subida da inflação ao longo do último ano, acrescentou o governador do Banco de Portugal nessa mesma conferência, em novembro.

Questionado pelo ECO se mantém os alertas aos atrasos na execução do PRR, fonte oficial do o Banco de Portugal sublinhou que “a implementação do PRR dentro do horizonte temporal atualmente definido pela Comissão Europeia é um desafio exigente”. “A eficiente absorção dos fundos disponíveis para financiar investimentos produtivos, combinada com adoção de reformas capazes de catalisar os seus impactos, é essencial para assegurar o seu contributo para um crescimento sustentado”, acrescentou a mesma fonte.

O banco central, no Boletim Económico de dezembro diz que “o investimento público mantém um crescimento elevado no período de projeção, depois de ter desacelerado em 2022 face ao ano anterior, de 13,8% para 5,5%”. “Nos anos seguintes, a execução dos projetos financiados pelo PRR e a crescente absorção de fundos do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 determinam um crescimento médio anual de 10,4%”, prevê a instituição liderada por Mário Centeno. Mas, até que ponto os atrasos na execução do PRR podem pôr estas previsões em causa? “A atual projeção assume, como habitualmente, a plena absorção dos fundos disponibilizados pela União Europeia”, respondeu fonte oficial.

Também a presidente do Conselho de Finanças Públicas (CFP) já alertou para a execução dos fundos europeus. “Até ao momento, a execução tem ficado abaixo do previsto”, disse ao ECO o CFP, que “fundamenta a sua análise à execução do PRR comparando os montantes previstos no Orçamento do Estado (e no Programa de Estabilidade) com o que o que é efetivamente executado”. “Esse desvio é relevante em termos de impacto macroeconómico do PRR”, acrescenta a entidade liderada por Nazaré Costa Cabral.

A responsável, no Parlamento, em audição sobre OE2023, expressou receios sobre a capacidade do PRR ser o “instrumento de mobilização e transformação estrutural que chegou a ser apontado”. “Em 2023, o funcionamento do MRR permite imprimir à economia um estímulo direto superior a 1% do PIB”, diz a análise do CFP à proposta de Orçamento do Estado.

O PRR poderá dar um impulso importante à economia, por via do investimento público, reconheceu também a OCDE no último relatório sobre Portugal. “Mas há riscos [de] que os atrasos na sua implementação persistam”, alertou a organização que tem Álvaro Santos Pereira como economista-chefe. A OCDE defende que o PRR pode desempenhar um papel importante no aumento da eficiência energética – o que pode ajudar a aliviar a fatura energética – e, por isso, “garantir a sua total implementação de forma atempada é fundamental para maximizar os seus benefícios”.

Mas então se até a Comissão Europeia defende que a forma de aferir a taxa de execução do PRR deve ser através do cumprimento das metas e dos marcos estabelecidos, quem tem razão?

São metodologias diferentes e não estamos na posse de toda a informação para afirmar que há metodologias mais corretas do que outras”, disse ao ECO o Conselho das Finanças Públicas.

Todos têm razão, mas falam de coisas diferentes”, disse ao ECO o antigo presidente da Agência para o Desenvolvimento & Coesão. “Como Estado-membro apresentamos a informação necessária para receber os cheques previstos, mas as anualidades não estão dependentes da execução interna dos projetos”, explica José Soeiro. “Por isso, a Comissão Europeia diz que estamos a cumprir. A cumprir na relação entre Estado-membro e Comissão Europeia”, acrescentou.

“Mas internamente olhamos para outro plano. No final do dia, o que conta é a obra feita e aí o atraso é significativo”, corroborou o antigo responsável que faz um paralelismo com o atual quadro comunitário. “No PT2020, quando a oposição criticava os atrasos, o Governo sublinhava que 90% das verbas estavam comprometidas. Mas a oposição olhava para o outro lado: a despesa paga aos beneficiários e a despesa certificada junto de Bruxelas” – que corresponde à taxa de execução – “e para o que faltava fazer e executar”. “Apontavam para um problema que no final que se veio a comprovar”, acrescentou.

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