As virtudes da avaliação de desempenho na gestão do talento
Empresas de RH consultadas pelo ECO Pessoas consideram que a avaliação é uma boa prática e ajuda a atrair e reter talento. Quotas são um instrumento de avaliação entre outros.
Numa semana marcada pelo processo negocial entre sindicatos de professores e o Ministério de Educação, um dos temas em cima da mesa é o sistema de avaliação. Os docentes queixam-se do atual modelo por quotas e, de que, por isso, não existe progressão de carreira e aumentos salariais. E o que acontece nos outros setores de atividade? Avaliar os profissionais é uma prática comum? Quais os modelos implementados? E o que é feito com os resultados? As empresas de RH consultadas pelo ECO Pessoas não são unânimes quanto ao sistema de quotas, mas defendem a avaliação como uma boa prática que pode ajudar as organizações a atrair e a reter o talento.
“O processo de avaliação de desempenho serve para os colaboradores obterem feedback e, com esses dados, identificarem ações de melhoria. Da mesma forma, as organizações podem tirar partido desta ferramenta para aplicar aumentos, promoções, ou atribuir prémios a quem tem um melhor desempenho. É, sem dúvida, uma boa prática”, defende Pedro Rocha e Silva, CEO da Neves de Almeida HR Consulting.
“Certamente não serão os únicos critérios a ter em conta, mas são sempre relevantes. Uma boa avaliação de desempenho não supõe obrigatoriamente uma promoção ou um aumento salarial, mas ajudará a evitar que este tipo de decisões seja tomado por meras perceções, mas com base em elementos concretos sobre o desempenho de cada colaborador”, clarifica em declarações ao ECO Pessoas.
O processo de avaliação de desempenho serve para os colaboradores obterem feedback e, com esses dados, identificarem ações de melhoria. Da mesma forma, as organizações podem tirar partido desta ferramenta para aplicar aumentos, promoções, ou atribuir prémios a quem tem um melhor desempenho. É, sem dúvida, uma boa prática.
Ricardo Carneiro, national senior director de recrutamento e seleção especializado da Multipessoal, partilha da mesma opinião. “Em muitas das nossas empresas clientes, os sistemas de avaliação interagem com outras ferramentas, como matrizes de competências, avaliação de competências, planos de desenvolvimento de carreira, planos de sucessão, planos de formação e sistemas de compensação e reconhecimento. Assim, acabam por suportar, até certo ponto, a tomada de decisões nesse âmbito. Devo realçar que, nestes casos, a avaliação é encarada dentro da empresa como algo positivo, claro e bastante importante no que diz respeito à responsabilidade das lideranças e das equipas.”
Apesar de existirem empresas que colocam o processo de avaliação fora do processo de decisão de aumentos salariais, a compensação, o reconhecimento e a promoção devem estar diretamente ligados à performance do colaborador, considera também Vânia Borges, diretora de recursos humanos da Adecco Portugal.
E defende ainda alguma regularidade no processo. “A avaliação de performance deve ser algo recorrente ao longo do ano, pois é fundamental passar feedback às nossas equipas. Em momento algum, um colaborador deve ser surpreendido no ciclo de avaliação de desempenho com uma avaliação de desempenho com fatores que, ao longo do ano, nunca foram partilhados com o próprio.”
Uma espécie de ‘guia de carreira’
A avaliação também é um momento fundamental para que as pessoas saibam quais as competências mais valorizadas na organização. “Aqui, o processo de medição de desempenho ajudará a avaliar a que distância se encontram desses objetivos. É, absolutamente essencial, que as pessoas saibam para o que é que estão a lutar e qual deve ser o seu foco”, refere o CEO da Neves de Almeida HR Consulting.
O nosso sistema de avaliação ajuda os engenheiros a desenvolverem a carreira e especifica a sua remuneração.
Na Pipedrive, o sistema de avaliação estabelecido funciona como uma espécie de guia de carreira. “Ajuda os engenheiros a desenvolverem a carreira e especifica a sua remuneração”, começa por contar Tanya Channing, chief people and culture officer (CPCO) da tecnológica.
Para isso, o modelo considera as diferentes competências e possíveis trajetórias de crescimento dos engenheiros, servindo de guia sobre as aptidões que são recompensadas pela empresa. Com base nisso, cada programador de software pode pedir ao seu manager que inicie a sua avaliação, incluindo feedback dos seus colegas. O objetivo é fornecer uma “visão clara do percurso profissional e das oportunidades para crescer profissionalmente”, dar “liberdade para escolher quais as aptidões e competências a desenvolver, com a possibilidade de ser recompensado de forma justa” e oferecer “um sistema transparente e justo de promoções e remuneração“.
Uma carreira típica de engenharia na Pipedrive baseia-se em 15 patamares, desde estagiários a engenheiros principais, e cada posição representa as competências necessárias e a remuneração associada a esse nível. Com várias posições desde júnior (3), intermédio (5), senior e liderança (4-5), o modelo visa refletir o crescimento dos engenheiros.
“Os engenheiros júniores devem mostrar curiosidade em aprender novas competências técnicas e estar abertos ao feedback, enquanto os engenheiros de nível intermédio e seniores são mais autónomos e assumem mais responsabilidades dentro da equipa. Estes desenvolvem proativamente as suas capacidades de mentoria e têm de estar sempre prontos para resolver qualquer incidente”, exemplifica Tanya Channing.
Já na EDP, o desenvolvimento é encarado de forma holística, tendo como ponto de partida o desempenho passado e considerando as competências atuais do colaborador, bem como a sua agilidade para se adaptar aos desafios do futuro. “Este processo global é gerido internamente, conta com a participação de todos os colaboradores, hierarquias e equipas da área de Pessoas e Organização da EDP e ocorre de forma contínua ao longo do ano, através de conversas de desenvolvimento, permitindo definir um percurso flexível e adaptado às necessidades pessoais e do negócio“, explica fonte oficial da elétrica.
A reflexão sobre o desempenho significa, para a companhia, “olhar para o passado, avaliando o nível de execução dos objetivos definidos e o contributo individual de cada um para a sua concretização”. “Anualmente, o resultado do desempenho individual é calculado com base no peso de quatro dimensões: objetivos de grupo; objetivos de plataforma & unidade de negócio; objetivos de área; e contribuição individual. A avaliação do contributo individual começa com uma reflexão da hierarquia e do colaborador, com base em questões objetivas que ajudam a colocar em perspetiva a contribuição individual para atingir os objetivos. Esta avaliação posiciona o colaborador numa escala qualitativa de desempenho, que promove conversas construtivas e focadas no seu desenvolvimento futuro”, detalha.
Modelos com quotas sobretudo nas grandes empresas
Olhando para o contexto empresarial, tanto Pedro Rocha e Silva como Vânia Borges consideram que a maioria das empresas já tem implementado um sistema ou modelo — com um cariz mais ou menos formal — de avaliação de desempenho. Tipicamente, são avaliadas duas vertentes: competências/comportamentos e objetivos/resultados.
[O sistema de quotas] aplica-se, por norma, a empresas de maior dimensão. O objetivo é garantir que não existe uma aplicação desregrada destes processos e que a avaliação é justa e criteriosa.
“Por norma, a avaliação deve combinar as conclusões da análise destes dois tipos de critérios, pois é importante para os colaboradores saberem os resultados atingidos, mas também de que forma é que os conseguiram alcançar. Por exemplo, em funções de topo na organização, é mais comum que a componente dos resultados tenha um peso maior do que terá para colaboradores em início de carreira”, explica o CEO da Neves de Almeida HR Consulting.
Quanto ao sistema de quotas — que divide posições entre professores e Ministério (cada escola não pode exceder 5% de docentes com uma nota Excelente, o máximo permitido) –, no setor privado, apesar de ainda existir uma fatia considerável de empresas que aplica este modelo, Pedro Rocha e Silva considera que não é a maioria. “Trata-se de uma técnica utilizada numa fase inicial de implementação destes modelos de avaliação, e aplica-se, por norma, a empresas de maior dimensão. O objetivo é garantir que não existe uma aplicação desregrada destes processos e que a avaliação é justa e criteriosa”, refere o responsável da consultora que trabalha junto a empresas de grande dimensão.
E algo semelhante diz Catarina Ricardo, consultora da Michael Page Consulting. “O sistema de quotas está relacionado com a curva de distribuição. Esta curva tem como objetivo assegurar a distribuição das notas de desempenho por toda a Organização, procurando calibrar, ou seja, certificar a qualidade da avaliação por parte dos avaliadores e a exigência necessária”, afirma. “Esta tipologia encontra-se, maioritariamente, em grandes empresas, e centra-se numa das estratégias para diminuir os riscos de subjetividade existentes num processo natural de avaliação.”
Mas não é uma posição unânime. Vânia Borges tem dúvidas sobre a sua eficácia. “O importante é realmente entender quem são os nossos top performers e, em simultâneo, perceber quais as áreas de melhoria dos nossos colaboradores para que possamos definir planos de ação. Limitar a avaliação com um sistema de quotas, na nossa perspetiva, é não dar real visibilidade a todos os high performers”, considera a DRH da Adecco Portugal.
O processo de avaliação é quase sempre de gestão interna. “Daquilo que observamos, podemos afirmar que o processo de avaliação é quase sempre de gestão interna. As lideranças estão contextualizadas quanto à realidade das empresas, as suas estratégias e os objetivos definidos para cada função. São estas que acompanham o quotidiano das equipas e, por isso, é natural que tenham melhor capacidade para levar a cabo este tipo de processos de forma informada, transparente e construtiva”, explica Ricardo Carneiro, da Multipessoal.
O mesmo refere Catarina Ricardo, consultora da Michael Page Consulting. “De forma geral, o sistema de Gestão e Avaliação de Desempenho está associado ao ciclo de desempenho do colaborador (normalmente 1 ano) e é realizado/ acompanhado pelas equipas internas de cada empresa, RH e Liderança, ou, se tivermos um processo mais desenvolvido (ex.: gestão de desempenho 360.º), por pares, isto é, outros colaboradores que tiveram contacto com o avaliado“, descreve.
A envolvência de consultorias externas, como a Michael Page Consulting, nesse processo “normalmente está associada a outras componentes que não a realização”, aponta. Podem intervir no momento da construção do próprio modelo. “A construção destes sistemas necessita de conhecimento e tempo, tempo esse que muitas direções de recursos humanos não têm. Assim, a contribuição de diferentes realidades das consultoras permite desenvolver sistemas alinhados com as práticas de mercado, alinhados com o negócio de cada empresa, e ainda libertar os RH para outros desafios”, refere a profissional da Michael Page.
O importante é realmente entender quem são os nossos top performers e, em simultâneo, perceber quais as áreas de melhoria dos nossos colaboradores para que possamos definir planos de ação. Limitar a avaliação com um sistema de quotas, na nossa perspetiva, é não dar real visibilidade a todos os high performers.
A externalização existe, mas mais na vertente de recurso a plataformas externas utilizadas para suportar a avaliação.
A importância do feedback na atração e retenção de talento
As recrutadoras ouvidas pelo ECO Pessoas olham para a avaliação como uma ferramenta que pode ser muito valiosa na atração e retenção de talento. A cultura do feedback é cada vez mais valorizada pelos candidatos, nomeadamente das novas gerações. “Desta forma, a inexistência de um processo de avaliação de desempenho, mais formal ou informal, pode ser claramente penalizador para as organizações”, atira Pedro Rocha e Silva.
E o mesmo defende Catarina Ricardo. “Sem dúvida! Cada vez mais existe a necessidade por parte do mercado de um mapa bem definido de oportunidades de desenvolvimento. A forma como olhamos para as carreiras mudou, tudo se baseia em oportunidades de aprendizagem, experiências e evolução”, diz. “Gestão de desempenho trata-se de um ciclo, não sendo apenas um momento de avaliação. Este ciclo deverá incluir vários momentos de feedback e feedforward, ajustes ao nível de objetivos e identificação de oportunidades de desenvolvimento. Este processo é, sem dúvida, uma das formas privilegiadas para atrair e comprometer o talento“, reforça a consultora da Michael Page.
Sobretudo num mercado de trabalho candidate-driven, “todos precisamos de saber se estamos a corresponder, o que temos a melhorar e como o podemos fazer. Não nos ser dado feedback sobre o nosso trabalho levará naturalmente a um afastamento do colaborador com o líder e, consequentemente, com a empresa”, acrescenta Vânia Borges.
Além de darem importância ao reconhecimento e oportunidades de progressão de carreira, Ricardo Carneiro acredita que, cada vez mais, os colaboradores querem ter “uma visão clara das metas, expectativas e perspetivas de futuro num determinado projeto”. O facto de existir um modelo transparente, com a possibilidade de dar e receber feedback, e de tirar partido desses inputs para informar estratégias e objetivos de ambas as partes, pode ser determinante no que diz respeito à atração e retenção de talento nas empresas”, conclui.
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