TAP tem representante dos trabalhadores na administração. Se não garante paz social, garante o quê?
João Duarte foi eleito em junho de 2021 como representante dos trabalhadores no conselho de administração da TAP. Cerca de 19 meses volvidos, os sindicatos dividem-se na avaliação do cargo.
A existência de um representante dos trabalhadores na administração das empresas do Estado está consagrada na Constituição. Diz o artigo 89.º que “nas unidades de produção do setor público é assegurada uma participação efetiva dos trabalhadores na respetiva gestão”. A realidade não podia ser mais distinta. A TAP é uma rara exceção numa prática que é comum na Alemanha e noutros países da Europa do Norte. Passados 19 meses, os sindicatos dividem-se na avaliação. João Duarte defende-se e argumenta que a legislação é um espartilho. Diz que o conselho de administração só soube de algumas polémicas pela Comunicação Social e deixa recomendações à comissão executiva.
A ideia da nomeação de um representante dos trabalhadores como administrador não executivo do conselho de administração da TAP partiu do anterior ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos. Segundo defendeu a tutela em 2021, permitiria “aos trabalhadores serem parte das decisões que se tomam na empresa, acompanhando mais de perto tanto os seus sucessos como as suas dificuldades”. Dava também ao conselho de administração a possibilidade de “ouvir mais de perto a voz dos trabalhadores e avaliar de forma mais informada o impacto que as decisões tomadas têm na forma de trabalhar dos milhares de pessoas que fazem, todos os dias, a vida do grupo TAP”.
Foi organizada uma eleição no início de junho daquele ano, que contou com seis candidatos. Votaram 46,6% dos trabalhadores, segundo noticiou, na altura, a agência Lusa. João Pedro da Conceição Duarte, chefe de cabina da companhia aérea desde 1992, foi o mais votado, com 42,51% dos votos. Bateu o economista Ricardo Paes Mamede, proposto pelos sindicatos dos trabalhadores de terra, que ficou em segundo com 19,98%. Entrou, nesse mesmo mês, no conselho de administração liderado por Manuel Beja (chairman) e Christine Ourmières-Widener (CEO).
Com 19 meses no cargo, marcados por uma enorme tensão entre trabalhadores e gestão executiva, a avaliação do cargo e do trabalho do representante dos trabalhadores no conselho de administração (CA) da TAP não é unânime. “Para nós não faz sentido. É inócuo. É só para dizerem que está lá um representante dos trabalhadores e que eles são incluídos nas decisões”, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (SITAVA). “Não conheço nenhuma posição pública do representante dos trabalhadores”, diz Paulo Duarte, questionando o papel de João Duarte nas polémicas que têm vindo a lume — “soubemos tudo pela Comunicação Social” — e na tensão social que se tem vivido na empresa: “Podia não ter evitado, mas percebia-se que a pessoa estava preocupada”.
“Antes de iniciar funções, contactei todos os sindicatos e estabeleci com todos uma relação de abertura, de cooperação e de franqueza para que possamos trabalhar todos juntos. E, de facto, tenho tido mais proximidade com uns do que com outros. Se falar com todos, acredito que a maioria não terá essa opinião”, afirma João Duarte. “Desde o primeiro dia tenho tentado criar um clima de diálogo e confiança que credibilize o papel dos trabalhadores, contribuindo com informação, sugestões e oportunidades de melhoria”. Por exemplo, adianta, “ter submetido à apreciação da comissão executiva estudos sobre as condições profissionais de algumas categorias; a análise comparativa entre a performance de trabalho na TAP em comparação com outras congéneres; e propor medidas que se traduziram em poupança”.
Para entender melhor a utilidade do administrador no conselho de administração, e não querendo ser injusto, seria interessante o sindicato ter acesso às atas do concelho de administração para perceber o sentido de voto do administrador que “representa os trabalhadores”, nomeadamente quando os administradores deliberam sobre matérias que podem afetar negativamente a vida dos trabalhadores, nomeadamente a dos tripulantes da TAP.
O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), que representa os tripulantes, afirma que existiram “alguns contactos com o intuito de discutir alguns dos problemas que afetam os tripulantes”. No entanto, “seria interessante o sindicato ter acesso às atas do concelho de administração para perceber o sentido de voto do administrador que ‘representa os trabalhadores’, nomeadamente quando os administradores deliberam sobre matérias que podem afetar negativamente a vida dos trabalhadores, nomeadamente a dos tripulantes da TAP”.
O Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) diz que “o administrador em questão tem mostrado toda a disponibilidade e abertura para uma reunião, que o SPAC saúda, embora a dinâmica laboral nos últimos dois anos na TAP não tenha deixado oportunidade para a marcação de um encontro. O SPAC espera agendar em breve esse encontro, acreditando que dará frutos no futuro, em benefício da TAP e dos seus trabalhadores”. O ECO contactou também o Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves e o Sindicato Nacional Dos Trabalhadores da Aviação Civil, que não se quiseram pronunciar. Foi também contactada a Comissão de Trabalhadores da TAP, que não respondeu. O mesmo aconteceu com o Ministério das Infraestruturas.
Nas redes sociais também surgiram críticas. João Duarte criou uma conta no Facebook apenas para a apresentação da sua candidatura, onde colocou alguns vídeos. Se os comentários iniciais congratulam o tripulante pela vitória eleitoral, os mais recentes questionam o seu trabalho. Um deles pega no seu slogan de campanha “Transparência, Agregação, Proximidade” para o acusar de ser “transparente, desagregado e longínquo”. “Eu sei que nas redes sociais, onde não estou presente, há colegas que manifestam a sua relutância e não estão de acordo com a forma como exerço este cargo. Mas penso que não vai encontrar um colega que diga que eu não respondi, que não atendi o telefone, que o tratei mal. Antes pelo contrário”, refuta o RT.
Se eu vier – como acontece com alguns sindicatos, que o fazem dentro da sua estratégia – criticar em público a administração ou pessoas individualmente, estarei a queimar pontes dentro do conselho de administração.
“Considero, por uma questão de obrigação legal mas também de posicionamento estratégico, que o RT deve ser a voz dos trabalhadores dentro do conselho de administração e não fora. Se eu vier — como acontece com alguns sindicatos, que o fazem dentro da sua estratégia — criticar em público a administração ou pessoas individualmente, estarei a queimar pontes dentro do conselho de administração”, argumenta João Duarte. “Por regras internas da empresa e por legislação nacional, estou obrigado ao dever de sigilo em relação às matérias que são abordadas dentro do CA. Tenho estes dois espartilhos legais”, diz também.
“Claro que o meu silêncio não é um silêncio de anuência. Não estou de acordo com tudo aquilo que é feito. Mas penso que, por sentido de responsabilidade e até de dever de confidencialidade, devo ter discrição sobre matérias em que sei que muitos colegas gostariam que fosse mais vocal”, acrescenta o chefe de cabina, que suspendeu a atividade para ser administrador não executivo, por imperativo do Código das Sociedades Comerciais.
Sem entrar em casos concretos, pela dinâmica natural, por vezes há decisões que só chegam ao conhecimento dos administradores não executivos pela Comunicação Social.
Nos últimos meses têm sido várias as polémicas a envolver a comissão executiva da TAP, como a intenção de substituir a frota por BMW (entretanto abortada), a atribuição de um plafond de 450 euros da Uber a diretores sem carro, a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis ou, mais recentemente, o bónus de dois milhões de euros que a CEO poderá receber. João Duarte revela que os administradores não executivos não foram informados previamente de todas estas situações: “Sem entrar em casos concretos, pela dinâmica natural, por vezes há decisões que só chegam ao conhecimento dos administradores não executivos pela Comunicação Social”. O que justifica com a delegação de poderes que é dada à comissão executiva, que toma decisões “que não têm de ser partilhadas com a restante administração”.
“Depois de as situações serem públicas, analisamos internamente e é-nos dada informação sobre porque aconteceu e como é que aconteceu”, relata o RT. A comunicação por parte da comissão executiva liderada por Christine Ourmières-Widener pode ser melhorada, considera ainda. “Em qualquer organização há sempre oportunidades de melhoria. Estão a caminho de serem implementadas. Não posso dizer que seja tudo perfeito”. “Além da prestação de informação, é também importante concretizar uma gestão espartana, em particular enquanto não houver reposição das condições salariais e não for evidenciado um contributo com saldo positivo para o país”, defende.
O administrador não executivo rejeita que a elevada conflitualidade social na empresa, que levou já à realização de dois dias de greve dos tripulantes de cabina a 8 e 9 de dezembro, possa significar que não está a cumprir a função para que foi nomeado. “O importante papel dos sindicatos não é substituível, nem pode ser limitado pelo representante dos trabalhadores. No meu entendimento, são complementares, também com a Comissão de Trabalhadores, tendo papéis distintos”, responde. “Como foi demonstrado recentemente, os trabalhadores que consideraram fazer greve ou chegaram mesmo a marcar souberam conciliar a defesa dos seus direitos com o sentido de responsabilidade”, defende.
Um modelo para o futuro?
Além da TAP, também a SATA tem um representante dos trabalhadores. A companhia aérea açoriana criou, de resto, o cargo muito antes, em 1980, como conta o Expresso. João Duarte não tem dúvidas de que o cargo deve continuar a existir, argumentando que algumas situações foram resolvidas ou melhoradas pelo facto de “haver um representante dos trabalhadores que tem uma facilidade de receber contactos dos colegas, que não existe com qualquer outro administrador”. E dá um exemplo desta semana, sem detalhes: “Na base do Porto havia uma queixa de alguns colegas de uma determinada área e que tinham uma sugestão de melhoria. Eu fiz chegar essa sugestão ao diretor operacional, que depois me encaminhou para uma chefia intermédia. Na altura não houve muita recetividade para a mudança, mas na quarta-feira ligaram-me a dizer que a tinham implementado parcialmente e que estava a ter bons resultados”. Os contactos do RT estão disponíveis internamente na empresa. Existe também um canal de informação dedicada na intranet da TAP, acessível a todos os trabalhadores.
Ao abrigo do Código das Sociedades Comerciais sou um administrador não executivo igual aos outros, sem mais direitos ou mais deveres que os outros.
João Duarte assinala que, apesar da representação dos trabalhadores nas empresas públicas estar na Constituição, o Código das Sociedades Comercias (CSC) não o prevê. “Ao abrigo do CSC sou um administrador não executivo igual aos outros, sem mais direitos ou mais deveres que os outros”, diz. “Tem sido um desafio para a empresa [definir] como se posiciona com um RT não executivo. Esta questão do canal interno. Nenhum outro não executivo tem um canal interno. Foi entendido que não há impedimento legal.”
“Além de uma disposição constitucional, é uma boa prática de governance seguida com sucesso em muitos países, em especial no norte da Europa. Do ponto de vista dos princípios ESG [ambientais, sociais e de bom governo] demonstra uma preocupação com a vertente social, cada vez mais crítica na relação com credores, fornecedores e investidores, quer para empresas privadas, quer públicas com dimensão relevante”, argumenta o administrador.
Paulo Duarte, do SITAVA, não concorda com a figura do RT. “Este cargo não é um representante dos trabalhadores, é um administrador não executivo da TAP que foi eleito pelos trabalhadores. O modelo não funciona porque é feito para não funcionar, desde logo por causa das obrigações de confidencialidade”, considera.
Opinião diferente tem o sindicato dos pilotos. “O SPAC considera que o administrador eleito em representação dos Trabalhadores tem uma missão bastante importante e útil para todos, uma vez que as suas funções preveem a possibilidade de levar ao conhecimento, para debate e tratamento ao mais alto nível na empresa, temas do interesse dos trabalhadores da TAP”, responde. “A direção do SPAC defende que este perfil de administrador será de manter no futuro, encarando-o como uma primeira oportunidade para levar a cabo iniciativas de melhoria de processos internos na empresa”, acrescenta.
O SNPVAC não tem ainda uma opinião definitiva sobre o cargo na TAP ou a sua aplicação noutras empresas. Embora considere que a eleição de um administrador em representação dos trabalhadores da companhia aérea “é, só por si, um sinal positivo na relação entre as diversas partes que compõem uma empresa com a dimensão da TAP”. “Não consolidámos a nossa opinião na TAP e, por maioria de razão, não temos opinião sobre outras empresas. Diria que estamos numa fase de aprendizagem mútua“, diz também fonte oficial do sindicato.
João Duarte garante que não concorreu por dinheiro e que recebe menos agora do que nas funções que tinha em 2019, altura em que não existiam ainda cortes salariais. Segundo o último relatório de governo societário, aufere agora uma remuneração brutal anual de 58.800 euros. “Quinze dias a três semanas antes de ser eleito, não fazia ideia que iria ser administrador da TAP. Só avancei porque estávamos na iminência de ter como representante dos trabalhadores um não trabalhador. Achei que não fazia sentido”, explica. “Com espírito de sacrifício tentarei levar este cargo até ao final, porque é importante que resulte bem e continue para o futuro”, remata.
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