Empresas reduzem viagens em trabalho e lamentam insuficiência da rede nacional de comboios
Dar prioridade ao comboio, incentivar o uso de transportes públicos e de bicicletas e apostar na eletrização da frota são algumas das medidas levadas a cabo pelas empresas ouvidas pelo ECO Pessoas.
As empresas portuguesas estão empenhadas em adotar comportamentos mais sustentáveis, em particular no que toca às deslocações. As empresas são unânimes na regra a implementar: se não é estritamente necessária, não se realiza deslocação física e transporta-se a reunião ou o compromisso em causa para o ecrã. Reduzem-se as emissões de carbono e, ao mesmo tempo, os custos, num contexto em que a inflação preocupa os gestores. Quando a deslocação é indispensável, o comboio surge como alternativa, por ser menos poluente – ainda que seja uma alternativa que não é utilizada como seria desejável. Os gestores lamentam que a rede de comboios em Portugal seja tão limitada, ao contrário da rede de Espanha, por exemplo.
“A pandemia teve um impacto grande na nossa forma de trabalhar e mantivemos algumas das orientações. A mais significativa é a nossa política de trabalho flexível, que permite o trabalho remoto. No que diz respeito às viagens, também foram reduzidas. Acreditamos muito no poder do contacto in person, mas também percebemos que muitas das viagens poderiam ser reduzidas no sentido de otimizar custos, aumentar eficiência e, já agora, reduzir a pegada de carbono“, admite Rodrigo Simões de Almeida, CEO da Mercer e da Marsh Portugal.
Lá [em Espanha], efetivamente eu utilizava o comboio para quase todas as deslocações internas. Em Portugal, infelizmente isso ainda não é possível. Esperemos que o plano de desenvolvimento ferroviário nacional permita às empresas utilizar esse meio de transporte mais assiduamente no futuro.
No caso desta multinacional, as viagens relacionadas com clientes não foram afetadas, salvo por indicação do cliente, mas as viagens internas foram reduzidas. “Definimos critérios de relevância”, detalha o gestor, em declarações ao ECO Pessoas.
A título de exemplo, num dos trajetos mais frequentados por motivos profissionais, Lisboa – Porto, um avião emite 102,1 quilos de CO2, enquanto o comboio apenas 9,1 quilos de CO2. O automóvel, por sua vez, emite 37,6 quilos de CO2, segundo o comparador Eco Passenger.
Se, depois de avaliada a relevância da deslocação, é concluída como necessária, o automóvel e o comboio são os meios de transportes escolhidos pela Mercer, sempre que a deslocação é nacional, e o avião para viagens internacionais. “Dentro de Portugal é o automóvel, embora, dependendo da localidade, o comboio seja uma alternativa. Para fora de Portugal é o avião o meio de transporte utilizado”, conta Rodrigo Simões de Almeida.
Rede de comboios nacional põe travão a deslocações mais sustentáveis
No país vizinho, onde o CEO da consultora trabalhou durante quase dez anos, o gestor recorda uma realidade muito distinta: “Lá, efetivamente eu utilizava o comboio para quase todas as deslocações internas. Em Portugal, infelizmente isso ainda não é possível. Esperemos que o plano de desenvolvimento ferroviário nacional permita às empresas utilizar esse meio de transporte mais assiduamente no futuro.”
Na véspera da entrada para a União Europeia, em 1985, havia 196 quilómetros de autoestradas e a rede ferroviária contava com 3.607 quilómetros. Em 2021, havia 3.065 quilómetros para o alcatrão e 2.527 quilómetros para os carris. A opção penalizou passageiros, empresas e está a contribuir para um território pouco sustentável. O Plano Ferroviário Nacional pretende reverter a situação até 2050, ao voltar a colocar o comboio nos distritos onde ele não passa, criar uma verdadeira rede ferroviária e ainda fazer com que a alta velocidade chegue às dez maiores cidades nacionais. Teme-se, contudo, que o documento seja meramente orientador.
“O documento carece de uma calendarização clara e de um plano diretor financeiro que lhe dê suporte. Tem de se saber quais os montantes que o Estado lhe deverá alocar, via Orçamento do Estado e de fundos europeus, para que, pelo menos parte do que se propõe fazer venha a sair do papel”, disse em declarações ECO Manuel Tão, especialista em transportes da Universidade do Algarve.
O Governo também defende o regresso da aposta nos carris. No entanto, o plano de investimentos Ferrovia 2020 ainda só foi executado em 15% ao fim de quase sete anos e terá benefícios marginais para os passageiros. O Programa Nacional de Investimentos 2030 pretende acelerar os comboios, mas praticamente só têm sido apresentadas as novas linhas Porto-Lisboa e Porto-Vigo, quando o documento também aponta à eletrificação da restante ferroviária nacional até ao final desta década.
A Smartwatt também reduziu a frequência das viagens em trabalho, tanto a nível comercial, como operacional. “Ainda temos necessidade de nos deslocarmos para reuniões específicas e de maior importância, mas privilegiamos a videochamada, sempre que possível”, afirma o CEO, Jorge Araújo. Contudo, quando é necessária a deslocação para desenvolvimento de trabalho operacional no cliente, atividade comercial nacional e internacional, participação e feiras, conferências e outras atividades, o carro é, ainda, a opção mais utilizada.
“Depende de alguns fatores que têm em conta a nossa atividade, já que a maior parte das viagens são por razões técnicas em que necessitamos de intervir num local específico”, explica o gestor da empresa do Porto que conta no portefólio com centenas de planos de eficiência energética, gestão de energia e produção renovável.
A nossa rede de transportes, infelizmente, não é tão completa, como a de outros países (…), pelo que não é uma decisão simples de tomar, pela perda de agilidade e eficiência. No entanto, temos sempre esse aspeto em consideração, em particular viagens entre Porto e Lisboa, pois só estas são viáveis de considerar.
Contudo, avião, metro e comboio são também possibilidades. O comboio, em especial, não é tão usado como Jorge Araújo gostaria. “A nossa rede de transportes, infelizmente, não é tão completa, como a de outros países, em particular, a de Espanha pois é uma das melhores do mundo, pelo que não é uma decisão simples de tomar, pela perda de agilidade e eficiência. No entanto, temos sempre esse aspeto em consideração, em particular viagens entre Porto e Lisboa, pois só estas são viáveis de considerar.”
Na To Good To Go, a pandemia também foi o principal motor para o modelo online, onde a maioria das reuniões de trabalho nos escritórios foram substituídas pelas videochamadas, “tão eficientes como as reuniões presenciais”. “Acreditamos que melhora, em certa medida, a qualidade de vida dos membros da nossa equipa, e segue também uma estratégia mais sustentável ao evitar viagens desnecessárias, reduzindo a pegada ambiental que tem no planeta”, afirma Nuno Plácido, diretor-geral da empresa em Portugal.
Atualmente, a plataforma que conecta clientes a restaurantes e lojas que tenham excedentes alimentares não vendidos, com a missão de evitar o desperdício alimentar, tenta evitar “ao máximo” as viagens de trabalho, “exceto quando estas são realmente necessárias”.
“Isto torna-nos mais eficientes, mas também mais sustentáveis. Mesmo assim, há momentos em que estas viagens não podem ser evitadas, quer porque temos reuniões muito importantes que requerem a nossa presença física, porque temos de assistir a algum tipo de evento ou conferência. Nestes casos, e sempre que possível, tentamos dar prioridade a meios de transporte mais sustentáveis, como o comboio, exceto para distâncias muito longas, em que a única opção viável é voar. Fazemos o nosso melhor para depois compensar a nossa pegada através de ações de compensação que apoiamos.”
Do uso da bicicleta à eletrização da frota automóvel
Para prosseguir o objetivo de reduzir a pegada de carbono, a Too Good To Go encoraja ainda todos os seus colaboradores a utilizarem os transportes públicos e bicicletas. “Estamos empenhados em promover uma utilização consciente de transportes entre a equipa. Isto tem sido uma prioridade para nós desde o início e damos sempre preferência ao uso de transportes públicos e bicicletas, especialmente nos países onde as cidades estão mais bem equipadas para eles, bem como à redução do uso do transporte privado, que polui mais e é caro”, conta Nuno Plácido.
A empresa está, atualmente, a trabalhar com o Plano A a fim de medir a sua pegada de carbono em 2022, e espera divulgar os resultados nos próximos meses.
Na Mercer, também a política automóvel está em transformação. “Já descontinuámos os motores a diesel e estamos a apostar claramente na eletrização da frota. Uma mudança que também irá resultar numa otimização de custos”, revela Rodrigo Simões de Almeida.
Uma medida que também está a ser levada a cabo na Mapfre. “É também com muita satisfação que a frota de automóveis da companhia é já hoje na sua totalidade 100% elétrica”, adianta Luís Anula, CEO da MAPFRE. E continua: “Procuramos manter e implementar práticas sustentáveis, prestando serviços aos nossos colaboradores que promovem a mobilidade suave e sustentável através da criação de alternativas aos veículos privados. Estas medidas incluem vaivéns que ligam alguns locais aos principais pontos da cidade e aos transportes públicos, estacionamento de bicicletas e outros veículos de mobilidade suave, aluguer de veículos elétricos, pontos de carregamento para veículos ECO e com o teletrabalho promovemos a redução das deslocações.”
Também a Smartwatt seguiu no mesmo sentido. “Estamos a converter a nossa frota em veículos totalmente elétricos e híbridos”, avança Jorge Araújo.
Estamos empenhados em promover uma utilização consciente de transportes entre a equipa. Isto tem sido uma prioridade para nós desde o início e damos sempre preferência ao uso de transportes públicos e bicicletas, especialmente nos países onde as cidades estão mais bem equipadas para eles, bem como à redução do uso do transporte privado, que polui mais e é caro.
Já a Pipedrive, onde implementar práticas ambientais, sociais e de governação (ESG) é também uma preocupação, além de ter adotado o trabalho remoto (mesmo antes do início da pandemia) e de ter diminuído “consideravelmente” as viagens em trabalho – “só realizamos as estritamente necessárias” –, tem apostado também noutro tipo de práticas mais amigas do ambiente.
“É o caso da gestão de escritórios sustentáveis e da organização de ações de consciencialização (com foco na implementação de soluções energeticamente eficientes, mas também limitar o uso de papel, reciclagem e gestão de resíduos na empresa, evitando a utilização de pratos de plástico, balões, etc.). Com o tempo, estas práticas tornaram-se cada vez mais importantes para os nossos colaboradores, e algumas das ideias sobre como ser ‘mais ecológico’ foram, de facto, propostas pelos mesmos”, adianta Tanya Channing, chief culture & people officer da tecnológica.
“Como empresa apoiada pela Vista Equity Partners, a Pipedrive assinou um compromisso climático de medir as suas emissões de carbono anualmente, estabelecendo uma meta de redução das emissões de carbono e compensando-as anualmente. Além disso, a Pipedrive comprometeu-se com a iniciativa Net Zero Asset Managers, o que significa que a nossa meta é atingir zero emissões de gases com efeito de estufa até 2050 ou mais cedo”, acrescenta ainda.
Adicionalmente, a Mapfre assumiu ainda o compromisso público de não investir em empresas em que 30% ou mais do seu volume de negócios seja proveniente de energia produzida a partir do carvão, e de não patrocinar a construção de novas infraestruturas relacionadas com minas de carvão ou centrais termoelétricas.
No setor bancário, o banco BPI – que admite também ter reduzido as viagens de trabalho e dar prioridade ao comboio, em detrimento do avião, sempre que possível – tem apostado ainda em diversas ações de formação para os trabalhadores sobre Sustentabilidade, ESG e Gestão Ambiental.
Sustentabilidade ambiental e económica estão ligadas
Na maioria das vezes, este tipo de medidas, acaba também por revelar-se mais sustentável a nível económico para as empresas. “Muitas das medidas para a redução da pegada de carbono estão também relacionadas com a redução dos custos de operação do banco”, afirma fonte oficial do BPI.
E dá alguns exemplos: “O recurso a iluminação LED nos edifícios centrais (em substituição nas redes comerciais), a modernização AVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado), utilizadores de sensores de movimento para desligar automaticamente a luz quando não necessária, utilização de economizadores de água e redução de resíduos e a promoção para a redução de impressões com a consequente redução do uso do papel.”
“Ser sustentável não só a nível ambiental, mas também do ponto de vista económico, é a chave e os dois andam de mãos dadas”, concorda Nuno Plácido. Para o gestor, o melhor exemplo disso é o compromisso de utilizar transportes públicos ou bicicletas para percursos curtos.
“Isto não só tem um impacto ambiental inferior ao do transporte privado, como também é mais económico e, em tempos como o atual, em que os preços estão a aumentar, é algo a ter em conta”, conclui o diretor-geral da Too Good To Go.
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