Grandes bancos correm para subir juros dos depósitos

Santander, Montepio e Caixa: grandes bancos começam a subir juros dos depósitos e deixam concorrência em alerta. Risco de perda de clientes e ameaça dos certificados explicam mudança de comportamento.

O Santander Totta deu o tiro de partida, seguiu-se o Banco Montepio e, agora, foi a Caixa Geral de Depósitos (CGD): após um período de enorme resistência, os grandes bancos estão numa corrida para a subir os juros dos depósitos a prazo. A que se deve a mudança repentina de comportamento? O risco da perda de clientes e a ameaça dos Certificados de Aforro ajudam a explicar a mudança de comportamento das principais instituições financeiras portuguesas, segundo os especialistas ouvidos pelo ECO. Apesar de inundados de liquidez, os bancos precisam dos depósitos para alimentarem o seu negócio e, agora, ninguém quer ficar para trás.

“Os bancos precisam de depósitos para o seu negócio”, resume o economista e professor do ISEG João Duque em declarações ao ECO. Mas, se já precisavam antes, porque tardaram em subir os juros? “Os agentes económicos demoram sempre algum tempo a reagir. E, em algum momento, os bancos teriam de começar a subir as taxas dos depósitos”, explica.

Para Fernando Castro e Solla, ex-diretor bancário e sócio da Baluarte Wealth Advisors, a subida dos juros dos depósitos era uma “inevitabilidade” e “um primeiro passo” face à normalização das taxas de juro do Banco Central Europeu (BCE). Explica que este atraso também teve a ver com “a recuperação gradual da margem financeira” dos bancos: a subida dos juros começa a refletir-se em maior dimensão nas suas carteiras de empréstimos e nas receitas, dando margem para começar a subir os juros dos depósitos. Ponto este que também foi sublinhado por João Duque: “Estão com resultados mais confortáveis”.

Há muito que os bancos portugueses estavam a ser pressionados para subirem os juros dos depósitos. Por conta da escalada da inflação, desde julho que o BCE está a subir ininterruptamente as taxas diretoras da Zona Euro. Estas taxas mais altas transmitem-se depois à economia, nomeadamente sob a forma de empréstimos mais caros e também de depósitos com melhores retornos, num esforço do banco central para reduzir o consumo e incentivar a poupança e, assim, tentar por algum freio na subida dos preços.

O que se observou por cá não seguiu exatamente esta linha: enquanto os juros do crédito (incluindo da casa) subiram em flecha à boleia das Euribor, as taxas dos depósitos encontraram resistência sobretudo nos grandes bancos, devido à situação de abundante liquidez e não só. Uma situação que levou mesmo o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, a puxar as orelhas ao setor por várias ocasiões.

Este cenário inverteu-se na semana passada e os anúncios não vão ficar por aqui certamente.

Na passada quinta-feira, o Santander Totta lançou cinco novos depósitos a prazo com remunerações até 2%, com o Banco Montepio a seguir as pisadas no dia seguinte com um depósito a 24 meses com taxa de 2%. Agora foi a Caixa, que acaba de colocar no mercado um depósito a um ano com uma taxa que pode ir até aos 2,1%, segundo o Jornal de Negócios (acesso pago). Pelo peso que o banco público tem no mercado, era o sinal que faltava para a concorrência “mudar de vida”. No Novobanco e BPI também já há depósitos a renderem 2%.

No espaço de poucos dias, o tema dos juros dos depósitos passou de “quando é que os bancos vão começar a subir” para “quem é que vai ficar para trás”.

João Duque antecipa uma “corrida” da concorrência para não perder clientes, mas admite que “os primeiros que se movimentaram podem ter alguma vantagem” em relação a quem ainda não melhorou as condições dos seus depositantes.

Banco Santander Portugal, de Pedro Castro e Almeida, deu tiro de partida na subida dos juros entre os grandes. TIAGO PETINGA/LUSA

“Amarrar” os clientes

Embora cada um tenha a sua própria estrutura de financiamento, os bancos dependem em grande medida dos depósitos das famílias – que representam uma base de financiamento bastante estável – para concederem crédito.

“Se a economia crescer um bocadinho, os bancos precisarão de mais depósitos para continuar a alimentar o seu negócio”, salienta João Duque. Porém, há depósitos e depósitos, ressalva o economista.

O negócio da banca faz-se muito nesta particularidade: enquanto as instituições concedem dinheiro a longo prazo, os depósitos têm prazos mais curtos, o que torna a gestão de qualquer instituição mais exigente, por um lado, e a sua atividade amplamente supervisionada e regulada, por outro.

Com grande parte das poupanças depositadas à ordem, consequência dos juros baixos da última década, aumentar a remuneração dos depósitos à ordem visa também outro objetivo além da de providenciar liquidez ao banco: “amarrar o compromisso do cliente”. “Se o banco conseguir ter mais depósitos à ordem, isso dá-lhe uma gestão mais confortável. Por outro lado, significa que o supervisor exigirá rácios de liquidez menores”, diz João Duque.

De acordo com os dados do Banco de Portugal, quase metade dos 180 mil milhões de euros depositados nos bancos são à ordem.

Certificados de Aforro provocam “dano”

No meio disto, não há como não relevar o papel do Estado neste forcing junto da banca, designadamente através dos Certificados de Aforro que estão a captar um fluxo de poupanças das famílias e a “roubar” depósitos, como admitiu recentemente o CEO do Santander Totta – o primeiro, por sinal, a melhorar a remuneração dos seus depósitos para travar a saída de poupanças que já estava a verificar.

Tal como os depósitos bancários, os certificados são um instrumento de poupança muito seguro, mas, ao contrário dos primeiros, acompanharam rapidamente a subida das taxas do mercado e estão a oferecer remunerações atrativas acima de 3%. Rapidamente se tornaram num produto de eleição dos portugueses, com mais sete mil milhões investidos em 2022.

“Os aforradores estão cada vez mais bem informados sobre as alternativas. Se os bancos não se posicionassem iam perdendo quota no aforro nacional”, atira Fernando Castro e Solla.

João Duque diz que os Certificados de Aforro já começaram a provocar “algum dano” que os bancos procuram agora conter. “Se as pessoas deslocarem as suas poupanças, os bancos podem ficar desequilibrados e evidenciarem dificuldades nos exercícios de testes de stress de liquidez”, aponta.

No Totta, segundo explicou Pedro Castro e Almeida, a saída de depósitos no ano passado tiveram dois destinos: para amortização do crédito da casa e para investimento nos Certificados de Aforro.

Sentindo a ameaça, o presidente do BPI anunciou que prepara uma subida dos juros dos depósitos pois não quer que os seus clientes fujam para os Certificados de Aforro e até lançou farpas à alta remuneração que o Estado oferece neste produto: “Não seria necessário o Estado pagar tanto, mas entendo o incentivo para a poupança”, disse João Pedro Oliveira e Costa.

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