Europa decide que Generali Portugal tem de pagar IVA pelos salvados

  • ECO Seguros
  • 9 Março 2023

Uma guerra jurídica de 16 anos chega ao fim. A Generali Portugal não verá devolvido o IVA que pagou pela venda de salvados. São 18.715 euros e muita jurisprudência. Ganhou a AT.

O problema nasceu quando, em 2007, a Global Seguros considerou que as vendas de salvados, vulgo sucata (ou quase), que vendeu a terceiros após o pagamento das indemnizações por sinistros, não estavam sujeitas ao pagamento do IVA nos termos do Código do IVA e podiam beneficiar das isenções previstas no código.

Agora, vários recursos e 16 anos depois, o Tribunal de Justiça da União Europeia, com sede no Luxemburgo, veio dar razão à Autoridade Tributária portuguesa (AT), que não quer devolver o IVA.

Para se perceber bem a história, descrita no Acórdão no processo C-42/22 Generali Seguros (PT), foi numa inspeção realizada pela AT às contas de 2007 da Global Seguros que começou a discussão. Esta seguradora foi, em 2011, integrada na Açoreana, que foi incorporada na Tranquilidade em 2016, mas esta mudou de nome para Seguradoras Unidas nessa altura. Finalmente, a Seguradoras Unidas foi vendida à Generali em 2020 que usa, desde aí, a marca Tranquilidade. No entanto, em todo o acórdão, é a portuguesa Generali Seguros que é lembrada, embora só tenha entrado na parte final do enredo.

O tribunal europeu começa por explicar que “a Generali Seguros é uma companhia de seguros que, no âmbito das suas atividades, efetua a aquisição de salvados resultantes de sinistros ocorridos com os seus segurados e, em seguida, procede à sua revenda a terceiros, sem liquidar o IVA sobre essas vendas (esta era a Global). Em resultado de uma de ação de inspeção respeitante ao exercício de 2007, a AT considerou que as vendas de salvados efetuadas pela então Global, por se considerarem transmissões de bens corpóreos a título oneroso, estavam sujeitas ao pagamento do IVA nos termos do Código do IVA («CIVA»), e que não podiam beneficiar de nenhuma das isenções previstas nesse código. Em consequência, a AT procedeu à liquidação do IVA sobre essas vendas no montante de 17.213,70 euros, acrescido de juros compensatórios.

A Generali Seguros efetuou o pagamento desse montante, mas a seguradora contestou estar em dívida no âmbito da impugnação judicial que apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa. A Generali Seguros alegou que a venda de salvados deve ser qualificada, no contexto do caso, como uma operação isenta de IVA. Invocou as disposições do CIVA que isentam, por um lado, as operações de seguro e resseguro, bem como as prestações de serviços conexas efetuadas pelos corretores e intermediários de seguro e, por outro lado, as transmissões de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, quando não tenham sido objeto do direito à dedução.

Por Sentença de 30 de dezembro de 2017, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a impugnação judicial da Generali Seguros (então Seguradoras Unidas). A companhia interpôs recurso da referida sentença para o Supremo Tribunal Administrativo. A Generali Seguros alega que a operação de revenda de salvados por uma companhia que exerce como atividade principal a atividade de seguros é conexa com essa atividade e indissociável da atividade normal de negociação e pagamento de indemnizações em caso de sinistro, pelo que se integra no objeto dessa companhia.

O Supremo Tribunal Administrativo sublinhou que a questão de saber se essa operação está isenta de IVA é objeto de uma importante controvérsia doutrinal e jurisprudencial em Portugal. Por conseguinte, considerou que devia submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial. O Supremo Tribunal Administrativo interrogou-se sobre o destino das operações, tendo em conta o sistema comum do IVA, que consistem em uma companhia de seguros proceder à revenda a terceiros de salvados, resultantes de sinistros cobertos por essa companhia, que a mesma adquiriu aos seus segurados.

O que mais pesou no desfecho a favor da AT

No seu acórdão proferido esta quinta-feira, o Tribunal de Justiça responde ao Supremo Tribunal Administrativo, em primeiro lugar, afirmando que as referidas operações não constituem operações de seguro isentas de IVA. Resumindo os motivos:

  • As operações de venda de salvados como as que estão em causa ocorrem ao abrigo de convenções distintas de contratos de seguro que cobrem esses veículos, celebrados pela companhia de seguros com pessoas que não os segurados e que não estão abrangidas por uma relação de seguro. A venda de um bem é alheia à cobertura de um risco e o preço corresponde ao valor do bem em causa no momento dessa venda. A determinação da matéria coletável do IVA não suscita dificuldades em tal caso;
  • É irrelevante o facto de essa operação incidir sobre o salvado resultante de um sinistro coberto pela companhia de seguros que o vendeu e que o montante da indemnização devida ao segurado em consequência desse sinistro inclua o preço de aquisição desse salvado. Com efeito, o valor do salvado constitui o valor residual, após o sinistro, do veículo segurado e, portanto, não faz parte, por definição, do dano sofrido pelo segurado;
  • Essa operação de venda também não pode ser considerada como estando indissociavelmente ligada ao contrato de seguro relativo ao veículo em causa e, por esse facto, como devendo ter o mesmo tratamento fiscal que esse contrato;
  • Dado que a venda de um salvado constitui uma «entrega de bens» na aceção da Diretiva IVA, que visa a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário, não pode ser abrangida pelo conceito de prestações de serviços relacionadas com operações de seguro e de resseguro, efetuadas por corretores e intermediários de seguros;
  • O Tribunal de Justiça considera que as referidas operações também não constituem entregas de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, no caso em apreço, a uma atividade que consiste em realizar operações de seguro;
  • O Tribunal de Justiça responde ao Supremo Tribunal Administrativo que o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA não se opõe à não isenção das operações em causa, quando essas aquisições não tenham conferido direito à dedução do IVA;
  • O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, elas próprias, sujeitas a IVA.

Uma longa batalha chega ao fim, foram 16 anos por 18.715 euros, mas fica a jurisprudência.

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