Inflação explica um terço da queda do rácio da dívida pública em 2022

A inflação é um forte aliado das contas públicas. Só em 2022 contribuiu em 33% para a redução do rácio da dívida pública face ao PIB. E para 2023 tudo indica que tenha um peso ainda maior.

O Estado teve em 2022 a maior queda do seu nível de endividamento dos últimos 30 anos. De acordo com dados do Banco de Portugal, a dívida pública passou de um montante equivalente a 125,4% do PIB em 2021 para 113,9% do PIB no final do ano passado.

O rácio de endividamento da economia nacional caiu 11,5 pontos percentuais em 2022 para o valor mais baixo desde 2010. O feito foi de tal ordem que Fernando Medina classificou esta correção como uma “descida impressionante“.

No entanto, o ministro das Finanças não disse que uma parte significativa deste feito ficou a dever-se exclusivamente à inflação, um indicador que o Governo não controla e que tem a capacidade de gerar a ilusão de uma melhor sustentabilidade da dívida pública por conta do impacto que a subida dos preços tem no PIB, mas não no stock de dívida pública.

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Cálculos do ECO com base no deflator do PIB estimado pelo INE para 2022, indicam que cerca de um terço da queda do rácio da dívida pública face ao PIB no ano passado ficou a dever-se apenas à subida da inflação.

Isto significa que, mesmo que a economia nacional tivesse registado um crescimento nulo em vez de ter crescido 6,7% no ano passado, o rácio da dívida pública face ao PIB cairia para 121,6%, somente com o efeito da inflação.

“Os resultados estão em linha com o nosso conhecimento de que a inflação tem sempre um impacto não despiciendo na redução do peso da dívida para as entidades devedoras, sejam países, pessoas ou empresas”, refere o economista António Nogueira Leite, sublinhando que lhe parece “razoável e expectável” que o efeito seja de aproximadamente de um terço do total “dada a dinâmica da dívida, do produto e dos preços em 2022.”

O efeito da inflação na redução do nível de endividamento do Estado foi também sentido em 2021, quando o rácio da dívida pública face ao PIB caiu 9,5 pontos percentuais, passando de um valor recorde de 134,9% do PIB em 2020 para 125,4% em 2021. Nesse ano, o impacto da inflação na redução do nível de endividamento do Estado foi de 27,5%.

Nos últimos 21 anos, desde a entrada em circulação do Euro, apenas por sete ocasiões o rácio da dívida face ao PIB registou uma correção. Cinco dessas ocasiões (entre 2017 e 2022, com exceção de 2020) foram protagonizadas por governos liderados por António Costa, com a inflação a contribuir, em média, com 28% para a redução do nível de endividamento do Estado.

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Como a inflação beneficia o rácio da dívida pública

A inflação tem uma força tremenda na redução do rácio de endividamento do Estado. E não é por provocar uma redução da dívida pública, mas porque o PIB nominal (denominador do rácio entre a dívida pública e o PIB) cresce somente com o efeito da subida dos preços.

Com a subida da inflação no presente, as receitas do Estado (impostos) crescem automaticamente, sem que o Governo promova qualquer mudança da política fiscal. A riqueza criada no país (PIB) sobe somente em função do consumo.

Enquanto isso, a dívida pública pouco ou nada varia face ao que estava orçamentado, porque a sua contabilização tem em conta as previsões da inflação que constam no Orçamento de Estado (OE) para esse ano, apresentado pelo Governo no final do ano anterior.

Foi exatamente isso que sucedeu em 2022, com a inflação estimada pelo Governo no OE 2022 (aprovado em abril) a situar-se nos 3,7%, quando a taxa de inflação média do ano passado situou-se nos 7,8%.

Desta forma, com o disparo da inflação em 2022, observou-se uma subida imediata do denominador (PIB) e uma estabilização do numerador (dívida pública), que fez com que o rácio de endividamento do Estado baixasse consideravelmente.

“Acresce que no ano de 2022 o volume de dívida (numerador), por via do défice, beneficiou do efeito da inflação, pois a receita sofreu em maior grau o efeito da inflação do que a despesa (as atualizações salariais foram reduzidas)”, refere José António C. Moreira Professor da Faculdade de Economia do Porto e da Porto Business School.

O peso da inflação no emagrecimento do rácio da dívida pública é também maior quanto menor for o crescimento real do PIB. Daí que em 2019, quando o rácio da dívida pública face ao PIB caiu 4,9 pontos percentuais para 116,6% e o PIB cresceu 2,68% (cerca de dois quintos dos 6,7% registados em 2022), a inflação tenha sido responsável por mais de 35% da queda do nível de endividamento do Estado.

Para este ano, com base nas últimas previsões do Fundo monetário Internacional (FMI), que apontam para um crescimento do PIB de 1% e uma taxa de inflação de 5,7%, é expectável que o impacto da inflação no rácio da dívida pública face ao PIB seja ainda maior.

“Se em 2023 o crescimento real for magro e a taxa de inflação média acabar, como se espera, a rondar os 5% a 6%, vamos ter uma redução do rácio quase todo feito à base da inflação”, vaticina João Duque, professor de Finanças e presidente do ISEG.

Gestão das expectativas dos agentes económicos

O efeito da inflação no rácio da dívida pública face ao PIB não é exclusivo de Portugal. Segundo uma análise do FMI a 85 economias entre 1962 e 2019, “para países com uma dívida superior a 50% do PIB [que é o caso de Portugal], estima-se que cada aumento surpresa de 1 ponto percentual na inflação reduza a dívida pública em 0,6 pontos percentuais do PIB, com o efeito a durar vários anos.”

Isto acontece porque a despesa do Estado, como por exemplo as atualizações salariais dos funcionários públicos, para o ano seguinte é sustentada nas expectativas do Governo para a inflação e, por isso, “o Governo tem todo o interesse em apresentar expectativas modesta”, nota José António C. Moreira. E se estas estimativas ficarem abaixo da taxa de inflação final, melhor.

“O ministro das Finanças sabe que se disser que a sua expectativa de inflação for alta isso leva os outros agentes a aumentarem mais os preços ou a exigirem mais salários”, refere João Duque.

Isso é visível, por exemplo, na negociação dos aumentos salariais com a Função Pública. Apesar de o FMI estimar uma inflação para este ano em Portugal de 5,7%, em linha com a previsão de 5,5% do Banco de Portugal, o Governo ancora a sua negociação com os sindicatos numa projeção para a inflação de 4%. Desta forma, o Governo consegue mostrar benevolência ao negociar aumentos salariais de 4%, mas “se anunciasse uma taxa de inflação expectável de 5,5%, que é o mais provável, os 4% seriam uma miséria altamente censurável”, sublinha o professor do ISEG.

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Contabilizando as projeções feitas pelo Governo nos últimos 10 anos (2013-2022) para a inflação expressos nas propostas finais dos Orçamentos de Estado (OE) aprovados para o ano seguinte, verifica-se que apenas por duas ocasiões as estimativas do Executivo para a inflação ficaram abaixo da taxa de inflação final. Isso aconteceu em 2021 e 2022, justamente nos anos em que o rácio da dívida pública face ao PIB mais caiu.

Numa altura em que a inflação é um enorme desafio em Portugal e na Europa, tanto o ministro das Finanças como as autoridades monetárias europeias procuram usar todos os instrumentos para conseguirem o seu objetivo. “Por isso anunciam expectativas de taxas inferiores às que acabam por ser as que se verificam”, conclui João Duque.

Porém, esta estratégia não pode ser feita ad eternum, correndo o risco de ficar totalmente descredibilizada pelos agentes económicos. “Se a inflação surpreender frequentemente, os agentes ajustarão as suas expectativas de inflação em conformidade e exigirão proteção contra a mesma, levando a spreads mais elevados devido ao risco de inflação”, lê-se no relatório do FMI.

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