Ordem dos Advogados exige ao Governo que estatutos tenham novas regras sistema de previdência
Bastonária diz que Governo nunca apresentou proposta de alteração ao estatuto, ainda que a queira ter pronta a tempo até 24 de abril na Assembleia da República.
A Ordem dos Advogados “não aceitará a inscrição como advogado de candidatos não licenciado em Direito”. As palavras são da bastonária dos mais de 35 mil profissionais, em declarações à agência Lusa, em que acrescenta que não aceitará nenhuma solução que coloque em causa os atos próprios da advocacia, não permitindo nunca que os mesmos possam ser praticados por não inscritos na Ordem dos Advogados.
Em comunicado, publicado no site da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro e a restante equipa do Conselho Geral, avisam o Governo que a OA “não aceitará nenhuma solução que coloque em causa o sigilo profissional ou a relação de confiança entre cliente e advogado”, “não aceitará um modelo de estágio que comprometa a dignidade e a competência técnica e deontológica inerentes ao exercício da profissão”, “não aceitará a existência de órgãos disciplinares que prevejam, na sua composição, uma maioria de membros não inscritos na Ordem dos Advogados” e, por último, “e não menos importante”, a Ordem dos Advogados “jamais aceitará que se promova qualquer alteração ao seu Estatuto sem que seja revista a norma constante do atual artigo 4.º (“Previdência Social”), por respeito ao resultado do referendo realizado pela Advocacia em julho de 2021”.
A 2 de Julho de 2021,os advogados votaram num referendo para decidir se mantêm a exclusividade da atual Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) ou se podem passar a optar entre esta e o regime geral da Segurança Social. Ganhou o ‘sim’ com maioria absoluta (53%).
Em declarações à Lusa, a bastonária dos advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, disse que em três reuniões já mantidas com o Governo — uma a 31 de março e duas esta semana -, convocadas para “discutir viabilidades de adaptação” do Estatuto da Ordem dos Advogados à nova lei das associações profissionais públicas (LAPP), o executivo nunca apresentou a sua proposta para o efeito, ainda que a queira ter pronta a tempo de a entregar até 24 de abril na Assembleia da República, onde terá que ser aprovada.
Para além de desconhecer a proposta do Governo, a Ordem dos Advogados desconhece também qual é a recomendação da Autoridade da Concorrência (AdC) -a quem compete essa tarefa – para definir o que vai ficar consagrado como atos próprios da advocacia, ou seja, definir o universo de procedimentos que apenas podem ser praticados por advogados.
“Nós já conhecemos um parecer anterior que foi emitido, no âmbito de outras tentativas de legislação, em que claramente a AdC não garantia que os atos próprios da advocacia não continuassem a ser aquilo que são nos termos da lei do ato próprio que existe desde 2009. E quando questionámos o Governo sobre o que ia ser esse entendimento e o que é que eles próprios entendiam sobre essa questão, o Governo aquilo que nos diz é que não garante que eles sejam estes que existem atualmente na lei, nem se compromete com isso”, disse a bastonária.
A preocupação da Ordem dos Advogados estende-se ainda a outra possibilidade admitida pelo executivo nestas reuniões. “Também nos diz, sem nada escrito, mas em conversações, que vê com bons olhos de se poderem abrir os atos próprios da advocacia a outras profissões e inclusivamente poderem vir-se inscrever na Ordem dos Advogados profissionais que nem sequer são licenciados em Direito. Isto é uma coisa que não pode acontecer”, disse Fernanda de Almeida Pinheiro, que defende que o que está a ser proposta é o “desvirtuamento total e absoluto” da profissão e que está em causa a “salvaguarda dos cidadãos”.
“Imagine o que é se os atos próprios dos médicos pudessem vir a ser praticados por outras profissões que não os médicos. Isto não faz sentido absolutamente nenhum. (…) Nesta casa inscrevem-se profissionais da advocacia e inscrevem-se para fazer estágio licenciados em Direito. Ponto. E isso é uma condição mínima de acesso a uma profissão como é a advocacia”, disse a bastonária.
Para Fernanda de Almeida Pinheiro, a possibilidade de abrir a prática da advocacia a não licenciados em Direito é uma tentativa de “legitimar a procuradoria ilícita”, uma prática ilegal de representação legal por alguém sem habilitação para o efeito, contra a qual a Ordem tem alertado, pelas consequências para os cidadãos que a ela possam recorrer.
A bastonária não tem dúvidas que a proposta do Governo, que a Ordem dos Advogados desconhece, mas para a qual acredita estar a contribuir nestas reuniões, acabará por ser aprovada na Assembleia da República (AR) pela maioria parlamentar do PS, mesmo à revelia dos advogados, uma vez que a lei apenas exige que a Ordem seja ouvida no processo, não obriga a um parecer vinculativo.
“O Governo escolhe apresentar uma proposta à AR sem nos dizer o que quer, sem termos a noção do que é a proposta da AdC sobre o ato próprio e pede à Ordem para se pronunciar. Ora, a Ordem está inteiramente disponível para se pronunciar, mas evidentemente que isto não é forma de trabalhar nem de lidar com um Estatuto que tem mais de 300 artigos e é a lei nevrálgica da profissão”, criticou, acusando o executivo de falta de transparência e de impor um prazo “inaceitável” de 10 dias úteis para a conclusão deste processo.
Para a bastonária, a pressa do Governo em concluir o processo para implementar a nova lei das ordens profissionais prende-se com o “economicismo do costume, porque estamos todos aflitos com o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”, mas defende que para isso não se pode “passar por cima dos direitos dos cidadãos e desmantelar uma profissão inteira”.
“Nessas reuniões até se aventou a possibilidade de se poder realizar imediatamente novas eleições. Nós tomámos posse em janeiro deste ano. Íamos a correr fazer eleições para eleger os órgãos todos, porque o Governo insiste que tem ser criado imediatamente o órgão de supervisão que nem sequer poder esperar para o próximo triénio, coisa que aconteceu com o Conselho Fiscal da última vez que foi alterada a LAPP”, criticou.
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