Exclusivo Direção executiva do SNS funciona há mais de três meses sem estatutos
Ao ECO, Campos Fernandes avisa que com a inexistência de estatutos a direção executiva do SNS vê os seus "poderes limitados". Já Pita Barros alerta para as "ambiguidades quanto à divisão" de poderes.
A direção executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) entrou em plenitude de funções a 1 de janeiro, com a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2023. Contudo, desde então, o novo organismo continua sem ver os estatutos aprovados, isto é, há mais de três meses.
Ao ECO, fonte oficial do organismo liderado por Fernando Araújo adianta que se encontra “a aguardar a avaliação do Ministério da Saúde, Ministério das Finanças e Ministério da Administração Pública, à proposta apresentada”. A 15 de fevereiro, o diretor executivo já tinha dito, no Parlamento, que enviou ao Governo uma proposta com os estatutos que definem as competências de atuação deste novo organismo e que o processo seria “concluído em breve”.
O ECO questionou ainda o Ministério da Saúde sobre o ponto de situação do diploma em questão, bem como as razões para este atraso, mas até à publicação deste artigo não foi possível obter uma resposta.
Este novo organismo está responsável por gerir o SNS, assegurando o funcionamento em rede, designar os responsáveis de direção dos hospitais EPE e dos agrupamentos de centros de saúde (ACS), decidir onde e quando fazer parcerias público-privadas, celebrar acordos com entidades do setor privado e social, bem como gerir as redes nacionais de cuidados paliativos e de cuidados continuados, entre outras.
Com um orçamento de 10 milhões de euros, o decreto-lei que aprovou a orgânica da direção executiva do SNS foi aprovado em setembro de 2022, contudo, faltam ainda ser aprovados os estatutos que definem, em termos práticos, as competências de atuação desta entidade.
Em declarações ao ECO, Adalberto Campos Fernandes, antigo ministro da Saúde, alerta que o atraso na publicação destes estatutos tem consequências sérias para a atuação deste novo organismo. “A direção executiva tem poderes limitados e tem, sobretudo, poderes mal definidos”, afirma, sublinhando que “não é por acaso que a direção executiva se chama executiva e não contemplativa”, pelo que para o efeito “precisa de ter capacidades e poderes efetivos para executar”. Também o Presidente da República já tinha alertado o Governo para esta questão.
A direção executiva foi do ponto de vista legislativo criada em cima do joelho. Foi feito a correr para se apresentar uma coisa nova e de uma forma, de facto, que não pode ser porque a Administração Pública tem a sua rigidez e as suas normas”.
Nesse sentido, o socialista insta o Governo a “resolver rapidamente esta questão”, de modo a que seja criado um estatuto que “seja clarificador e sobre o qual não haja nenhum tipo de dúvidas de quem faz o quê, como e quando. Isso é fundamental”, atira. Para Adalberto Campos Fernandes, o “pecado original está na forma atabalhoada” e “em cima do joelho” como a direção executiva foi criada, sem acautelar que “Administração Pública tem a sua rigidez e as suas normas” e que “o sistema de saúde, o SNS e as entidades que o administram e coordenam a nível regional e nacional” são complexos.
Por sua vez, Pedro Pita Barros, especialista em economia da Saúde e professor na Nova SBE, considera que o decreto-lei que estabeleceu a orgânica da direção executiva do SNS “tem várias ambiguidades quanto à divisão do poder de decisão final entre várias entidades do SNS” e este novo organismo.
“Sobretudo é relevante saber em que áreas a direção executiva tem o poder de decisão final (mesmo que em desacordo com outras entidades do SNS)“, nomeadamente se “na relação entre a direção executiva e a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) quanto aos orçamentos atribuídos às unidades do SNS, prevalecerá, em caso de desacordo, a posição da direção executiva ou da ACSS” e qual “o papel e poder de decisão” do organismo liderado por Fernando Araújo nas decisões sobre recursos humanos, elenca o economista, em declarações ao ECO.
O antigo ministro da Saúde alerta ainda que a falta destes estatutos está a criar “um vazio de poder nas ARS”, cuja extinção já foi anunciada, e que existe “claramente uma sobreposição e alguns vazios” relativamente a esta nova estrutura e “ACSS, as ARS e as próprias Unidades Locais de Saúde (ULS)”, pelo que se torna “muito difícil” que a direção executiva atue de “forma eficaz” sem essas questões estarem resolvidas.
Ao que o ECO apurou outra das consequências de os poderes da direção executiva não estarem suficientemente clarificados é que estará a verificar-se um saída de pessoal que trabalhava para as ARS, que estão a pedir transferência ou mobilidade para outros serviços, bem como uma certa reação defensiva por parte de alguns organismos.
Tem sido feito um esforço de coordenação operacional nas área das urgências (sobretudo), sendo ainda cedo para saber do sucesso das medidas adotadas”.
Apesar de estes entraves, tanto Adalberto Campos Fernandes como Pedro Pita Barros elogiam o trabalho feito pela direção executiva do SNS. Ao ECO, o especialista em economia da Saúde destaca que “tem sido feito um esforço de coordenação operacional nas área das urgências”, apesar de ainda ser “cedo” para avaliar o “sucesso das medidas adotadas”. Por outro lado, Pedro Pita Barros reitera que a criação de mais USF Modelo B e a criação de mais ULS ” são, no primeiro caso, uma aposta que tem sido repetidamente prometida mas concretizada a conta-gotas, e no segundo caso, tem vantagens e desvantagens potenciais”. Por outro lado, lamenta que não tenham sido feitos avanços relativamente aos pagamentos em atraso aos hospitais.
Já o antigo ministro da Saúde realça que tem sido feito “um esforço titânico” para tomar medidas no “bom sentido”, mas alerta para gestão feita durante a pandemia, mas não só. “A pandemia tem sido de alguma forma uma justificação para muita coisa que foi descuidada e que foi mal feita”, sublinha, referindo ainda que o aumento da despesa “foi verdadeiramente descontrolado”. “Quando se pega em algo que já tinha problemas”, como a escassez de recursos, os baixos salários, “aquilo que é feito é muitas vezes percetivo como pouco”, conclui.
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