“Em muitos casos o risco no negócio é uma vantagem competitiva”

Nuno Arruda, CEO da corretora WTW em Portugal, reuniu com a Jerónimo Martins, com a Greenvolt e com EDIA de Alqueva, empresas de vanguarda na gestão de riscos. Explica onde vê oportunidades.

Nuno Arruda, CEO da WTW Portugal : “a maioria das empresas que hoje retêm mais risco por via de maiores franquias ou retenções, fazem-no porque a isso foram forçadas pelo mercado segurador e não como medida consciente”.

A WTW Portugal reuniu com a EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva), Jerónimo Martins e Greenvolt para as empresas darem a conhecer a sua forma avançada de gestão de riscos. A EDIA, responsável pelo Alqueva, tem como principal risco, a gerir, a falta de água e agora também com a falta de sol para alimentar o novo sistema fotovoltaico flutuante que está a implementar para gerar energia para bombeamento. A Jerónimo Martins preocupa-se com a manutenção de 5.000 lojas sempre abertas em Portugal, Colômbia e Polónia. A Greenvolt depende da evolução tecnológica e os fenómenos climáticos.

Em entrevista a ECOseguros, Nuno Arruda, CEO da WTW Portugal, explica como os exemplos destas organizações podem ser aplicados a um universo alargado de empresas.

A WTW categoriza a análise de riscos pela identificação, quantificação, mitigação e, na fase final, a transferência para seguros. No entanto, parece que a maioria das empresas começa pelo fim. Será assim?

Quando falamos da “maioria das empresas”, não poderemos deixar de levar em linha de conta o tecido empresarial português, composto essencialmente por PME’s que, compreensivelmente, têm menos recursos disponíveis para investir num processo de gestão de risco mais estruturado. Há naturalmente muitas exceções, cada vez mais, desde logo porque independentemente da sua dimensão, a globalização, a interdependência do mercado e a maior incidência de riscos sistémicos conduz a uma maior necessidade de o fazer.

Começar pelos seguros não é começar pelo fim?

É evidente que a transferência de risco para o mercado segurador continua a ser em geral o elo da cadeia de gestão de risco ao qual se dá maior atenção. Porquê? Por razões históricas, pelo custo direto que implica e por responder em muitos casos a obrigações legais, regulatórias ou contratuais. Mais, atrevo-me a dizer, é também a mais fácil por oposição à identificação de riscos seguráveis e não seguráveis num contexto muito dinâmico e volátil e à sua quantificação, passos que constituem desafios mais complexos.

Considera que as empresas decidem reter riscos (seja por franquias ou por não cobrir alguns deles) por poupança em prémios ou com clara noção da terem capacidade de suportar um determinado nível de prejuízos?

Muito honestamente, a maioria das empresas que hoje retêm mais risco por via de maiores franquias ou retenções, fazem-no porque a isso foram “forçadas” pelo mercado segurador e não como medida consciente de gestão em função de um processo analítico de identificação de fronteiras eficientes de transferência de risco, alinhadas com o seu perfil e apetite de risco.

Portugal é um País com franquias historicamente muito baixas, se comparadas com a maioria da Europa. Recordo-me de quando trabalhava no mercado de resseguro facultativo e os resseguradores perguntavam se as unidades das franquias eram em milhares de euros…

Ora, estando o nosso mercado cada vez mais alinhado com o restante mercado continental e com um maior escrutínio de seleção e subscrição de risco para alocação criteriosa de capacidades, era inevitável ver este movimento. Mas considero que esta realidade é também uma oportunidade para as empresas olharem de forma mais estratégica para as suas políticas de gestão de riscos e para a otimização dos seus recursos financeiros.

As empresas presentes no encontro pareceram bem focadas no risco maior. Há perigo de perder o foco quando a análise do risco se começa a desenvolver? Será criar logo um plano C se o plano B falhar?

“Perder o foco” é mais um risco para gerir. Nestes casos estamos a falar de empresas já muito evoluídas ao nível da gestão de riscos em que o que se verifica é a necessidade de definir prioridades no tratamento aos riscos em função da severidade e frequência potenciais em várias dimensões e horizontes temporais. Devemos ter presente que não existe nenhuma atividade sem risco e o mesmo deve ser encarado com tanta seriedade como naturalidade. O risco deve aliás ser abordado como uma oportunidade de evolução e em muitos casos uma vantagem competitiva.

Como pode ser visto como vantagem competitiva?

Entre outras, identifico três dimensões: fazer um uso mais eficiente de recursos financeiros, libertando capital (ainda mais relevante num momento em que o custo do mesmo aumentou consideravelmente); sustentabilidade e resiliência do plano de negócios, ao prever e preparar a organização para diferentes riscos e cenários de contingência; maior agilidade para aproveitar novas oportunidades, novos mercados e potenciar a inovação. Num contexto de maior volatilidade e frequência de eventos extremos e fenómenos sistémicos, assim como de rápida aceleração tecnológica e evolução de modelos de negócios, as empresas que tenham maior capacidade de enfrentar os primeiros e adaptar-se aos segundos estarão em clara vantagem relativamente aos seus concorrentes.

Perguntou, no encontro com as empresas, se se pode calcular um ponto onde ceder ou reter risco pode ser encontrado? Sente que a análise em geral é ainda demasiado vaga?

Porventura o passo mais complexo do processo de gestão de risco é a identificação da fronteira mais eficiente de transferência isto é, a linha que otimiza o custo total do risco alcançando um maior equilíbrio entre retenção e prémios pagos. Para o fazer efetivamente é essencial recorrer a modelos analíticos de gestão (que no passado eram muito menos acessíveis) mas o que vemos ainda, na maior parte dos casos, é um processo de tentativa e erro no contexto de processos negociais muito desgastantes entre empresas, corretores e seguradoras.

Falou-se pouco especificamente de responsabilidade civil, sente que não há sensibilidade para a dimensão destes riscos?

Em Portugal somos ainda um País com níveis de litigância relativamente baixos o que inevitavelmente condiciona a análise e perspetiva. Todavia, qualquer uma das empresas convidadas enfatizou a grande preocupação e prioridade dada aos seus clientes não se esgotando a mesma na responsabilidade civil mas também em danos intangíveis como a capacidade de fornecimento ou a reputação, entre outros, riscos que encaram e tratam com muita seriedade.

As empresas presentes tinham já departamentos de risco estabelecidos, outras há em que a função risco está no organigrama, mas sente que o espírito está presente na maioria das empresas portuguesas?

Um estudo recente da FERMA (Federação Europeia de Associações de Gestão de Risco) demonstrou que 59% dos Gestores de risco e/ou seguros têm outras funções para além destas. Em Portugal, com exceção das muito grandes empresas, cotadas ou de setores muito específicos, este valor estará próximo dos 100%, o que é absolutamente normal dada a nossa realidade empresarial (em termos de dimensão) e sublinha a necessidade de terem suporte de consultores especializados. Mas este apoio por si só não é suficiente e deve ser o resultado de uma evolução cultural: a gestão de risco, externalizada ou não, deve ter um papel fundamental como meio para a concretização da visão estratégica das organizações.

Também se ouviu falar de risk owners dentro de uma organização. Significa que a análise de risco deve estar em todas as áreas da organização e que o Analista deve ser um compilador de riscos e soluções?

Diferentes organizações têm diferentes modelos de gestão de risco, que adaptam em função da evolução da sua própria atividade e do contexto em que se inserem. Ainda assim, com maior ou menor centralização, é na nossa opinião essencial que exista na organização uma função especializada com uma visão global, agregadora e estratégica, que apoie a liderança na definição do modelo de governação e perfil de risco e a forma como o mesmo é percebido pela restante estrutura. Uma vez mais reforço a ideia de uma cultura de risco (de o gerir, não de o evitar) que deve estar enraizada nos diferentes níveis das empresas, desde a área comercial até à equipa de inovação e desenvolvimento, passando pelos recursos humanos, áreas financeiras, investimento ou planeamento estratégico.

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