Obrigações da SAD do Benfica pagam pouco mais que os Certificados de Aforro

As novas obrigações da SAD benfiquista pagam 5,75%, mas, na carteira dos pequenos investidores, o ganho não vai muito além do que oferecem os Certificados de Aforro e exige muito mais risco.

A SAD do Sport Lisboa e Benfica (Benfica SAD) está novamente a recrutar credores. Depois de em junho do ano passado ter realizado uma emissão obrigacionista de 60 milhões de euros (“Benfica SAD 2022-2025”), o clube da Luz está de regresso ao mercado.

Desta vez, a Benfica SAD pretende angariar 40 milhões de euros (38,5 milhões líquidos de comissões) junto dos pequenos investidores, através de um novo empréstimo obrigacionista denominado “Benfica SAD 2023-2026“.

O objetivo da sociedade liderada por Rui Costa, que também é presidente do Sport Lisboa e Benfica, é utilizar este dinheiro para reembolsar parcialmente o empréstimo obrigacionista denominado “Benfica SAD 2020-2023”, financiar “a atividade corrente da Benfica SAD, bem como consolidar o respetivo passivo da Benfica SAD num prazo mais alargado”, lê-se no prospeto da operação.

A operação arrancou esta terça-feira, 2 de maio, e decorrerá até 12 de maio. Para convencer os pequenos investidores, a Benfica SAD oferece:

  • Para novos credores: o compromisso de pagar uma taxa de cupão anual de 5,75%, pago semestralmente, até 17 de julho de 2026, através da subscrição das obrigações “Benfica SAD 2023-2026”.
  • Para antigos credores: a possibilidade de os investidores trocarem as obrigações “Benfica SAD 2020-2023“, que têm uma taxa de cupão de 4%, pelas novas obrigações “Benfica SAD 2023-2026”.

Comissões e impostos apagam grande parte dos ganhos

À primeira vista, a remuneração de 5,75% que a Benfica SAD oferece parece ser um bom negócio. Porém, na carteira dos pequenos investidores, o ganho líquido deste investimento fica muito abaixo deste valor. Não por culpa da SAD benfiquista, que, por cada 1.000 euros investidos, paga 57,5 euros, mas como consequência das comissões bancárias cobradas pelos intermediários financeiros e dos impostos cobrados pelo Fisco, que acabam por reduzir significativamente a rendibilidade do investimento.

Por exemplo, segundo contas do ECO, um investidor que pretenda investir 2.500 euros (o mínimo permitido), não deverá esperar uma taxa interna de rendibilidade (TIR) líquida de impostos e encargos acima dos 2%, de acordo com os preçários dos 12 bancos colocadores da operação — e isto assumindo que a Benfica SAD pagará os cupões e reembolsará totalmente o capital no prazo estipulado.

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Mesmo elevando para o dobro o montante do investimento (5.000 euros), os ganhos que um pequeno investidor sem uma carteira de ativos poderá ambicionar não vão para lá de uma TIR média de 2,89%, ficando ao nível da TIR gerada pelo investimento em Certificados de Aforro pelo mesmo horizonte temporal (três anos).

Além disso, como são garantidos pela República Portuguesa, os Certificados de Aforro conferem naturalmente um risco creditício muito inferior face ao risco de investir nas obrigações da SAD benfiquista.

É certo que quanto maior o montante investido mais as comissões fixas (como a custódia de títulos) se diluem, aumentando assim a TIR do investimento — o mesmo acontece se o investidor já tiver uma carteira de ativos. Mas, mesmo considerando estas variáveis, o máximo que um futuro obrigacionista da Benfica SAD poderá ambicionar é uma TIR média perto dos 4%.

Num investimento de 10 mil euros, a diferença que separa o investimento em Certificados de Aforro e as obrigações da Benfica SAD são apenas 57,5 euros por ano, a favor dos títulos de dívida do clube da Luz.

Para os titulares das obrigações “Benfica SAD 2020-2023” que estejam a pensar trocá-las pelas novas obrigações “Benfica SAD 2023-2026”, no âmbito da oferta de troca que também está a decorrer, estes números devem também sugerir uma reflexão.

Numa primeira leitura, a troca dos títulos é tentadora. Desde logo porque as antigas obrigações conferem uma taxa de cupão de 4% e as novas 5,7%. Todavia, é importante não esquecer que a troca de títulos acarreta um custo de alienação das obrigações antigas e posterior pagamento de uma comissão de compra dos novos títulos, afetando assim a TIR do investimento.

Além disso, na contabilidade dos pequenos investidores, não é irrelevante o facto de as obrigações “Benfica SAD 2020-2023” vencerem dentro de apenas dois meses e meio, a 17 de julho, conferindo nessa altura aos seus titulares o dinheiro investido.

Ponderação do risco do investimento

No mercado de dívida, a rendibilidade das obrigações (yield) está inversamente ligada ao risco de incumprimento do emitente. Isto é: quanto maior o risco de uma empresa ou um Estado não pagar, maior é o preço pedido pelos investidores.

Uma forma de avaliar este risco é dada pela notação de risco creditício, que é conferida pelas agências de rating como a Fitch, a Moody’s ou a S&P.

No caso das obrigações “Benfica SAD 2023-2026”, como a SAD benfiquista não dispõe de uma notação de risco, os títulos de dívida também não. Para a empresa liderada por Rui Costa, esta situação não é problemática, pelo contrário.

Pelo lado da procura, a ausência de rating é praticamente irrelevante. Como as emissões obrigacionistas da SAD benfiquista têm registado uma constante procura superior à oferta, a Benfica SAD não tem necessidade de recorrer ao rating como chamariz de investidores.

E pelo lado financeiro da operação, é também difícil não considerar a ausência do rating de crédito como benéfica para a SAD encarnada: olhando para o mercado obrigacionista, a rendibilidade oferecida pelos títulos da Benfica SAD é próxima da yield oferecida por algumas das maiores empresas europeias.

É disso exemplo a Faurecia, um dos maiores nomes da indústria automóvel mundial, e a Renault. As duas empresas, que negoceiam na Euronext Paris, carregam um rating de “BB” e “BB+” pela Standard & Poor’s, um nível abaixo de investment grade.

Desde 2004, a SAD benfiquista já conseguiu angariar mais de 500 milhões de euros junto dos pequenos investidores, recorrendo a 12 emissões obrigacionistas.

A Faurecia tem atualmente umas obrigações com maturidade em 2026 a negociar com uma yield de 5,5% e a Renault tem no mercado umas obrigações com maturidade em 2027 a negociar com uma yield de quase 6%.

Ambas as empresas empregam mais de 100 mil pessoas, mas enquanto a Renault tem uma capitalização bolsista de 9,8 mil milhões de euros e gera anualmente receitas acima dos 12 mil milhões de euros, a Faurecia está a negociar com uma capitalização bolsista de 3,7 mil milhões de euros e gera receitas de quase 7 mil milhões de euros.

Já a Benfica SAD, segundo as últimas contas anuais, é uma empresa que faturou no último ano fiscal (terminado em junho de 2022) 169 milhões de euros e atualmente está a negociar na bolsa de Lisboa com uma capitalização bolsista abaixo dos 90 milhões de euros.

Apesar destas disparidades, o custo de financiamento da SAD do Benfica é muito próximo ao custo que estes gigantes do mundo automóvel têm no mercado. Mas não só.

A taxa de cupão das novas obrigações da SAD benfiquista é também igual à taxa de cupão paga pela Mota-Engil numa emissão obrigacionista a cinco anos de 70 milhões de euros, que a construtora colocou no mercado em outubro do ano passado para o retalho; e muito próxima dos 5,2% pagos pela Greenvolt numa emissão a cinco anos de 150 milhões de euros realizada em novembro.

Para os investidores interessados em apostar nas obrigações “Benfica SAD 2023-2026”, também não deve ser descurada a análise a todos os riscos inerentes a este investmimento. No prospeto da operação são identificados alguns:

  • Risco de crédito e de perdas de imparidade que advém da incapacidade de uma ou mais partes da Benfica SAD cumprirem com as suas obrigações contratuais, como resultado de alguma situação associada à sua operação.
  • Risco de liquidez de o emitente, neste caso a Benfica SAD, não ter capacidade para cumprir com as suas obrigações com os obrigacionistas, quer seja no pagamento dos cupões nas datas previstas como no reembolso do principal da obrigação a 17 de maio de 2026.
  • Riscos relativos a processos judicias, arbitrais e administradores em que a Benfica SAD está envolvida, que poderão lesar a SAD em vários milhões de euros; e os riscos associados à operação da SAD benfiquista, que está fortemente dependente do desempenho desportivo da principal equipa de futebol do Sport Lisboa e Benfica.

Campeão nacional das emissões obrigacionistas

Em 23 anos de existência da Benfica SAD (16 dos quais com cotação na bolsa, após a concretização do IPO a 22 de maio de 2007), esta será a sua 13.ª Oferta Pública de Subscrição (OPS) de obrigações e a segunda Oferta Pública de Troca (OPT) parcial e voluntária de obrigações.

Desde 2004, a SAD benfiquista já conseguiu angariar mais de 500 milhões de euros junto dos pequenos investidores, recorrendo a 12 emissões obrigacionistas.

A SAD do clube da Luz mantém-se à frente da SAD do Porto, que com a operação realizada no ano passado contabiliza 11 OPS e uma OPT, e da SAD do Sporting, que soma 7 OPS. Mostra assim uma forte intervenção no mercado de capitais, como também revela o balanço da sociedade.

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A 31 de dezembro de 2022, as contas da Benfica SAD mostravam uma dívida financeira líquida de 170 milhões de euros, sendo que 81,5% deste valor correspondia ao saldo-vivo de três obrigações: “Benfica SAD 2020-2023“, “Benfica SAD 2021-2024” e “Benfica SAD 2022-2025“.

O impacto das emissões obrigacionistas nas contas da SAD benfiquista tem sido grande. Aclamando ao “amor ao clube” junto dos seus sócios e adeptos (que são a principal base dos investidores que subscreve as obrigações), a Benfica SAD tem conseguido custos de financiamento mais baixos do que teria se recorresse à banca.

É isso que mostram as últimas contas semestrais da sociedade, que apontam para uma taxa de juro média dos empréstimos (bancários e obrigacionistas) de 4,55%, sendo que apenas 20 milhões de euros desta dívida foi contratualizada à taxa variável, através de dois empréstimos bancários junto do Novobanco e do Montepio que se encontram indexados à Euribor a 3 e 6 meses, respetivamente, acrescidos de um spread.

Além disso, substituindo os bancos por pequenos investidores enquanto base de credores da sociedade, a Benfica SAD benfiquista consegue libertar os contratos comerciais que teria de dar como garantia para os empréstimos bancários, podendo utilizar esses ativos como garantia para financiar outras operações. Foi isso que revelou Domingos Soares de Oliveira, administrador executivo da Benfica SAD, em declarações ao ECO em 2018.

Nota: A análise do ECO à nova emissão obrigacionista da Benfica SAD não dispensa a consulta do prospeto da operação.

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