Os riscos e os potenciais ganhos de tornar-se credor da SAD do Dragão

A taxa de juro de 6,25% das novas obrigações da FC Porto SAD é tentadora, mas as comissões e o Fisco ficam com grande parte dos ganhos. Além disso, este investimento não está isento de risco.

A SAD do Futebol Clube do Porto (FC Porto SAD) está novamente ao ataque. Depois de no ano passado ter fechado um empréstimo obrigacionista de 50 milhões de euros, o Dragão regressou ao mercado.

Desta vez, está à procura de 40 milhões de euros de financiamento junto dos pequenos investidores através da emissão das obrigações FC Porto SAD 2023-2026. E, tal como há um ano, também agora a SAD azul e branca tem a decorrer em simultâneo uma operação pública de subscrição (OPS) e uma operação pública de troca (OPT) de obrigações.

O objetivo da FC Porto SAD, segundo é revelado no prospeto da operação, é utilizar o dinheiro deste negócio para reembolsar o empréstimo obrigacionista “FC Porto SAD 2021-2023”, atualmente com um montante em dívida de 39,8 milhões de euros, que vencerá a 26 de novembro deste ano.

A operação arrancou esta segunda-feira e decorrerá até 2 de junho. Para convencer os investidores, a FC Porto SAD oferece:

  • Para os novos credores: o compromisso de pagar uma taxa de cupão anual de 6,25%, pago semestralmente, até 7 de dezembro de 2026, através da subscrição das obrigações FC Porto SAD 2023-2026. Trata-se assim de uma emissão a três anos e seis meses.
  • Para os antigos credores: a possibilidade de os investidores trocarem as obrigações FC Porto SAD 2021-2023, que carregam uma taxa de cupão de 4,75%, pelas novas obrigações FC Porto SAD 2023-2026, acrescido de um prémio monetário de 0,05 euros, o equivalente a 1% do valor nominal das antigas obrigações.

Nas contas dos pequenos investidores, o cupão de 6,25% pago pelas novas obrigações da SAD do clube do dragão é tentador. No entanto, as comissões e os impostos acabam por “comer” grande parte destes ganhos: na melhor das hipóteses, os pequenos investidores podem ambicionar uma taxa interna de rendibilidade de 4,25% líquidos, e desde que já tenham uma carteira com outros ativos financeiros (não se considerando para o efeito a comissão de custódia de títulos).

O efeito das comissões e dos impostos é de tal forma relevante para as contas dos pequenos investidores que, para montantes entre 2.500 e 5.000 euros (intervalo onde se situaram 44% das ordens da última operação semelhante pela FC Porto SAD), o Fisco e os intermediários financeiros ficam com cerca de um terço dos juros pagos pela SAD azul e branca, não considerando para o efeito a comissão de guarda de títulos.

Mas se o investidor não tiver mais nenhuma obrigação ou outro ativo financeiro em carteira, a TIR do investimento baixa para 2,77%, de acordo com cálculos do ECO com base nos preçários dos 11 intermediários financeiros colocadores da operação. Neste caso, os impostos e as comissões a eliminarem mais de 55% dos juros pagos pelas obrigações.

Isto significa que, por cada dez euros de juros que a SAD azul e branca paga, os pequenos investidores recebem apenas 4,5 euros. Trata-se de uma TIR semelhante à que é oferecida atualmente pelos Certificados de Aforro para o mesmo horizonte temporal (três anos e seis meses).

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É certo que a “taxa de juro” das novas obrigações da FC Porto SAD é fixa e a remuneração dos Certificados de Aforro é variável, podendo esta baixar dos atuais 3,5% caso a Euribor a 3 meses (indexante da taxa de juro dos títulos de dívida do Estado para o retalho) negoceie abaixo dos 2,5%. No entanto, como mostram os contratos forward rate agreements, isso não deverá acontecer nos próximos tempos.

Além disso, é bom notar que apesar de ambos serem títulos de dívida, os Certificados de Aforro acarretam um risco muito mais baixo do que as obrigações do FC Porto SAD, sem que isso se traduza numa rendibilidade muito inferior para valores até 10 mil euros.

Isso deve-se, desde logo, porque enquanto os Certificados de Aforro têm como emitente o Estado, que atualmente detém um risco creditício de investment grade por parte das principais agências de rating, as obrigações da SAD azul e branca têm como emitente a FC Porto SAD, que além de não ser avaliada por nenhuma agência de notação de risco encontra-se, há vários anos, numa situação financeira periclitante.

As contas da SAD do Dragão

A SAD do FC Porto é um agente assíduo da Euronext Lisboa. Há 25 anos que as suas ações são negociadas na bolsa nacional, por duas ocasiões recorreu ao mercado de capitais para realizar aumentos de capital e conta ainda com 11 emissões obrigacionistas e uma OPT.

Desde dezembro de 2003, quando realizou a primeira OPS de obrigações, a SAD liderada por Nuno Pinto da Costa conseguiu financiar-se em quase 340 milhões de euros junto dos pequenos investidores por um custo médio de 6,2%.

Com uma taxa de cupão de 6,25%, a emissão que tem a decorrer fica ligeiramente acima desta fasquia, a que corresponde também um prémio de 3,05 pontos percentuais sobre a taxa de swap a três anos (ou 3,15 pontos percentuais sobre a taxa swap a quatro anos) no dia a aprovação do prospeto, a 16 de maio.

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A última operação da FC Porto SAD com condições semelhantes foi realizada em abril do ano passado, com as obrigações a carregarem uma taxa de cupão de 5,25% a três anos. Nessa altura, as obrigações foram colocadas no mercado com um prémio de 4,6 pontos percentuais face à taxa de swap a três anos.

Esta comparação mostra que o prémio pago pela FC Porto SAD face ao mercado reduziu significativamente no espaço de um ano, mas sem que isso se tenha traduzido numa redução dos riscos do investimento. Pelo menos a contar com os resultados da SAD e com os resultados da equipa principal de futebol profissional.

No campo desportivo, por exemplo, atividade à qual a FC Porto SAD está intrinsecamente ligada, se há um ano os dragões foram campeões nacionais da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, garantindo assim acesso direto à Liga dos Campeões da UEFA, este ano estão em segundo lugar do campeonato nacional, posição que assegura também acesso direto à “Champions”, podendo voltar a receber um cheque de quase 30 milhões de euros como prémio de entrada na Liga Milionária.

No plano financeiro, as contas da FC Porto SAD continuam a mostrar uma sociedade com muitas dificuldades. E não é só de agora. Desde a época 2017/2018 que a SAD azul e branca opera constantemente com capitais próprios negativos. Foi isso que voltaram a mostrar as contas anuais da sociedade no ano passado, com o capital próprio individual da FC Porto SAD a cifrar-se em 169,8 milhões de euros negativos em junho de 2022.

O mesmo repetiu-se em dezembro, com as contas do primeiro semestre da época 2022/2023 a revelarem uma sociedade com um capital próprio individual em mais de 175 milhões de euros negativos. Isto significa que, em dezembro de 2022, tal como no passado recente, a SAD portista estava numa situação de falência técnica, de acordo com as disposições do artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

Por essa razão, o prospeto da operação inclui um capítulo titulado de “Incerteza material relacionada com a continuidade”, em que é sublinhado o facto de “o passivo corrente ser bastante superior ao ativo corrente” e que “estas condições indicam que existe uma incerteza material que pode colocar dúvidas significativas sobre a capacidade do grupo em se manter em continuidade.”

Apesar destes sinais de alerta, até ao presente, o conselho de administração da SAD ainda não requereu a convocação da assembleia-geral nos termos do artigo 35.º do CSC, “estando a ponderar a melhor forma de o fazer em cumprimento da legislação aplicável”, lê-se no prospeto da operação.

Além disso, pode-se ainda ler-se no documento publicado na CMVM que “o Conselho de Administração considera que possui recursos adequados para continuar as suas operações a longo prazo.”

Quando as coisas não correm como o esperado

Nas 11 OPS de obrigações da FC Porto SAD, a procura superou constantemente a oferta. Isso revela o interesse dos pequenos investidores em tornarem-se credores da SAD azul e branca. Porém, isso não significa que já não tenham tido dissabores. Que o digam os investidores que, em 2017, adquiriram as obrigações FC Porto SAD 2017-2020.

Quando contavam receber em junho de 2020 o capital emprestado, como estava previsto, a FC Porto SAD adiou em um ano o reembolso das obrigações FC Porto SAD 2017-2020. A SAD deu como justificação “os enormes impactos nas atividades da FCP SAD e do Grupo FC Porto provocados pelo atual contexto de pandemia internacional e estado de emergência nacional”.

Na altura, Fernando Gomes, administrador da SAD azul e branca, revelou que caso não tivesse sido aprovado o adiamento do reembolso das obrigações, o clube teria de obter um novo financiamento e antecipar a venda de um jogador.

O investimento em obrigações acarreta riscos. Muitas vezes, esse risco é medido pelo rating de crédito sobre o emitente com base numa análise de uma entidade independente (agências de rating). As obrigações das sociedades anónimas desportivas, como também sucede com muitas outras empresas, não carregam este selo, tornado a sua avaliação ainda mais importante.

É certo que o prospeto da operação expõe os riscos associados ao investimento, mas nunca é de menos uma consulta aos relatórios e contas da empresa.

Na página de comercialização das obrigações por parte do Banco Best, um dos 11 colocadores da operação, é referido que a compra das obrigações FC Porto SAD 2023-2026 trata-se de um investimento “sem garantia de capital ou perda além do capital investido” e para investidores com níveis de conhecimentos “avançado ou experiente” e com elevada tolerância ao risco.

Nota: A análise do ECO à nova emissão obrigacionista da Benfica SAD não dispensa a consulta do prospeto da operação.

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