Operadoras vão ter até cinco anos para expulsar Huawei do 5G
Tecnologia chinesa e de "alto risco" deve ser expulsa do "core" do 5G em três anos e da periferia das redes em cinco. Setor surpreendido com posição mais dura que a da UE e questiona: Quem vai pagar?
A recente deliberação que permite expulsar a tecnológica chinesa Huawei do 5G em Portugal surpreendeu os responsáveis do setor das telecomunicações, que não esperavam restrições tão abrangentes. Publicamente, são mais as dúvidas do que as certezas, mas mesmo para alguns dos players existem questões por esclarecer — por exemplo, saber quem paga a fatura. As operadoras terão até cinco anos para banir a tecnologia de “alto risco” das suas redes.
Há quatro anos, o primeiro-ministro, António Costa, rejeitou a introdução de “mecanismos de protecionismo” a “pretexto da segurança”. Mas foi mais além. Citando o exemplo de “países exigentes” como o Reino Unido e a Alemanha, declarou não existir “nenhuma razão para excluir a Huawei do acesso ao mercado” da quinta geração móvel.
Só que, atualmente, a posição desses países é diferente da que tinham então. E a do Governo português acaba mesmo de dar uma volta de 180 graus, por admitir agora a expulsão de equipamentos e serviços de marcas como a Huawei e a ZTE não só das partes mais críticas do 5G, o chamado core, como também da parte periférica das redes, incluindo as antenas.
Nos bastidores, o exemplo mais citado é o de França, que limitou significativamente o recurso à Huawei em regiões estratégicas do país. Quanto à Alemanha, o Governo está a conduzir uma avaliação que, segundo a Reuters, poderá levar à expulsão de alguns componentes da Huawei das redes de telecomunicações do país. Na Bélgica, onde estão sedeados importantes organismos europeus, proibiu-se o uso de equipamentos de fabricantes considerados de “alto risco” do core do 5G e no Reino Unido as operadoras têm até 31 de dezembro deste ano para remover a Huawei também do core.
Portugal vai mais além, numa altura em que, no final do primeiro trimestre, existiam já perto de 7.000 antenas 5G instaladas em território nacional. A primeira leva de obrigações de cobertura que Meo, Nos e Vodafone têm de cumprir tem o prazo de 31 de dezembro. A isso soma-se agora a imposição de remover equipamentos de marcas como a Huawei num período que, segundo disseram ao ECO várias fontes, terá sido fixado em três anos para a parte core do 5G e cinco anos para a periferia das redes, em linha com o que foi revelado no domingo por Paulo Portas no seu comentário semanal na TVI (importa notar que a Huawei não estará já presente no core das redes 5G, por opção das operadoras).
A partir daqui, a informação é escassa. O que se sabe oficialmente é o que está na referida deliberação, tomada pela Comissão de Avaliação de Segurança, um organismo integrado no Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço, e publicada na semana passada no site do Gabinete Nacional de Segurança. Esse documento, assinado pelo contra-almirante António Gameiro Marques enquanto presidente da Comissão, estipula, por um lado, as partes das redes 5G que são abrangidas e os critérios que determinam o que é considerado um fornecedor ou prestador de serviços de “alto risco”. Para este efeito, por exemplo, basta que tenha sede num país fora da União Europeia, da NATO ou da OCDE.
No entanto, existe outro documento, classificado como “Reservado”, onde estão mais detalhes sobre a decisão tomada pela Comissão. Isso mesmo é referido na deliberação e foi confirmado pelo secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa na segunda-feira, ao dizer que “o conteúdo” da decisão é confidencial porque a divulgação podia “contender com os altos interesses do país e dos agentes económicos”.
Mário Campolargo disse ainda que a deliberação “deve ser feita cumprir pela Anacom”, que, nos termos da Lei das Comunicações Eletrónicas, terá de proceder ainda “à fiscalização do seu cumprimento”. Contactada, fonte oficial da Anacom não quis fazer nenhum comentário. Aliás, a sensibilidade do dossiê é patente nas conversas que o ECO tem mantido com vários responsáveis ligados à área das telecomunicações, que, apesar de pedirem o anonimato para poder discutir mais livremente estes temas, mostram apreensão em entrar em pormenores.
As três principais operadoras, ainda assim, já reagiram oficialmente à decisão, mas são parcas em detalhes. Fonte oficial da Altice Portugal diz que “respeitará todas as determinações legais e fará uma análise cuidada da comunicação recebida”, dando a entender, assim, ter sido informada da deliberação pelos canais oficiais. Porta-voz da Nos disse que a operadora “define elevados padrões de seleção de parceiros, tendo em conta a garantia de segurança e qualidade”. Do lado da Vodafone, é dito que “todos os fornecedores selecionados cumprem, naturalmente, elevados padrões de qualidade e fiabilidade”.
Quanto à Huawei, a principal visada por estas medidas, fonte oficial afirmou que a empresa “tem trabalhado com os operadores portugueses para desenvolver as redes de comunicações e prestar serviços de alta qualidade que servem milhões de pessoas”. Acrescentou não ter tido “conhecimento prévio” da deliberação.
Quem paga a conta?
Neste contexto, para as operadoras, a grande dúvida é saber quem vai pagar este processo, como também tinha sido suscitado por Paulo Portas: “Isto é uma alteração completa dos planos de investimento, alguém vai pagar isto”, dizia no domingo o comentador, no rescaldo da notícia do Jornal Económico que, na sexta-feira, colocou o tema na agenda. Tanto quanto foi possível apurar, nesta fase, não existem indicações do Governo sobre esta matéria.
Além do mais, uma fonte sugeriu que a deliberação não salvaguarda “a vida útil dos equipamentos”. Nesse caso, o prazo de até cinco anos seria rígido, não se permitindo que os equipamentos que passaram a ser proibidos continuem em operação até ao fim do seu tempo de vida útil. Tal faria aumentar os custos da substituição. Mas, em janeiro deste ano, quando noticiou a conclusão dos trabalhos técnicos da Comissão, o Dinheiro Vivo referia que os peritos iriam indicar às empresas de telecomunicações que as substituições deveriam ser feitas tendo em conta os ciclos de renovação normais.
Outro problema que tem sido suscitado é a possível demora na entrega de equipamentos para substituição, no contexto da escassez de componentes, um ponto que, no ano passado, chegou a motivar apelos das operadoras ao Governo para que dilatasse o prazo para o cumprimento das obrigações de cobertura, sem sucesso. Em junho do ano passado, Pedro Santos, diretor de desenvolvimento de rede da Vodafone, confirmou “um atraso muito maior na compra e entrega dos equipamentos” por parte dos fornecedores e disse que a empresa tinha de esperar “entre três e seis meses” pelas encomendas.
O ECO enviou várias perguntas sobre este processo ao gabinete de Mário Campolargo, que responde diretamente ao primeiro-ministro, mas não obteve respostas além das declarações remetidas no início da semana.
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