A Inteligência Artificial vai substituir-me no trabalho? Um novo tipo de ansiedade cresce nos profissionais

Concentrar-se no que pode controlar; promover as suas habilidades, capacidades e qualidades; e olhar para a IA como uma ferramenta são algumas das dicas da psicóloga ouvida pelo ECO Trabalho.

“Sempre que as pessoas falavam no ChatGPT, sentia-me insegura e ansiosa, com receio que me substituísse no meu trabalho”, conta Olivia Lipkin, copywriter em São Francisco (EUA). “Agora, tenho provas de que essas ansiedades eram justificadas e de que estava a ficar sem emprego por causa da IA [Inteligência Artificial].”

Olivia Lipkin tem 25 anos e até há pouco tempo trabalhava como copywriter numa empresa em São Francisco, na Califórnia. Quando o ChatGPT apareceu e começou a ser utilizado por qualquer pessoa e qualquer empresa, no passado mês de novembro, a profissional admite que não pensou muito sobre o assunto. Mais tarde, começaram a aparecer artigos sobre como usar esta tecnologia no trabalho nos grupos internos do Slack na startup tecnológica onde trabalhava. E, a partir daí, as tarefas de Olivia Lipkin, que era a única copywriter na empresa, foram reduzindo.

Entretanto, no Slack, os managers começaram a referir-se à profissional como “Olivia/ChatGPT”, recorda, citada pelo The Washington Post (acesso condicionado, conteúdo em inglês). O sinal de alerta estava dado. E materializou-se na decisão que chegou em abril: a redatora foi despedida, sem qualquer explicação. Contudo, quando, mais tarde, Olivia Lipkin encontrou gestores a escreverem sobre como utilizar o ChatGPT era mais barato do que pagar a um copywriter, encontrou aquela que considera ser a explicação que não obteve no momento do despedimento.

 

O nível de qualidade das tecnologias que usam inteligência artificial aumentou significativamente durante o último ano, dando origem a chatbots capazes de manter conversas fluidas com humanos, escrever canções ou artigos e produzir código informático. Ainda assim, os especialistas dizem que mesmo os sistema de IA mais avançados não se comparam às capacidades de escrita de um ser humano: falta-lhe voz e estilo pessoais e, muitas vezes, produzem respostas erradas, sem sentido ou tendenciosas. Mas, para muitas companhia, a redução de custos que pode compensar a queda na qualidade.

De acordo com os dados do mais recente inquérito “Future of Jobs” elaborado pelo World Economic Forum (WEF), até 2027 estima-se que sejam criados 69 milhões de postos de trabalho e eliminados 83 milhões, o que resultará numa diminuição líquida de 2% do emprego atual. Feitas as contas, significa isto que 14 milhões de postos de trabalho desaparecerão nos próximos cerca de cinco anos.

As macrotendências, incluindo a transição verde, os padrões ESG e a localização das cadeias de abastecimento, são os principais impulsionadores do crescimento do emprego, sendo que os desafios económicos, incluindo a subida da inflação, representam a maior ameaça. A tecnologia e a digitalização, por sua vez, são, simultaneamente, o motor da criação e da destruição do emprego.

Outro estudo recente do Goldman Sachs, citado pelo Financial Times (acesso condicionado, conteúdo em inglês), conclui que podem estar em risco cerca de 300 milhões de postos de trabalho nos países mais desenvolvidos. Segundo o estudo, advogados e funcionários administrativos estão entre os que correm maior risco de se tornarem redundantes.

Contudo, há uma outra interpretação possível. Só nos Estados Unidos e na Europa, cerca de dois terços dos trabalhadores estão expostos a algum grau de inteligência artificial. Muitos destes trabalhadores veriam menos de metade da sua carga de trabalho automatizada e, provavelmente, continuariam nos seus empregos, com parte do seu tempo dedicado a atividades mais produtivas. O estudo estima que isso aconteça com 63% da força de trabalho norte-americana, mas que 7% deverá tornar-se completamente vulnerável à substituição. O impacto deverá ser semelhante na Europa.

Além disso, o banco norte-americano indica que sistemas de inteligência artificial de criação de conteúdo, como o ChatGPT, podem desencadear um aumento de produtividade que acabará por aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) global anual em 7% em dez anos.

‘AI Anxiety’ (trabalhadores que receiam perder os seus empregos para a Inteligência Artificial)

A ansiedade de ser substituído no trabalho pela IA é mais real do que nunca, e já tem nome: ‘AI Anxiety’. À medida que as manchetes sobre robôs que roubam os empregos aos humanos aparecem e ferramentas de IA generativa, como o ChatGPT, se tornam rapidamente mais acessíveis, alguns trabalhadores começam a sentir-se ansiosos quanto ao seu futuro profissional e apreensivo sobre a relevância das competências que possuem.

Embora admita que ainda exista pouca informação relativamente à ansiedade associada à Inteligência Artificial, a psicóloga Rita Ferreira confirma que é algo “que se tem observado cada vez mais”.

“Acredito que a ausência ou escassa informação sobre esta temática gera ainda mais ansiedade. É importante que nos foquemos nos factos e não nas hipóteses, que não sabemos se irão ser realidade. É por este motivo que a educação face à IA é importante, ou seja, procurar informações que estejam atualizadas e sejam de confiança, ao invés de acreditar em todas as opiniões que se vão ouvindo nas redes sociais, meios de comunicação ou até por parte de pessoas próximas”, afirma a especialista, em declarações ao ECO Trabalho.

Acredito que a ausência ou escassa informação sobre esta temática gera ainda mais ansiedade. É importante que nos foquemos nos factos e não nas hipóteses, que não sabemos se irão ser realidade. É por este motivo que a educação face à IA é importante, ou seja, procurar informações que estejam atualizadas e sejam de confiança, ao invés de acreditar em todas as opiniões que se vão ouvindo nas redes sociais, meios de comunicação ou até por parte de pessoas próximas.

Rita Ferreira

Psicóloga

Claire trabalha em relações pública numa grande empresa de consultoria sediada em Londres há seis anos. Confortável com o salário que recebe e contente com a sua função, a profissional, de 34 anos, confessa que começou a sentir-se apreensiva quanto ao futuro da sua carreira. O motivo? A Inteligência Artificial.

“Acho que a qualidade do trabalho que produzo ainda não pode ser igualada por uma máquina”, começa por dizer Claire, cujo apelido não é revelado para proteger a sua identidade. “Mas, ao mesmo tempo, estou espantada com a rapidez com que o ChatGPT se tornou tão sofisticado. Mais alguns anos e consigo imaginar um mundo em que um robot faz o meu trabalho tão bem quanto eu. Detesto pensar no que isso poderá significar para a minha empregabilidade”, refere, em declarações à BBC (acesso livre, conteúdo em inglês).

Sara Roberts, professora associada na Universidade da Califórnia, especialista em trabalho digital, considera que estamos num “ponto de crise”. “A IA está a chegar aos empregos que deveriam de ser à prova de automação”, refere. Os especialistas falam numa fase de disrupção. E com diferenças substanciais comparativamente às revoluções anteriores.

“Em todas as ameaças de automação anteriores, a automação tinha a ver com a automatização dos trabalhos difíceis, desagradáveis e repetitivos”, explica Ethan Mollick, professor associado na Wharton School of Business, da Universidade da Pensilvânia. “Desta vez, a ameaça da automação visa diretamente os empregos mais criativos e com maiores salários, que (…) exigem uma maior formação académica“, continua.

O relatório da Goldman Sachs estima que 18% do trabalho a nível mundial possa ser automatizado pela IA, com os chamados trabalhadores de ‘colarinho branco’, como os advogados, em maior risco do que os que trabalham na construção ou na manutenção. “As profissões em que uma parte significativa do tempo dos trabalhadores é passada ao ar livre ou a realizar trabalho físico não podem ser automatizadas pela IA”, pode ler-se no relatório.

“Viva para quem é e para o que tem, não para o que poderá vir a acontecer”

A psicóloga ouvida pelo ECO Trabalho deixa um conselho: “Continue a viver para quem é e para o que tem, não para o que poderá vir a acontecer.” Mas o que isto significa exatamente?

Continuar a promover as suas habilidades, capacidades e qualidades, sendo que muitas das características humanas, não são, para já, possíveis de reproduzir pela IA, como, por exemplo, a empatia, a compaixão ou a criatividade. Olhar para a IA como uma ferramenta poderá também ajudar a desmistificar o seu peso e a ter maior contacto com as suas reais capacidades”, defende Rita Ferreira.

Continue a viver para quem é e para o que tem, não para o que poderá vir a acontecer. Desta forma, continuar a promover as suas habilidades, capacidades e qualidades, sendo que muitas das características humanas, não são, para já, possíveis de reproduzir pela IA, como, por exemplo, a empatia, a compaixão ou a criatividade. Olhar para a IA como uma ferramenta poderá também ajudar a desmistificar o seu peso e a ter maior contacto com as suas reais capacidades.

Rita Ferreira

Psicóloga

Portanto, concentre-se naquilo que pode controlar. Em vez de entrar em pânico com a possibilidade de perder o seu emprego para as máquinas, invista na aprendizagem de como trabalhar ao lado da tecnologia. Se passar a encará-la como um recurso e não como uma ameaça, tornar-se-á mais valioso para os potenciais empregadores, e sentir-se-á menos ansioso.

Se, mesmo assim, ainda considera que o surgimento da IA está a afetar de forma significativa o seu bem-estar emocional, a psicóloga recomenda que procure ajuda especializada. Através da sua página de Instagram, Rita Ferreira também partilha algumas técnicas e estratégias de autoconhecimento que podem ajudar a controlar a ansiedade, regular as emoções e gerir expectativas.

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