Habitação, precariedade e ambiente ameaçam gerações futuras

Portugal está melhor no índice global da justiça intergeracional, mas em determinados setores as perspetivas são desanimadoras para os mais novos, segundo o relatório do Institute of Public Policy.

Aumento do custo de vida, nomeadamente com habitação, e empregos precários, que, por norma, são pior remunerados, ameaçam a autonomia e as pensões das gerações futuras, segundo o relatório do Institute of Public Policy, coordenado pelo professor Paulo Trigo Pereira, que é apresentado esta quarta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian.

O estudo divulga o índice de justiça intergeracional (IJI) para Portugal que permite analisar se os mais novos e os que ainda estão para nascer vão viver melhor ou pior face aos atuais seniores em várias dimensões. Se é verdade que o indicador global aponta para uma ligeira melhoria, há setores como habitação, trabalho e ambiente em que se perspetiva uma degradação das condições de vida.

“Tem havido nos últimos anos uma certa melhoria na situação das gerações mais novas e no que se perspetiva para as gerações futuras, conforme traduzido pelo indicador IJI global que passou de 0,41 em 2015 para 0,47 em 2020”, lê-se no relatório a que o ECO teve acesso. De notar que, quanto mais próximo da unidade (1) o indicador estiver, maior é a justiça intergeracional.

Esta evolução resulta de efeitos positivos e negativos em várias dimensões. “Se analisarmos o período pré-pandémico (visto que 2020 foi ano de Covid-19), há sobretudo três dimensões que melhoram (a pobreza e condições de vida, o mercado de trabalho e as finanças públicas), há duas que pioram o (ambiente e recursos naturais e a habitação), e finalmente uma que se apresenta relativamente estável (saúde)”, de acordo com o mesmo documento.

Habitação, ambiente e precariedade são três dimensões que colocam os mais novos a viver pior em 2020 face a 2015.

“O contributo crescentemente negativo da habitação para os jovens deve-se sobretudo quer à crescente inacessibilidade a ter casa própria quer à crescente perda de autonomia traduzida pelo facto de, em 2020, mais de metade dos jovens (25 a 34 anos) viverem ainda em casa dos pais”, segundo o relatório.

Como mostra o gráfico acima, a tendência é para uma queda na capacidade financeira e económica em adquirir casa ou suportar os encargos com rendas, o que empurra o indicador da autonomia para baixo. Para além disso, verifica-se um agravamento da sobrecarga com despesas com habitação.

"A liberalização do mercado de habitação, a valorização financeira da habitação e a redução das despesas públicas nesta área, associada à redução do rendimento das famílias, agravaram o acesso à habitação, especialmente dos mais jovens, que enfrentam novos problemas.”

Um Índice de Justiça Intergeracional para Portugal, do Institute of Public Policy

O relatório indica ainda que “situações de privação de habitação, como a sobrelotação, tendem a agravar-se e a contribuir para as desigualdades intergeracionais de habitação”.

Apesar de o índice relativo ao mercado de trabalhado ter melhorado, muito à boleia do aumento do salário mínimo nacional, o Institute of Public Policy destaca fragilidades com potencial para degradar as condições laborais dos mais novos. Os contratos a termo, o desemprego e a emigração jovem são alguns aspetos críticos que podem prejudicar a justiça intergeracional.

Relativamente à precariedade laboral, “tem havido uma tendência de aumento significativo da proporção de jovens com contratos a termo passando de 3% em 2010, atingindo mais de metade dos contratos nos anos anteriores à pandemia (2016 a 2019)”, segundo o estudo que destaca que, na Europa, a média é de apenas 20% dos jovens com vínculos precários. “Esta realidade tem uma consequência muito negativa em termos de justiça intergeracional”, alerta.

"Com maior precariedade laboral e carreiras contributivas mais curtas e irregulares, a formação de pensões futuras das gerações mais novas jovens estará comprometida, a menos que haja alterações substanciais na fórmula de cálculo das pensões.

Um Índice de Justiça Intergeracional para Portugal, do Institute of Public Policy

Paralelamente, a cobertura das pensões pelas contribuições sociais degradou-se entre 2000 e 2015, o que tem um impacto claramente negativo nas gerações futuras. Ou seja, os descontos que trabalhadores e empresas fazem para a Segurança Social não chegam para pagar as reformas. Ainda assim, desde 2015 que o indicador tem melhorado, mas muito ligeiramente.

Não é objetivo deste estudo fazer recomendações aos decisores políticos. Contudo, são elencadas algumas medidas que teriam impacto positivo na justiça intergeracional em relação ao sistema de pensões.

“Um programa integrado e sustentado de incentivos à natalidade desejada como forma de combater o declínio demográfico e o envelhecimento da população deveria ser uma prioridade das políticas públicas. Isto deverá combinar incentivos de natureza orçamental (em sede de IRS e de prestações sociais) e incentivos às empresas portuguesas a adotar maior flexibilidade nas relações laborais permitindo maior conciliação entre a vida pessoal e profissional e um incentivo ao cumprimento das licenças parentais, quer pelo pai, quer pela mãe”, sugerem os especialistas.

Para além disso, o trabalho coordenado por Paulo Trigo Pereira sublinha que “é importante consciencializar os decisores políticos da vulnerabilidade dos jovens no mercado de trabalho, que na presença de choques externos, instabilidade e crises económicas e financeiras, são os mais afetados”. “Do mesmo modo, deve haver um cuidado redobrado com o desemprego adulto, através da promoção de políticas de reinserção ativa e de reconversão profissional destes trabalhadores no mercado de trabalho”, acrescenta.

Na área do ambiente e recursos naturais, Portugal também pontua mal, com um aumento da injustiça intergeracional relativamente às gerações mais novas.

“O contributo negativo da dimensão de ambiente e recursos naturais é devido à incapacidade de o país cumprir com os compromissos assumidos no âmbito da economia circular, nomeadamente ao nível da produção e reciclagem de resíduos, bem como do crescente stress hídrico, apesar dos progressos na descarbonização da economia”, conclui o estudo.

A OCDE já tinha alertado para o incumprimento de grande parte dos objetivos ambientais para 2020, “em particular pela incapacidade de desligar o crescimento económico da produção de resíduos, e pela não redução dos resíduos municipais”.

A perda de pulmões verdes e os incêndios são outros pontos que o IJI considera críticos para o bem-estar dos mais novos e das futuras gerações. Ainda que se reconheça que, ao nível da gestão florestal houve melhorias nos últimos anos pela criação de novas zonas de intervenção florestal, “ao nível do efeito sumidouro das florestas, e dos serviços de ecossistemas proporcionados pelas florestas houve uma regressão, sobretudo na sequência dos incêndios de 2017”, de Pedrógão Grande, que levaram à queda da então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa.

O IJI – Portugal é um índice elaborado para Portugal cujo objetivo prioritário não é comparar com outros países, mas sim analisar a evolução de indicadores de justiça intergeracional ao longo do tempo no país, esclarece o estudo.

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