O mundo financeiro está a cansar-se da sigla ESG. Onde pára a sustentabilidade?
O debate sobre a utilidade da sigla ESG está lançado. No Dia Nacional da Sustentabilidade, conheça argumentos contra e a favor da sigla que levou longe a sustentabilidade, mas pode ficar pelo caminho.
A questão foi lançada de forma irremediável para cima da mesa por uma das pessoas mais poderosas do mundo financeiro. Larry Fink, o CEO da maior empresa de gestão de ativos do mundo, a Blackrock, afirmou no passado mês de junho que ia deixar de usar o termo ESG, a sigla inglesa que resume os critérios ambientais, sociais e de governança, e que tem vindo a proliferar nos últimos anos no mundo das empresas e dos investimentos financeiros.
A justificação de Fink foi sucinta: o termo está “demasiado politizado”. Nos Estados Unidos, tornou-se uma arma de arremesso entre liberais e democratas, e a Blackrock contabilizava já em janeiro perdas próximas de 4 mil milhões de dólares – do total de cerca de 9 biliões que possui – na sequência da convulsão política. “Tivemos um dos melhores anos de sempre [no que diz respeito aos resultados financeiros], mas tenho vergonha de fazer parte desta conversa”, indicou o gestor.
Ainda assim, Fink ressalvou: largar a sigla não significa que a Blackrock abra mão dos assuntos que ela engloba. Mantém a meta de, em 2030, pelo menos 75% dos seus investimentos se concentrem em emitentes com metas, fundamentadas cientificamente, de corte de emissões com efeito estufa.
Mas a discussão não começou aqui, muito pelo contrário. Já em 2022 as dúvidas ganhavam uma forma bastante palpável: foram capa da revista The Economist, que exibia o título “ESG: Três letras que não vão salvar o planeta”. No Twitter, a pequena introdução à edição dizia: “O ESG é geralmente bem-intencionado, mas tem falhas profundas. A indústria está uma confusão e precisa de ser examinada implacavelmente”. Já nestas páginas se dissertava sobre a divisão política nos Estados Unidos, mas também sobre greenwashing – a “arte” de rotular algo de sustentável sem o ser verdadeiramente.
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Além dos meios de comunicação, as dúvidas sobre o tema ESG assaltaram também a academia. Na London Business School, o professor de Finanças Alex Edmans fez, em 2022, uma publicação científica intitulada “O Fim do ESG”. Na sua tese, dedica-se a explicar porque é que “o ESG é, ao mesmo tempo, importante e nada de especial”. Na sua ótica, há que procurar o valor de longo prazo, e este não se cinge à esfera do ESG.
ESG. Sim ou não?
Nem todos os académicos concordarão com Edmans. “Sinceramente, vejo mais vantagens do que problemas” na sigla ESG, defende Duarte Pitta Ferraz, professor de Governança na Nova School of Business and Economics, em Lisboa. Um dos ganhos que a sigla trouxe foi um despertar de consciência no âmbito das instituições para os temas ESG, “e isso, por si só, é muito bom para as partes interessadas”, entende. “Um argumento positivo para que a mesma se mantenha é o de que as partes interessadas entendem de forma genérica do que se fala”, ao mesmo tempo que mantém a pressão sobre os conselhos de administração. E, por outro lado, “vai ser muito difícil arranjar uma sigla que cubra todos os temas relevantes. As siglas por natureza devem ser curtas e, no caso do ESG, ela traduz temas que são reconhecidos como relevantes”.
Não penso que [a sigla ESG] tenha os dias contados.
Assim, arrisca: “Não penso que [a sigla ESG] tenha os dias contados. A sigla ESG encerra temas que os acionistas, bancos e obrigacionistas consideram no processo de tomada de decisão”. Além disso, recorda, o Banco Central Europeu publicou regras “muito exigentes” que os bancos devem seguir relativamente às componentes do ESG.
Neste sentido, Pitta Ferraz considera que Fink, “sendo um opinion maker extremamente relevante, talvez pudesse ter dado alguma contribuição em termos de sugestão para a substituição” da sigla ESG, pois pode ser seguido por outros CEO, tanto de forma genuína como oportunista, arriscando a que os objetivos por detrás da sigla percam alguma força.
A gestora de portefólio do Banco Carregosa, Rina Guerra, também aponta que, sendo o CEO da BlackRock “uma figura proeminente na indústria financeira”, a sua posição sobre o deixar de usar o termo ESG “provavelmente terá implicações” para o setor. No entanto, Rina Guerra não crê que sejam necessariamente implicações negativas. Isto porque Fink terá “apenas” mudado o foco “em direção à sustentabilidade de forma mais lata e à criação de valor a longo prazo”. Assim, pode levar a indústria a ter em conta mais considerações pelo longo prazo e pode criar a expectativa de que as questões ESG serão endereçadas “de forma mais séria e integrada”.
"Considerar fatores de longo prazo quando se avalia uma empresa não é investimento ESG; é investimento.”
“A capacidade de inovação, a habilidade para aumentar a produtividade e a estratégia de longo prazo das empresas são exemplos de fatores que também servem o propósito último de beneficiar a sociedade, que é exatamente o objetivo da sustentabilidade vertido na sigla ESG”, defende a gestora de portefólio do Banco Carregosa.
Estes argumentos vão ao encontro dos expostos por Edmans. Para o professor da London Business School, “considerar fatores de longo prazo quando se avalia uma empresa não é investimento ESG; é investimento” e as empresas “não deviam ser mais elogiadas por melhorar o desempenho ESG”, em detrimento de outros fatores intangíveis.
A politização do ESG faz com que seja “difícil criar uma agenda comum que possibilite o cumprimento dos objetivos de sustentabilidade”.
Em paralelo, Rina Guerra realça que a politização do ESG faz com que seja “difícil criar uma agenda comum que possibilite o cumprimento dos objetivos de sustentabilidade”, conduzindo a políticas “inconsistentes” e alimentando o risco de foco no curto-prazo, “com as empresas e os políticos a privilegiarem soluções que mostrem um efeito público imediato do ESG”. Outros usos igualmente problemáticos serão o servir de ‘chavão’ para atrair investidores, alimentando o greewashing ou a mentalidade de “fazer um visto” (tradução livre de tick the box”) nestas matérias, esvaziando-as do seu verdadeiro interesse.
A diretora executiva de sustentabilidade do BPI, Cristina Casalinho, considera que a sigla ESG “pode ser útil para ter ideia das três dimensões [ambiente, social e governança] de forma imediata”, mas reconhece que “todas as siglas são redutoras” e que fazem parte de um processo evolutivo. “Neste momento é difícil dizer que ESG pode cair no desuso. Mas pode-se de facto evoluir para o abandono da sigla, porque começa a ganhar alguns anticorpos. Não seria a primeira”, conclui.
Mas sem o ESG, ficamos com o quê?
Cristina Casalinho não vê este questionamento do ESG como um problema significativo. “O tema sustentabilidade, que abrange de facto estas três dimensões do ESG, não precisa de uma sigla. A questão é a necessidade de evoluir para um modelo mais sustentável, independentemente disso” e, sublinha, mesmo grandes entidades não têm dando um grande uso ao ESG, como é o caso da Comissão Europeia, que opta mais pela palavra “sustentabilidade” apenas.
Rina Guerra entende mesmo que “a sigla limita bastante o espectro do ESG e como tal deveria ser substituída” e vê precisamente como alternativa palavra “sustentabilidade” ou expressões como “benefício de longo prazo” ou “criação de valor”.
"O tema sustentabilidade, que abrange de facto estas três dimensões do ESG, não precisa de uma sigla. A questão é a necessidade de evoluir para um modelo mais sustentável, independentemente disso.”
É aqui que pode entrar o ESG 2.0, um termo usado para descrever uma evolução ou um refinamento do conceito original de fatores ESG no contexto do investimento sustentável e da responsabilidade corporativa. Este conceito não está fechado, mas Rina Guerra aponta cinco fatores que têm sido considerados para integrar esta nova definição:
- Materialidade e Integração: o ESG 2.0 reconhece que nem todas as questões ESG são igualmente relevantes para todas as empresas ou setores. Encoraja a integração dos fatores ESG que sejam materiais ‘para aquela empresa ou setor’;
- Medir o impacto: o ESG 2.0 coloca uma forte ênfase no cálculo e no reporte
- Dados e Tecnologia: a alavancagem permitida pela análise de dados, inteligência artificial e tecnologia como um todo, é um cunho do ESG 2.0, já que reconhece a importância da robustez na obtenção, análise e transparência de dados, como suporte de uma tomada de decisão bem informada;
- Perspetiva de longo-prazo: o ESG 2.0 reconhece que várias questões E, S ou G têm implicações de longo prazo e requerem um planeamento estratégico e investimentos num período alargado de tempo;
- Investimento ético e baseado em valores: algumas correntes dão maior ênfase ao fato dos investidores e as empresas alinharem as suas ações com os seus princípios éticos e valores, indo para além dos tradicionais fatores financeiros.
Seja qual for o termo que acabe por vingar, há um ponto comum que é claro para todos os intervenientes na discussão: trazer os princípios ESG para o centro da discussão é positivo para todos os stakeholders. A designação pode ser importante e está em ebulição, mas a finalidade é que conta. E, como concluía o The Economist na peça já referida, seja qual for a evolução, terá de ser uma que alinhe os objetivos climáticos – ou outros, intangíveis – com os interesses financeiros das empresas, caso contrário, muito provavelmente não resultará.
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