Fora da Caixa: Um ‘mar de oportunidades’ nos Açores

  • ECO
  • 1 Novembro 2023

O encontro 'Fora da Caixa' juntou na Ilha Terceira, Paulo Macedo, José Manuel Bolieiro, governantes regionais e empresários, para discutir as políticas do mar e as oportunidades dos Açores.

“O Mar e o Desenvolvimento Económico dos Açores” foi o pretexto para juntar um conjunto de decisores regionais no ‘Fora da Caixa’, em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira. Um encontro promovido pela Caixa Geral de Depósitos (CGD), para discutir a economia do mar e as oportunidades económicas para o arquipélago, mas não só, a transição climática, o papel da banca neste processo, as prioridades políticas do Governo liderado por José Manuel Bolieiro e o que são as perspetivas das empresas locais. “É preciso ação e é preciso investimento. [Mas] que tipo de ação e que tipo de investimento? A questão é se ainda estamos muito da fase da sensibilização ou se já estamos mais na ação… E, portanto, a conclusão é que ainda estamos muito na sensibilização, mas com algumas entidades a fazerem questões concretas”, começou por dizer Paulo Macedo, o presidente do banco público.

Há compromissos significativos por parte da indústria para diminuir a sua pegada de carbono, por exemplo, estou a falar do caso das cimenteiras. Tem que haver um processo tecnológico de adaptação da produção para se poder produzir mais cimento, porque vamos ter mais pessoas no planeta e, por isso, é natural que precisemos de produzir mais cimento… A resposta não vai ser “não produzir cimento”, a questão é como é que se vai conseguir produzir mais cimento ou uma menor pegada do que que a que existe hoje. Isto está previsto e está a materializar-se“, lembrou o gestor. Mas é preciso mais.

Perante uma sala cheia, com mais de 250 na assistência, e perante José Manuel Bolieiro, presidente do Governo Regional dos Açores, do representante da República nos Açores, Pedro Catarino, do presidente do Fórum Oceano, António Nogueira Leite, de governantes regionais e de dezenas de empresários e gestores locais, Paulo Macedo insistiu na necessidade de garantir o retorno do investimento na transição energética e climática. “Os benefícios económicos serão muito significativos“, acredita Macedo.

Neste contexto, o presidente da CGD garantiu aos empresários açorianos que o banco público vai aumentar a exposição financeira às empresas. “Nós damos um apoio a este cluster da economia do mar, esperemos que cresça, mas, no fundo, a CGD tem cerca de seis mil clientes com o CAE da economia do mar, portanto, o que esperamos é multiplicar o valor do crédito, que são umas centenas de milhões de euros que temos a esta atividade, rapidamente“. Mas o presidente da CGD esclarece o que é a estratégia do banco público: “Seria um disparate alguém dizer que não vai financiar as indústrias ‘castanhas’, temos é, precisamente, de financiar a transição energética dessas atividades, para poderem ter uma intervenção com adaptabilidade ambiental“. Assim, Paulo Macedo terminou com um compromisso: “A CGD tem resultados expressivos, vai continuar a devolver o que recebeu do Estado, tem capital, tem liquidez e quer fazer negócio“.

Açores quer liderar pelo exemplo

José Manuel Bolieiro, presidente do Governo Regional dos Açores, começou por identificar a identidade dos açorianos ligada ao mar. “Os Açores, as açorianas, os açorianos, são de identidade marítima, portanto, falemos sobre identidade. Esta identidade marítima que formou e forjou o nosso caráter, a nossa personalidade de Ilhéus, tem como referência também uma outra virtualidade que arquipelágica“. E recusa a ideia de periferia e afastamento, porque os Açores estão entre três placas, a euroasiática, a africana e a norte americana. “Por regra, o nosso raciocínio é feito a uma dimensão territorial terrestre e, por isso, sim, no contexto terrestre e demográfico, estamos ultraperiféricos, distantes e de reduzida dimensão. Se ficarmos com este conceito, somos pequenos e inconsequentes. Mas se associarmos a esta identidade, como faço referência destas três placas que nos coloca numa projeção de centralidade, afinal de contas, do mundo, passamos a compreender melhor a dimensão do nosso território, juntando o espaço marítimo e espaço espacial“.

Mas Bolieiro quer os Açores a liderar pelo exemplo, e por isso deixou recados ao Governo central, precisamente sobre política marítima. “Quando se discute que domínios de gestão partilhada, ou em cogestão, sobre os interesses ambientais e económicos do mar português, é legítimo retirar competência às populações marítimas e aos seus órgãos de governo próprio? A minha firme opinião de que não. É, aliás, ilegítima essa tentativa de sequestrar para outrem aquela que é uma competência, que é uma identidade de um povo marítimo, isto é, do povo dos Açores, das açorianas e dos açorianos“.

O presidente do Governo regional dos Açores respondeu, aliás, às dúvidas sobre autonomia de gestão marítima. “Fomos desde sempre uma economia e uma sociedade e uma identidade cultural pela sustentabilidade. Nunca nos ‘standardizamos’ pelas lógicas extrativas do desenvolvimento, nem sequer de uma apetência por deixar a identidade em benefício do enriquecimento rápido, ou de um elemento de subvenção externa para prescindirmos do que é a nossa identidade…“.

Assim, “temos de dar um sinal ao mundo que lideramos pelo exemplo e não pela palavra, e muito menos ainda pelas intenções“, disse Bolieiro, perante uma sala cheia. O líder do governo açoriano lembrou que a Agenda Nacional do Mar 2030, ou a agenda da proteção marinha e dos ecossistemas europeus, ou os próprios Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ODS das Nações Unidas, “determinam uma orientação inequívoca de proteção do nosso mar, pelo menos a 30%, criando áreas de reserva marinha protegida“. Assim, acrescentou o governante regional, “estamos empenhados também a incluir o nosso Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo regional para futura integração no plano de ordenamento marítimo nacional. Já o fizemos na região, com aprovação por unanimidade, aliás, da Comissão Consultiva que a lei determina, já entregamos ao Ministério da Economia e do Mar, aguardamos, pois, a sua plena integração no plano de ordenamento marítimo nacional“.

Minutos antes, José Manuel Bolieiro tinha sublinhado a importância da sustentabilidade da economia do mar. “No que diz respeito aos rendimento da economia do mar, da economia azul, temos boas expectativas, e numa diferença, que é a de passar da economia extrativa, que é mais redutora, que é mais penalizadora, que tem muito de passado, pouco de presente e, portanto, de futuro quase nada, para a conservação dos ecossistemas, a valorização dos nossos ecossistemas marinhos”.

A economia azul tem de ir além do turismo

António Nogueira Leite é presidente do Fórum Oceano, uma organização que resultou da fusão de duas entidades, uma a Norte e outra a Sul, processo que é pouco comum em Portugal. “Nós somos o resultado da fusão de duas associações que já existiam anteriormente, o Oceano XXI, público e privado, muito ligado às universidades com sede no Norte, e o Fórum Empresarial da Economia do Mar, em Lisboa, que concentrava as principais empresas portuguesas com ligações à economia do mar”. É reconhecido como um cluster para efeitos de de competitividade e, neste momento, representa 150 associados, que são, na sua maioria, empresas. “Neste momento, os nossos associados têm um volume de negócios de cerca de cinco mil milhões de euros, as exportações são dois mil milhões e representamos cerca de metade daquilo que se poderá chamar a economia azul em Portugal“, explica o professor da Nova SBE e administrador de empresas.

O Fórum Oceano tem uma agenda exigente, reconhece Nogueira Leite. “Para além de sermos o fórum ou a plataforma das empresas e das entidades públicas ligadas à economia do mar, somos também, desde o ano passado, a sede mundial da chamada ‘blueteccoasteralliance’, uma aliança de clusters que vão desde os Estados Unidos, do Canadá, do Reino Unido, da Irlanda, França, Espanha, Portugal e Noruega, com cerca de 5000 empresas membros com bastante atividade comum e de partilha de experiências, de meios, de experiências, quer de produção, quer de inovação, quer de formas de financiamento”. Além disso, “integramos o consórcio ‘Blue Invest Platform’, o mecanismo que a União Europeia criou para o investimento na economia azul. Houve um concurso a nível da União Europeia” e o consórcio em que está o Fórum Oceano foi o vencedor.

O que é a economia azul? “Estamos a falar, como todos sabemos, das coisas habituais, como a pesca, a transformação do pescado, a construção e a reparação naval, a gestão da água, a regeneração ambiental, o tema dos portos, que está a ter uma atenção muito grande“, detalha o presidente do Fórum Oceano. “Depois, o tema que em Portugal é o mais desenvolvido, mas gostaríamos de contribuir para que, continuando a desenvolver-se, deixássemos de ter uma economia azul em que o peso do turismo é tão grande… O turismo marítimo e costeiro continua a ter um peso bastante significativo e deve ser desenvolvido, mas gostaríamos que o país tivesse menos dependente desta componente, porque há muitas outras que é preciso desenvolver em termos da economia azul“.

Os decisores empresariais e governantes regionais em discurso direto

Berta Cabral, secretária regional do Turismo

  • “A sustentabilidade é para nós [governo regional] fundamental em todos os setores, e não é apenas no turismo. Mas o turismo, efetivamente, tem ganhado uma grande notoriedade e um grande desenvolvimento. O turismo nos Açores só encontrou um processo de desenvolvimento sustentado, economicamente, a partir da liberalização do espaço aéreo, para a ilha de São Miguel e Ilha Terceira. Em 2019, dá-se a primeira certificação, o primeiro arquipélago certificado, já estamos no nível 3 (prata) e queremos atingir o Ouro”. Já estamos a trabalhar ao nível de clusters, para garantir a sustentabilidade e desenvolvimento económico. Os Açores têm exemplos para mostrar ao mundo na passagem da indústria extrativa para a indústria sustentável, ao nível do ecoturismo marinho.

Helga Barcelos, CEO da Quinta dos Açores

  • “Nos dias de maiores dificuldades, olho para ali e digo ‘vale a pena continuar, temos que continuar a apostar nisto’, porque não só tem-nos permitido ter um produto com valor acrescentado que é fácil de exportar, que valoriza a fileira do leite, mas também tem permitido fazer uma apresentação daquilo que é a nossa gastronomia açoriana. E isso é uma conquista fantástica”.

Manuel São João, secretário regional do Mar e Pescas

  • “A lógica do peixe das pescas dos Açores é ‘um homem, um peixe’, Isto é uma afirmação de um setor que tem de se afirmar pela qualidade do seu produto, que tem de se afirmar pelo preço que pratica, que tem de ter canais de comercialização que lhe permita colocar o pescado em mercados internacionais com contrapartidas económicas (…) Em termos de sustentabilidade social, temos de afastar dos pescadores açorianos aquele estigma, diria eu, que durante séculos nos marcou. Ou seja, o facto de termos poucas, duas, pelo menos, comunidades piscatórias que têm alguns problemas, não podemos transpor isso para o setor das pescas em termos regionais. O que temos feito é um esforço no sentido da formação”.

Marcos Couto, presidente da Associação Comercial de Angra do Heróismo

  • “Nos Açores, ainda não tivemos capacidade de resolver aquilo que é mais básico. Refiro-me a utilizar o mar como mercado interno, e temos de olhar para o mar nessa dimensão (…) O grande desafio que os Açores têm neste momento é a utilização do mar como as suas autoestradas do desenvolvimento, seja no desenvolvimento interno, seja depois na ligação com o exterior (…) Decorre um estudo, e esperemos que venha a ajudar a resolver muitos destes problemas (…) Através da tarifa Açores (tarifa aérea entre ilhas), os açorianos passaram a conhecer-se muito mais, mas ao nível empresarial essa relação não é possível”.

Francisco Cary, administrador da CGD

  • “Os Açores é uma região ultraperiférica, mas pensando mais à distância, a minha visão é que problemas dos Açores não são tão diferentes de Portugal como um todo (…) É preciso encontrar áreas de especialização e diferenciação, que aqui nos Açores é ainda mais agudo pela questão da escala (…) A CGD é o banco que mantém a maior presença no arquipélago, representado em todas as ilhas. Qual é o nosso papel, neste contexto de promoção do financiamento? As taxas estão mais altas, o ambiente de risco e incertezas… Com uma posição de capital como nunca tivemos, com uma posição de liquidez muito forte, no financiamento não estamos com critérios de risco mais apertados (…) Há muitas oportunidades nos Açores e o crédito tem estado a aumentar”.

Paz Ferreira e Abrunhosa discutem o ‘idadismo’

Como é tradição, o ‘Fora da Caixa’ encerra com um momento cultural, e desta vez junto o açoriano Eduardo Paz Ferreira em conversa com o músico Pedro Abrunhosa, à volta do mais recente livro do professor jubilado da Faculdade de Direito de Lisboa, “Devo fechar a porta?”, uma obra sobre o chamado ‘idadismo”. Mas como se viu naquela conversa, o ‘idadismo’ não tem idades.

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