Marcelo envia diploma dos metadados para o Tribunal Constitucional
Chefe de Estado decidiu submeter a "fiscalização preventiva" do diploma que regula o acesso aos metadados ao Tribunal Constitucional, invocando "razões de certeza jurídica".
O Presidente da República enviou esta segunda-feira para o Tribunal Constitucional o decreto do parlamento que regula o acesso a metadados de comunicações eletrónicas para fins de investigação criminal, como tinha prometido fazer.
Esta decisão do chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, foi anunciada através de uma nota no sítio oficial da Presidência da República na Internet.
“Por razões de certeza jurídica, o Presidente da República decidiu submeter a fiscalização preventiva de constitucionalidade o decreto da Assembleia da República que regula o acesso a metadados referentes a comunicações eletrónicas para fins de investigação criminal, nos termos do requerimento, em anexo, dirigido ao Tribunal Constitucional“, lê-se na nota.
Este decreto foi aprovado na Assembleia da República em votação final global em 13 de outubro, com votos a favor de PS, PSD e Chega e votos contra de IL, PCP, BE e Livre.
O Tribunal Constitucional, em acórdão de 19 de abril de 2022, declarou inconstitucionais normas da chamada lei dos metadados segundo as quais os fornecedores de serviços telefónicos e de internet deviam conservar os dados relativos às comunicações dos clientes – entre os quais origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização – pelo período de um ano, para eventual utilização em investigação criminal.
Na sequência dessa decisão, Marcelo Rebelo de Sousa prometeu suscitar a fiscalização preventiva do novo decreto sobre esta matéria, considerando que “não pode haver sombra de dúvida” sobre a sua constitucionalidade.
Na carta dirigida ao Tribunal Constitucional, o Presidente da República refere que “o legislador vem agora, e nas suas próprias palavras, declaradamente conformar o regime em causa com as conclusões do acórdão do Tribunal Constitucional” e defende que “importa, pois, verificar se o tribunal considera que a Assembleia da República teve sucesso nesta sua deliberação”.
Na opinião do chefe de Estado, “não obstante ter sido reduzido o prazo para a conservação dos dados de tráfego, pode interpretar-se que se pode continuar a permitir a sua recolha indiscriminada, o que pode não se conformar com o decidido pelo tribunal no acórdão citado”. “O tribunal afirmou então que a recolha indiscriminada destes dados violaria, só por si, o princípio da proporcionalidade, perdendo relevância a apreciação dos demais elementos, entre os quais o prazo”, assinala.
De acordo com Marcelo Rebelo de Sousa, “de igual modo, importa verificar se a notificação ao visado, nos termos em que é prevista na nova redação do artigo 9.º, satisfaz as exigências constantes do referido acórdão do Tribunal Constitucional, designadamente no que respeita ao princípio da proporcionalidade”.
O Presidente da República, “ante o exposto, e dada a importância de garantir a certeza jurídica em tão delicada e controversa matéria”, submeteu para fiscalização preventiva da constitucionalidade as normas constantes do artigo 2.º, nas partes em que altera os artigos 4.º, e quando conjugado com o 6.º, e 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, a chamada lei dos metadados.
Os metadados são dados de contexto que, sem revelarem o conteúdo das comunicações, permitem aferir, por exemplo, quem fez uma chamada, de que lugar, com que destinatário e durante quanto tempo.
A chamada lei dos metadados, de 2008, transpôs para o ordenamento jurídico nacional uma diretiva europeia de 2006 que entretanto o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou inválida, em 2014. Invocando o primado do direito europeu e a Constituição, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) decidiu em 2017 “desaplicar aquela lei nas situações que lhe sejam submetidas para apreciação”.
O acórdão de abril de 2022 do Tribunal Constitucional foi elaborado em resposta um pedido de declaração de inconstitucionalidade da provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, dos artigos 4.º, 6.º e 9.º desta lei.
O tribunal considerou que as normas em causa violam princípios consagrados na Constituição como o direito à reserva da vida privada e familiar e a proibição de acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excecionais, assinalando que “o legislador não prescreveu a necessidade de o armazenamento dos dados ocorrer no território da União Europeia”.
O decreto, enviado para fiscalização preventiva, prevê que os dados de tráfego e localização sejam conservados “pelo período de três meses a contar da data da conclusão da comunicação, considerando-se esse período prorrogado até seis meses, salvo se o seu titular se tiver oposto”.
Estes prazos podem “ser prorrogados por períodos de três meses até ao limite máximo de um ano, mediante autorização judicial, requerida pelo procurador-geral da República”, quando estiver em causa a investigação de crimes graves.
O texto final aprovado pelo parlamento estabelece que os dados devem ser conservados “em Portugal ou no território de outro Estado-membro da União Europeia” e que os titulares devem em regra ser avisados “no prazo máximo de 10 dias” quando os respetivos dados forem acedidos.
(Notícia atualizada às 19h59)
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