Inspetores da ACT denunciam “pressões internas” para abrirem ações para reconhecimento de contratos de estafetas
Inspetores da ACT dizem-se muito pressionados para abrir ações para reconhecimento de contratos entre estafetas. Plataformas digitais garantem estar a cumprir "escrupulosamente" a lei.
A ministra do Trabalho foi ao Parlamento anunciar que já foram abertas mil ações para o reconhecimento de contratos entre os estafetas e as plataformas digitais, mas os inspetores responsáveis por fiscalizar no terreno essas situações avisam que “na sua maioria” esses autos foram elaborados “devido às pressões internas” na Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), mesmo não havendo confiança técnica e jurídica.
“De mais de 3.000 estafetas identificados nas intervenções inspetivas, somente terão sido elaborados, segundo o que disse a ministra do Trabalho, cerca de 1.000 autos de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho. E mesmo estes, na sua maioria, foram elaborados devido às pressões internas a que os inspetores estiveram sujeitos na ACT“, relata o Sindicato dos Inspetores do Trabalho (SIT), em declarações ao ECO.
Essa pressão, acrescenta o sindicato, sentiu-se especialmente nas “duas últimas semanas“, sendo que até esse momento “somente tinham sido efetuado nove“. Isto uma vez que os inspetores “não se sentiam confortáveis técnica e juridicamente para o fazerem“, assinala o SIT.
“A pressão constante surgiu porque foi afirmado, nomeadamente, que a ação nas plataformas é uma das bandeiras da Agenda do Trabalho Digno e que seria objeto de acompanhamento diário pelo Gabinete da Ministra do Trabalho, visando a apresentação dos resultados no Parlamento“, atira ainda o Sindicato dos Inspetores do Trabalho.
Perante este cenário, o SIT fala “num dos ataques mais flagrantes à autonomia técnica dos inspetores do trabalho por parte da direção da ACT e dos dirigentes dos serviços desconcentrados“.
Questionada pelo ECO sobre esta denúncia, a ACT realça que a ação nacional nas plataformas digitais arrancou em junho, “com várias intervenções inspetivas, em dias aleatórios, em diferentes pontos do território nacional continental“. “Em novembro, foram efetuadas cerca de 1.000 notificações para regularização do vínculo que titula a prestação de atividade. Os processos encontram-se em curso, ficando concluídos após regularização voluntária ou decisão judicial“, salienta fonte oficial.
“Formação insuficiente e superficial”
Em maio entrou em vigor um pacote de alterações ao Código do Trabalho, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, que abre a porta a que os estafetas sejam considerados trabalhadores das plataformas digitais, caso sejam identificados indícios de subordinação. Por exemplo, se a plataforma fixar a retribuição ou tiver poder disciplinar, pode estar em causa um laço de subordinação.
A lei prevê que, no primeiro ano de aplicação destas novas regras, deve ser feita uma “campanha extraordinária de fiscalização deste setor“, pelo que desde o início do verão os inspetores da ACT têm estado atentos ao trabalho nas plataformas digitais.
O ECO pediu por diversas vezes um balanço dessa fiscalização à ACT, mas não obteve resposta. Já o sindicato que representa os inspetores adianta que as ações inspetivas têm decorrido semanalmente desde junho e já envolveram, gradualmente, os 32 serviços desconcentrados da entidade em causa.
Essa campanha de fiscalização arrancou, contudo, sem que todos os inspetores tivessem à data recebido formação relativamente às novas regras, frisa o STI. Entretanto, tal já foi resolvido, mas a formação que foi garantida realizou-se via Teams (isto é, remotamente) e de modo “insuficiente e superficial (cerca de uma hora)“.
Plataformas “têm contestado” existência de contratos com estafetas
Depois de notificadas, as plataformas digitais têm dez dias para regularizar a situação dos estafetas ou pronunciar “o que tiverem por conveniente“, explica ao ECO o Sindicato dos Inspetores do Trabalho, que adianta que a “quase totalidade” dos processos ainda se encontra nesta fase. Já nas situações em que as plataformas já reagiram, estas “têm contestado a existência de contratos de trabalho com estafetas, defendendo que são prestadores de serviços”, assegura o SIT.
Tal fica em linha com o comentário enviado ao ECO pela Associação Portuguesas das Aplicações Digitais (APAD), que junta a Bolt, a Glovo e a Uber: “Reforçamos que cumprimentos escrupulosamente a lei em vigor e que esta não impede o trabalho independente“.
A APAD mostra-se, assim, disponível para o “diálogo construtivo e aberto com todos os interveniente” e para colaborar com as autoridades, mas assevera que está a cumprir a legislação.
“Segundo um estudo do ISCTE – ‘Impacto social e laboral das plataformas digitais de entrega em Portugal’ –, nove em cada dez estafetas preferem manter a sua atividade de estafeta num regime de freelancer. Os estafetas indicam que a flexibilidade e os rendimentos são exatamente as características que mais valorizaram no trabalho através de plataformas. Sendo este o modelo desejado pela esmagadora maioria de estafetas, deve ser preservado e melhorado, não eliminado“, frisa a APAD.
Eventuais desejos dos estafetas à parte, o Sindicato dos Inspetores do Trabalho adianta ao ECO que findo os tais dez dias, a ACT remete em cinco dias a participação dos factos para os serviços do Ministério Público (MP) junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, “acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.”
“Era relevante saber quantos destes processos recebidos pelo Ministério Público irão seguir para julgamento, no âmbito da ação de reconhecimento de contrato de trabalho e quantos serão logo arquivados pelo MP, por falta de prova, sabendo, afinal, em relação a quantos estafetas foi reconhecido como tendo um contrato de trabalho”, remata o SIT.
Notícia atualizada às 10h11 com resposta da ACT
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