Primeiros resultados do teste dão força à semana de 4 dias em Portugal

Quase nove em cada dez dos trabalhadores que estão a testar a semana de trabalho de quatro dias dizem que só aceitariam um emprego com uma semana de cinco dias com um aumento salarial acima de 20%.

Os primeiros resultados do teste à semana de trabalho de quatro dias em Portugal são positivos, com 95% das empresas que estão a participar a dar nota favorável a essa experiência. Entre os trabalhadores, a exaustão caiu de modo significativo, tornou-se mais fácil conciliar a vida pessoal e profissional e 85% já dizem que só aceitariam um emprego que implicasse voltar à tradicional semana de cinco dias com um aumento salarial acima de 20%.

O projeto-piloto em torno da semana de trabalho de quatro dias começou a ser preparado em 2022, tendo o teste arrancado efetivamente em junho, com a participação de 21 empresas, que se juntaram a outras 20 que já estavam a experimentar esse modelo. No total, foram abrangidos mil trabalhadores.

Durante os últimos seis meses, esses empregadores portugueses estiveram, então, a experimentar a semana de trabalho mais curta, sendo que, em média, houve uma redução de 13,7% das horas de trabalho semanais, de 39,3 horas para 34 horas.

O relatório apresentado esta terça-feira detalha que em 58,5% das empresas os trabalhadores tiveram um dia livre por semana, enquanto 41,5% optaram por dar um dia livre semana sim, semana não, ou seja, alternando a semana de quatro dias com a semana de cinco dias.

Importa explicar que não ficou definido à partida que modelo seria testado. As empresas tiveram liberdade para escolher que redução horária operar. O que ficou fechado é que as horas semanais teriam mesmo de encolher, não podendo haver uma simples concentração da carga habitual em menos dias.

Por outro lado, o relatório agora conhecido dá conta que 75% das empresas adotaram mudanças organizacionais, “como a redução do número e duração de reuniões, a criação de blocos de trabalho, ou a adoção de novo software“. Tal fica em linha com o já relatado ao ECO por algumas das empresas que estão a participar, que indicam que, nomeadamente, criaram tempos de foco em que os trabalhadores não podem ser incomodados, de modo a garantir que, mesmo com menos horas trabalhadas, a produtividade não sai prejudicada.

Ora, com estes contornos do projeto-piloto, 95% avaliam positivamente o teste. Ainda assim, admitem dificuldades, nomeadamente no que diz respeito à definição das métricas de produtividade, à gestão do teste durante o período de férias e à mudança da cultura organizacional para evitar perdas de tempo.

Do lado dos trabalhadores, os primeiros resultados são favoráveis: o índice de ansiedade caiu em 21%, o de fadiga recuou em 23%, o de insónia ou problemas de sono diminuiu em 19%, o de estados depressivos decresceu 21%, o de tensão melhorou em 21% e o de solidão encolheu em 14%. Ou seja, “a frequência de sintomas negativos a nível de saúde mental diminuiu significativamente”, é salientado.

Além disso, os níveis de exaustão pelo trabalho reduziram em 19%. E a percentagem de trabalhadores que sente ser difícil ou muito difícil a conciliação entre trabalho e família desceu de 46% para 8%. A propósito, 65% dos trabalhadores passou mais tempo com a família após o início da redução horária.

A estes dados soma-se ainda um outro: 85% dos trabalhadores dizem que apenas aceitariam mudar para uma empresa com um funcionamento a cinco dias, mediante um aumento salarial superior a 20%. No Reino Unido, foi registado um resultado semelhante: 15% dos trabalhadores que participaram no piloto britânico garantiram que nenhuma quantia de dinheiro os motivaria a regressar à semana de cinco dias.

Esta questão é particularmente relevante num momento em que, devido à escassez de trabalhadores adequados às vagas disponíveis, a atração e retenção de talento têm conquistado um peso acrescido na gestão dos recursos humanos.

Com base nesta experiência, estas empresas vão agora ponderar em janeiro se mantêm o modelo de quatro dias ou se regressam à tradicional semana de cinco dias, explicou o coordenador Pedro Gomes, na apresentação do referido relatório. Entre as empresas que estão a participar no piloto português, de notar que várias já admitiram ao ECO manter o modelo da semana de quatro dias mesmo após terminar o teste.

“Por muito radical que pareça, esta é uma prática de gestão legítima e pode solucionar problemas reais da empresa”, frisou Pedro Gomes, que defendeu que “o maior mérito” deste teste foi o de potencialmente inspirar outras empresas a experimentar este modelo inovador. Ainda assim, reconheceu que estes resultados “não justificam” para já a implementação da semana de trabalho de quatro dias por legislação.

A propósito, 20 das 24 empresas que mostram interesse no piloto, mas não avançaram mantêm a expectativa de testar a semana de quatro dias no futuro: um empregador espera começar ainda este ano, seis em 2024 e cinco em 2025, avança o relatório apresentado esta terça-feira.

E depois do relatório conhecido esta terça-feira, serão agora feitos novos inquéritos a trabalhadores e às empresas, de modo em que em abril seja lançado um relatório final.

A ideia de uma semana de trabalho mais curta não é nova. Já no século XVIII, o norte-americano Benjamin Franklin — um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos — antecipava que quatro dias de trabalho por semana seriam, eventualmente, suficientes para garantir todas as “necessidades e confortos”, conta o historiador holandês Rutger Bergman, no livro “Utopia para Realistas”.

A ideia de uma semana de trabalho mais magra ressurgiu, mais tarde, também com Karl Marx, com Stuart Mill e com John Maynard Keynes. Mais recentemente, ganhou força por efeito da pandemia e dos avanços tecnológicos, que prometem libertar os trabalhadores humanos de certas tarefas.

“Mais ano, menos ano, semana de quatro dias será mais a regra do que a exceção”

Na apresentação dos primeiros resultados do projeto-piloto à semana de quatro dias, o presidente do conselho diretivo do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) mostrou confiança neste modelo inovador. “Sem fazer futurologia, mais ano, menos ano, a semana de quatro dias será mais a regra do que a exceção“, salientou Domingos Lopes.

No arranque da sessão, o responsável considerou também que “os tempos de trabalho não são imutáveis” e atirou que espera que o teste que está agora a chegar ao fim possa inspirar outras empresas a experimentar uma semana de trabalho mais curta.

Já da parte do Governo, o secretário de Estado do Trabalho não quis esconder o seu “indisfarçável orgulho“, considerando este “um dos projetos mais inovadores dos últimos anos“. “O trabalho é uma dimensão muito importante das nossas vidas e ninguém a quer diminuir, mas o trabalho não pode confundir-se com as nossas vidas. Somos muito mais do que trabalhadores, felizmente”, assinalou Miguel Fontes.

O responsável explicou também que, “mais do que tudo“, o que era importante com esta experiência era “mostrar que era possível“. “E é possível porque resultou da vontade conjunta, em diálogo social”, observou, sublinhando que este projeto está mesmo a ser pioneiro.

Atualizada às 15h56

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