Alívio da inflação e recessão à espreita pressionam BCE a cortar juros em 2024

O BCE vai manter os juros e tentar contrariar as expectativas agressivas de alívio da política monetária em 2024 apesar da inflação estar a aliviar e economia a caminho de uma recessão.

Com a inflação a aliviar de forma mais célere do que o esperado e a intensificarem-se os sinais de que a economia da Zona Euro não vai escapar a uma recessão, o Banco Central Europeu (BCE) tem esta quinta-feira a difícil tarefa de contrariar as estimativas agressivas do mercado para os cortes de juros em 2024.

A autoridade monetária vai manter a taxa dos depósitos em 4%, na segunda pausa consecutiva que surge depois de dez aumentos ao longo de 15 meses, num total de 450 pontos base (4,5 pontos percentuais). As taxas de juro aplicáveis às operações de refinanciamento (4,5%) e de cedência de liquidez (4,75%) também vão ficar estáveis.

A manutenção das taxas é a única certeza para a reunião do Conselho do BCE em Frankfurt. A forma como o BCE vai ajustar o seu discurso perante a evolução dos últimos indicadores económicos e as alterações de expectativas dos mercados é a grande incógnita, pelo que o conteúdo do comunicado (13h15 em Lisboa) e as palavras de Christine Lagarde (13h45) serão determinantes para moldar as estimativas para a evolução da política monetária em 2024.

A inflação da Zona Euro desceu em novembro para 2,4%, o nível mais baixo desde julho de 2021. No espaço de apenas três meses, a inflação caiu para menos de metade (5,2% em outubro), sendo que o indicador que exclui alimentos e energia (inflação subjacente) também está a acelerar a tendência descendente, embora ainda distante da meta dos 2% (atingiu 3,6% em novembro).

Na frente da atividade económica, também são evidentes os efeitos do aperto da política monetária. O PIB da Zona Euro recuou 0,1% no terceiro trimestre e os economistas apontam para uma contração da mesma dimensão nos últimos três meses do ano, o que deixará a economia em recessão técnica. Para já, os economistas estimam que o movimento negativo será passageiro, mas a recuperação em 2024 será branda.

Neste contexto, o BCE já começou a dar sinais de que o ciclo de subida das taxas de juro chegou ao fim. A mensagem mais explícita veio de Isabel Schnabel, a influente membro do Conselho do BCE, que reconheceu o alívio mais forte do que previsto da inflação, colocando em causa a narrativa de pausa prolongada nas taxas de juro que vinha a ser transmitida pelo banco central.

Investidores preveem cortes agressivos

As declarações de Schnabel, em conjunto com os indicadores económicos, motivaram um ajuste muito pronunciado nas expectativas dos investidores ao longo do último mês. O mercado está atualmente a apontar para uma redução de 130 pontos base nas taxas de juro em 2024, com o primeiro corte (25 pontos base) a surgir já em março. No final de outubro, quando aconteceu a última reunião, as expectativas apontavam para cortes de 70 pontos base em 2024. Entre os economistas as expectativas são mais contidas, com a média das previsões a apontarem para um corte até julho e uma redução total de 75 pontos base no próximo ano.

Perante estas expectativas, é provável que Christine Lagarde opte por manter um discurso conservador, continuando a descartar cortes de juros no primeiro semestre e a deixar as próximas decisões reféns da evolução dos indicadores económicos. As projeções para o crescimento do PIB e evolução da inflação serão revistas em baixa, sendo que a dimensão do ajuste também dará uma maior visibilidade sobre a trajetória dos juros no próximo ano.

“Esperamos que o BCE reconheça que a inflação está a descer de forma mais rápida do que o esperado, mas seja tímido em declarar vitória de forma prematura”, referem os economistas do Deutsche Bank, estimando que o banco central reitere a “orientação de que a manutenção das taxas em níveis restritivas por um período suficientemente longo trará a inflação de regresso à meta” dos 2%.

Ainda assim, tendo em conta a evolução da inflação e o tom dos responsáveis do BCE, o banco alemão está agora a estimar um total de 150 pontos base em 2024, a começar em abril. Há um mês só esperava a primeira descida em junho, num total de 75 pontos base em 2024. No início de dezembro, apontava para apenas 100 pontos base de cortes no próximo ano.

A velocidade do ajuste das previsões dos economistas não é um exclusivo do Deutsche Bank. A Capital Economics está atualmente a prever que o primeiro corte de juros vai surgir em abril, depois de há duas semanas ter apontado para julho e antes estimar setembro. “Não gostamos particularmente de efetuar alterações tão significativas nas nossas estimativas num curto período de tempo”, referem os economistas da consultora, destacando que outros economistas e o mercado efetuaram um ajuste semelhante para refletir a surpresa na inflação e as declarações de Schnabel.

Lagarde deixa opções em aberto

Para os economistas do ING, “o grande desafio do BCE passa por manter todas as opções em aberto sem parecer muito brando (dovish), mas também não deslocado da realidade”. O banco dos Países Baixos salienta que existe o risco de o BCE estar a subestimar o ritmo da desinflação, como como aconteceu em 2021 e 2022 quando desvalorizou a intensidade da tendência de subida de preços.

A ironia poderá muito bem ser que, ao aprender com o primeiro erro, o BCE acabe por cometer outro”, comenta o ING, salientando que ainda é muito cedo para avaliar se o BCE já está “atrás da curva”. “Dado o historial dos últimos anos, o banco central não se pode dar ao luxo de tentar antecipar o que vai acontecer” na economia, “terá de esperar que aconteça”, refere o ING. Dito de outra forma, o BCE só abrirá a porta a descida de juros quando for mesmo evidente que a inflação está a caminho dos 2%.

O Goldman Sachs espera que o Conselho do BCE reconheça claramente que os últimos números da inflação surpreenderam pela positiva e que existe um progresso no rumo da inflação para a meta. Contudo, vinca que não é expectável que Lagarde forneça qualquer orientação de calendário para decisões de política monetária, optando antes por continuar a vincular as perspetivas para os juros “à confiança de que a inflação regressará a 2% de forma sustentável”.

O banco de investimento aguarda que o Conselho do BCE aborde o tema dos reinvestimentos das obrigações adquiridas no âmbito do PEPP (programa de compra de ativos implementando na pandemia) e que chegam à maturidade. O Goldman Sachs aguarda que seja adotada uma decisão formal em janeiro, limitando os reinvestimentos a dez mil milhões de euros por mês a partir de abril e o fim dos reinvestimentos em julho.

O BCE assumiu o compromisso de reinvestir as obrigações adquiridas no programa de apoio monetário durante a pandemia até ao fim de 2024, mas vários responsáveis do banco central (incluindo Christine Lagarde) já admitiram o fim mais célere. O Deutsche Bank só estima uma decisão final sobre a redução do balanço em março e o fim faseado dos reinvestimentos a partir do terceiro trimestre.

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