Patrões e sindicatos disponíveis para aprofundar acordo de rendimentos com novo Governo

Poder mudou de mãos, mas parceiros sociais defendem que acordo de rendimentos celebrado com Governo de Costa deve ser mantido pelo Governo de Montenegro. E até estão abertos a alargá-lo.

Ainda não há data para a retoma das reuniões de Concertação Social, mas as confederações patronais e as centrais sindicais já estão a preparar os cadernos de encargos que vão apresentar ao novo Governo. Quanto ao acordo de rendimentos, um dos marcos no Governo de António Costa, os parceiros sociais concordam que este entendimento não só continua a ter de ser cumprido, como deve ser revisitado, alargando, por exemplo, o seu âmbito.

A ministra do Trabalho e Segurança Social Maria do Rosário Ramalho à chegada para a reunião do Conselho de Ministros do XXIV Governo Constitucional realizada esta manhã na residência oficial, no palácio de S. Bento, Lisboa, 3 de abril de 2024. JOÃO RELVAS/LUSAJOÃO RELVAS/LUSA

“Quando celebramos um acordo com o Governo, é um compromisso que se fixa para o Estado português. Nessa medida, o acordo de rendimentos é para cumprir“, defende o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes.

“O acordo está em vigor e aguardamos pela sua plena execução“, confirma o presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), Francisco Calheiros. “Em nossa, opinião mantém-se”, corrobora também o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Álvaro Mendonça e Moura.

Na mesma linha, a UGT, a única das duas centrais sindicais a assinar o acordo, tem esse entendimento: “O acordo é para cumprir. Entendemos que o Governo está obrigado a cumprir o acordo“, insiste o secretário-geral adjunto, Sérgio Monte.

Aliás, na visão deste sindicalista, há mesmo margem para o reforçar, prolongando-o até 2028 — isto é, até ao fim desta legislatura –, sendo que, nos moldes atuais, o acordo “expira” em 2026. “Se se vierem a concretizar as projeções que a coligação apresentou, até podemos reforçar os compromissos“, salienta Sérgio Monte.

O acordo está em vigor e aguardamos pela sua plena execução. Estamos disponíveis para revisitar esse acordo, densificando-o.

Francisco Calheiros

Presidente da Confederação do Turismo de Portugal

Na mesma linha, Francisco Calheiros, da CTP, mostra abertura para revisitar o acordo, “densificando-o“. “Temos que nos sentar à mesa e falar”, atira, por sua vez, o presidente da CAP, que se mostra aberto também a uma revisão.

Já João Vieira Lopes levanta a hipótese de alargar e aprofundar o leque de matérias, em particular “em termos de competitividade empresarial“.

Enquanto isso, recentemente, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) foi à RTP deixar claro que está disponível para entrar num acordo que preveja o reforço dos salários, mas também o crescimento da economia. Isto depois de ter escolhido ficar de fora do reforço do acordo de rendimentos em outubro do ano passado, por considerar que este ficava “aquém do que o país precisa”.

Armindo Monteiro tinha também encetado conversações com o então Governo de António Costa para firmar, em paralelo a este acordo, um novo pacto que reforçava os rendimentos e a competitividade das empresas. Mas este acabou por ser alvo de críticas e não avançou.

Já em declarações ao ECO, Rafael Alves Rocha, diretor-geral da CIP, adianta que o que a confederação quer é que “todas as partes se sentem à mesa com genuína vontade de explorar, encontrar e materializar um espaço real de negociação que permita ao país crescer mais, produzir melhor e competir superiormente para, assim, aumentar o rendimento das famílias”,

“Parece-nos importante colocar rendimentos e produtividade lado a lado, com igual importância. Apenas com empresas mais produtivas será possível competir nos mercados externos, ter melhores empregos e salários mais elevados“, realça o responsável, que avisa que espera que “a tensão político-partidária não desvirtue, contamine e se sobreponha aos objetivos da Concertação Social”.

Como está, o acordo de rendimentos prevê a trajetória do salário mínimo até 2026. Por exemplo, para o próximo ano, aponta para um aumento do salário mínimo dos atuais 820 euros para 855 euros. Estão também incluídas várias medidas para as empresas, algumas das quais já estão em curso, como a reconversão do Fundo de Compensação do Trabalho.

No programa do Governo, aprovado esta quarta-feira em Conselho de Ministros, está a promessa de subir o salário mínimo até mil euros até 2028, aplicando-se subidas em linha com a inflação acrescida dos ganhos de produtividade.

Porém, não há qualquer referência ao acordo de rendimentos. Nesse documento, fica, no entanto, a promessa de isentar de impostos os prémios de desempenho pagos aos trabalhadores, em linha com uma das propostas que a CIP tinha colocado em cima da mesa, no âmbito do referido pacto paralelo ao acordo de rendimento.

Governo quer “revisitar” lei do trabalho. E os parceiros?

No programa eleitoral da Aliança Democrática estava a promessa de simplificar a lei do trabalho. E do programa do Governo que agora recebeu “luz verde” consta a intenção de “revisitar a Agenda do Trabalho Digno”, um ano após a entrada em vigor deste pacote de alterações à legislação laboral. “Impõe-se avaliar, designadamente na Concertação Social e com todos os parceiros, os resultados deste primeiro ano de implementação no terreno”, lê-se no documento que foi entregue no Parlamento.

Assim, este promete ser um tema quente, agravando a separação entre patrões e sindicatos. É que, de um lado, os empregadores apoiam o PSD na vontade de rever a lei do trabalho, enquanto, do outro, os sindicatos asseguram que este não é o momento para o fazer.

Por exemplo, Francisco Calheiros entende que “é urgente que a revisão laboral ocorra em sentido inverso àquele que a Agenda do Trabalho Digno consagrou no Código do Trabalho“.

“Foi um processo que correu à margem dos parceiros sociais, merecendo a sua frontal oposição. Não podemos querer ter um país virado para o futuro assente numa legislação laboral paternalista, retrógrada e que limita a atuação das empresas, prejudicando o emprego”, atira o representante do turismo.

Já Vieira Lopes não vai tão longe nas críticas, mas avisa que é preciso fazer uma “discussão abrangente sobre o mercado de trabalho em Portugal“, acreditando que “é neste contexto mais vasto — e tendo bem presente que as expectativas, nomeadamente dos jovens, são hoje muito diferentes — que deve ser equacionada uma eventual alteração da legislação laboral“.

Por sua vez, o presidente da CAP adianta que esta confederação “gostaria de avançar com uma proposta de alteração sobre o regime jurídico do trabalho intermitente“.

“É primordial que haja um período de estabilidade, que não se ande sempre a alterar a lei do trabalho.

Sérgio Monte

Secretário-geral adjunto da UGT

Em contraste, os sindicatos são integralmente contra potenciais mexidas no Código do Trabalho. Sérgio Monte apela à estabilidade, condição necessária ao bom funcionamento da própria negociação coletiva, diz. “É primordial que haja um período de estabilidade, que não se ande sempre a alterar a lei. Se for para regulamentar para clarificar, tudo bem. Se for para alterar novamente, aí temos as nossas dúvidas“, afirma o secretário-geral adjunto da UGT.

Por sua vez, o secretário-geral da CGTP teme que as alterações à lei laboral que viessem a ser feitas pela direita fossem “no sentido de fragilizar os trabalhadores e beneficiar o grande capital“.

“Os tempos da troika — e, com todas as limitações, o período que se lhe seguiu –, nomeadamente entre 2015 e 2019, demonstraram que não é com mais fomento da precariedade, com a retirada de direitos, com o corte nos salários, que o país se desenvolve“, alerta Tiago Oliveira, que garante que a central sindical que lidera vai estar “na linha da frente do combate pela valorização do trabalho e dos trabalhadores“.

Impostos e salários são prioridades

Além dos dois grandes dossiês já referidos, os parceiros sociais elegem, de modo global, os salários e os impostos como prioridades para a próxima legislatura. A propósito, o programa do Governo prevê uma baixa do IRS com foco na classe média e a criação de uma comissão que irá avaliar o impacto da subida do salário mínimo no emprego.

Mas vamos às reivindicações concretas dos parceiros. No caso da UGT, Sérgio Monte destaca que está já prevista a trajetória do salário mínimo até 2026, mas declara que seria importante que os salários médios também crescessem.

Além disso, assinala que reforçar os rendimentos não passa apenas por subir os salários (brutos), pedindo uma redução dos impostos. Quer ainda que o Governo aposte no crescimento económico e defende que a Concertação Social assuma uma posição de centralidade, “uma vez que o equilíbrio na Assembleia da República é o que se conhece”.

Da parte da CGTP, Tiago Oliveira também realça o crescimento dos salários como uma prioridade, em todos os setores, reivindicando por isso a revogação das normas que prejudicam a negociação coletiva.

Defende, além disso, a melhoria dos serviços públicos, das escolas à saúde, e uma “política fiscal que garanta os recursos necessários ao Estado para o cumprimento das suas obrigações e que passe por colocar a pagar aqueles que hoje pouco ou nada pagam e desonerar a fiscalidade que incide sobre os rendimentos de quem trabalha e trabalhou”.

Para assegurar o crescimento, são fundamentais incentivos fiscais que fomentem a capitalização das empresas e promovam o investimento empresarial.

João Vieira Lopes

Presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal

Do lado dos patrões, também a CCP identifica o sistema fiscal como prioridade, mas noutro sentido: João Vieira Lopes avisa que é preciso aliviar as empresas para que sejam mais competitivas, baixando o IRC, as tributações autónomas e criando “incentivos fiscais que fomentem a capitalização das empresas e promovam o investimento empresarial“.

“É fundamental iniciar a reforma da justiça e das suas instituições, em especial a justiça económica. Quer para os investidores nacionais, quer para quem avalia as potencialidades de investimento no nosso país, esta é sempre uma área problemática, dado que os prazos da justiça não são compagináveis com o ritmo do desenvolvimento empresarial“, acrescenta o responsável.

Já da parte do turismo, Francisco Calheiros deixa claro: é preciso decidir a localização do novo aeroporto, consolidar a internacionalizar das empresas e executar as verbas para a promoção desse processo que já estavam previstas.

Notícia atualizada às 12h05 com declarações da CAP e da CIP

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