Dos pagamentos ao calçado. Cinco empresas criadas na revolução que sobrevivem até hoje

Nasceram em pleno período de convulsão revolucionária e vingaram à celebração dos 50 anos do 25 de Abril. Conheça os casos da Unicre, da ACO, da Barata & Ramilo, da Silsa e da Secil Betão.

Nasceram em pleno período de convulsão revolucionária, entre nacionalizações e manifestações. Passaram pelo choque petrolífero, pela crise das tecnológicas após a queda das Torres Gémeas, sobreviveram à crise financeira de 2008, à crise da dívida soberana e ao regresso das guerras à Europa. Conheça a história de cinco empresas criadas logo após o 25 de Abril de 1974 e que sobreviveram até aos dias de hoje.

Unicre, o símbolo do capitalismo que nasceu na Revolução

17 de abril de 1974. É assinada a escritura para a constituição da UNICRE, a primeira instituição financeira especializada na emissão de cartões de pagamento e soluções de pagamento. Oito dias depois o país acorda com a Revolução dos Cravos. É o fim da ditadura e o início da democracia em Portugal. Os próximos dois anos seriam marcados por nacionalizações, revoltas e tentativas de golpes. O país apenas serena nas primeiras eleições democráticas, em abril de 1976. “A Unicre é uma história de resiliência que até a mim me surpreende”, refere João Baptista Leite, em declarações ao ECO.

“Foram dois anos bastante conturbados, com muita instabilidade. A Unicre nasceu no meio de um país conturbado e manteve-se ativa, sobrevivendo a todas as crises“, explica o CEO da empresa que “teve o cariz de poder produzir e entregar cartões” – “o símbolo do capitalismo” – num Portugal que ainda estava a definir a sua democracia e onde essa palavra era demonizada.

Foram dois anos bastante conturbados, com muita instabilidade. A Unicre nasceu no meio de um país conturbado e manteve-se ativa, sobrevivendo a todas as crises. Teve o cariz de poder produzir e entregar cartões. É o símbolo do capitalismo.

João Baptista Leite

CEO da Unicre

Numa viagem histórica ao que foi o início da Unicre, a instituição constituída pelos Bancos Totta & Açores, Borges e Irmão, Espírito Santo, Fonsecas & Burnay, Nacional Ultramarino e Português do Atlântico – a banca viria entretanto a ser nacionalizada -, João Baptista Leite recorda que “é neste ambiente que [a empresa] emite os primeiros cartões Unibanco com a marca MasterCharge/Interbank”. Um método de pagamento que pode podia ser usado por quem viajava para fora do país.

Em 1982 surgem os primeiros cartões Visa e, quatro anos depois, a Redunicre inicia a aceitação nos estabelecimentos comerciais do primeiro cartão de débito emitido em Portugal, o Cartão Totta Gold. “É a primeira iniciativa de pagamentos internacionais nos estabelecimentos comerciais”, diz o líder da Unicre. “Estive mais de 20 anos no Canadá e usava sempre dinheiro quando vinha a Portugal. Em 1986 vinha muito feliz porque podia usar o meu cartão” em Portugal.

Num setor que atravessou uma verdadeira revolução nos últimos anos – e ainda enfrenta -, a Unicre sempre foi “focada no que é o futuro”, promovendo um “modelo de mudança de pagamentos em Portugal”. “Fez a adaptação do que foi o comércio digital”, diz João Baptista Leite, destacando “uma transformação radical nos pagamentos nos últimos anos“. “Conseguimos transformar os pagamentos de uma forma relativamente simples”, remata.

De acordo com o CEO da Unicre, a empresa sempre se manteve focada em perceber as necessidades dos comerciantes e particulares, tendo apostado no contactless em 2019, quando este método de pagamento representava apenas 6% a 7% e preparou o e-commerce, que viria a explodir com a pandemia. “Já estávamos lá”. Hoje, a empresa continua a apostar na tecnologia e a trabalhar em parcerias com fintech e empresas tecnológicas. Destas parcerias nasceu o Parcela Já. “É um produto parcelado para facilitar a vida a clientes e comerciantes“, oferecendo uma alternativa aos clientes que não querem recorrer a crédito.

A REDUNIQ Soft, destinada a comerciantes, é outra das soluções que a Unicre disponibiliza atualmente. Trata-se de um terminal de aceitação no Android, que facilita a movimentação e simplifica os pagamentos. Mas não é apenas a vida dos comerciantes que tem sido facilitada com as soluções da Unicre. Desde o ano passado que os utilizadores do Metro de Lisboa podem fazer pagamentos contactless nos canais de validação de todas as estações, em resultado de uma parceria entre a Unicre e a Visa. “A ideia de simplificar é fundamental e é uma ideia que estamos a prosseguir“, conclui o CEO da empresa.

25 de Abril foi o “pontapé de saída” para a ACO

Armindo Costa vivia na Parede quando aconteceu a revolução do 25 de Abril. “Foi uma festa fantástica. Foi um momento único da minha vida”. Mas os meses que se seguiram à revolução trouxeram “alguma crispação permanente”. “Havia demasiadas greves, contestação e instabilidade” que afetaram a atividade da Novotex, empresa onde exercia o cargo de diretor-geral, sendo responsável pela produção da fábrica. Foi este o pretexto para Armindo Costa, antigo presidente da Câmara de Famalicão, regressar ao Norte, onde tinha origens. “Tinha estudado calçado em Inglaterra e disse: ‘vou montar a minha fábrica’“, confidencia ao ECO. E assim nasceu, em 1975, no rescaldo da revolução, a ACO – Fábrica de Calçado Limitada, com sede em Mogege, no concelho de Vila Nova de Famalicão.

Amândio de Azevedo, ministro do Trabalho e da Segurança Social, com o presidente da ACO, Armindo Costa, por ocasião do 10º aniversário da empresa.

A fábrica arrancava com um grupo de 11 pessoas, que incluía dois colaboradores que Armindo Costa tinha levado consigo para a Parede, em 1973. Augusto Martins e Fernando Ferreira juntaram-se ao projeto, do que faziam parte outros oito trabalhadores. O empresário e ex-autarca decidiu focar-se no calçado de conforto para o público feminino. Uma estratégia que se revelou vencedora e tornou a empresa um caso de sucesso em Portugal, conseguindo sobreviver “ao calor dos largos meses de instabilidade política e social que se seguiram à revolução democrática do 25 de abril de 1974″.

O chamado “verão quente” de 1975 não se ficou pela política. Além da instabilidade que o país atravessava, a recém-criada ACO ainda teve de enfrentar um desafio inesperado: um incêndio que atingiu a fábrica. “Os montes aqui à volta estavam a arder e um armazém nosso também ardeu“, conta o empresário, em tom leve. Foi apenas mais um desafio que a empresa superou.

Cinco décadas depois, o Grupo ACO Shoes tem uma presença global, com três fábricas, 810 funcionários – 320 na sede, 150 em Porte de Lima e 220 em Cabo Verde -, 6.500 pares de sapatos produzidos diariamente e presença em 33 países. O grupo conta com 13 mil metros quadrados de área coberta e mais 80 mil metros quadros disponíveis à volta, um pavilhão gimnodesportivo, infantário, médico e “é uma empresa amiga do ambiente”, sintetiza o empresário de Mogege, que aos 86 anos continua a liderar a empresa que fundou há quase 50 anos.

Nos dois filhos e nos quatro netos – um a trabalhar já com ele e outro a caminho -, Armindo Costa, que liderou a Câmara de Famalicão entre 2002 e 2013, vê o futuro. “50 anos para uma empresa não é muito. Se os meus netos quiserem, daqui a 50 anos estarão aqui para festejar os 100 anos” da ACO.

Da Barata & Ramilo até à Parfois

Foi apenas aos 42 anos, em 1994, que Manuela Medeiros lançou a Parfois, a empresa de acessórios de moda que a tornou famosa e aumentou de forma exponencial o valor da sua fortuna. Mas a carreira da empresária começou bem antes. Segundo os dados revelados ao ECO pela Informa D&B, a constituição da Barata & Ramilo S.A., a empresa que detém a Parfois, remonta a 5 de maio de 1974, poucos dias após a Revolução dos Cravos.

Dedicada à área do vestuário e dos acessórios, a Barata & Ramilo é uma das empresas criadas na época da revolução de abril que, não só se manteve em atividade, como viu o seu negócio disparar após a criação da Parfois, pela mão de Manuela Medeiros. A empresária foi pioneira em Portugal na abertura de uma loja exclusiva de acessórios de moda, tendo a inspiração surgido das várias viagens que fazia a Inglaterra. Queria vender peças a preços acessíveis, que agradassem à maioria das pessoas. O negócio não poderia ter tido mais sucesso.

A Parfois tem atualmente mais de mil lojas em todo o mundo e está presente em 70 países, tendo registado um crescimento médio de 24% ao ano desde 2010. Segundo os cálculos da Forbes Portugal ao valor patrimonial da empresa Barata e Ramilo, Manuela Medeiros, de 70 anos, tem uma fortuna avaliada em cerca de 274 milhões de euros e encontra-se na 43º posição do ranking das maiores fortunas.

Segundo os dados da Informa D&B, a Barata e Ramilo fechou o ano de 2022 com um volume de negócios de cerca de 267 milhões de euros.

Silsa, a confeção de Abade de Neiva que resistiu à revolução

Dois meses antes do 25 de abril nascia a Silsa Confecções. Sediada em Abade de Neiva, Barcelos, a empresa fundada por Francisco Dias da Silva. O dono da têxtil é mais conhecido pelos cargos que exerceu nos dois principais clubes de futebol e de hóquei em patins do concelho minhoto – foi presidente do Gil Vicente e do Óquei de Barcelos. Contudo, antes de liderar os clubes da terra cimentou as bases para o sucesso da sua têxtil e conseguiu garantir a sobrevivência da empresa de confeções, que se mantém até hoje em Abade de Neiva.

Bem conhecida na região, a Silsa sobreviveu à revolução e convulsão nos dois anos seguintes, e a todas as crises que se seguiram ao longo dos últimos 50 anos. Com atividade na produção e confeção de vestuário interior e exterior de malha de artigos têxteis com padrões de alta qualidade, para homem, mulher e crianças, a empresa tem-se adaptado às novas tendências.

A empresa tem certificações GOTS e GRS, na área da sustentabilidade, assumindo um compromisso com práticas de qualidade e sustentabilidade. A empresa conta com vários projetos cofinanciados com fundos europeus.

Secil Betão, um negócio “cimentado” em 1974

A Secil Betão é uma das empresas da revolução. Constituída em 1974 com os capitais provenientes da então Cinorte – Companhia de Cimentos do Norte, apenas 10 anos mais tarde, em 1984, passou a integrar o conjunto das participações detidas pela Secil no setor.

À época era considerada uma pequena empresa, com apenas cinco centrais: Braga (a primeira Secil Betão), Viana do Castelo, Vila da Feira, Vila Nova de Gaia e Sines. Contudo, ao longo das últimas décadas, a empresa registou um forte crescimento, seja através da aquisição de outras empresas do setor, seja através da abertura de novas centrais, de acordo com a informação partilhada no site da empresa.

A Secil Betão está integrada na Secil, constituindo uma das áreas de negócio da cimenteira portuguesa. A companhia opera atualmente em três fábricas de cimento em Portugal: Outão, Maceira e Cibra. No mercado internacional, marca presença em Angola, na Tunísia, no Líbano, em Cabo Verde, na Holanda e no Brasil.

Com oito fábricas de cimento e presença em sete países e quatro continentes, o grupo Secil garante uma capacidade anual de produção de cimento superior a 9 milhões de toneladas.

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