Nível de vida melhorou, mas crescimento não é estrutural. Empresários pedem políticas para a produtividade
Portugal subiu no ranking do PIB per capita, mas beneficiou do facto de estar mais longe da guerra e da força do turismo. Empresários apelam a políticas públicas para estimular o tecido produtivo.
No ano passado, muito se comentou a possibilidade de a Roménia ultrapassar Portugal na dimensão do PIB per capita, mas tal acabou por não se verificar — e o país subiu mesmo no ranking europeu deste indicador. Ultrapassou a Polónia e a Estónia, com um desempenho mais favorável do que o esperado, ainda que tenha beneficiado dos infortúnios dos países de Leste e este resultado não represente melhorias estruturais, apontam os economistas ouvidos pelo ECO. As empresas também sinalizam que são necessárias mais políticas públicas para promover a transformação da economia e o desenvolvimento do tecido produtivo.
O PIB per capita de Portugal, expresso em paridades de poder de compra, aumentou em 2023 e o país ascendeu à 18.º posição entre os Estados-membros da União Europeia (UE), subindo dois lugares face ao ano anterior, de acordo com a estimativa rápida do Eurostat divulgada no final de março. Face a 2022, Portugal passou à frente da Polónia e da Estónia, que atualmente têm um PIB per capita que representa 80% e 81% da média europeia, respetivamente.
No entanto, os economistas defendem que isto não se deve a uma mudança estrutural. “Ao crescer apenas 2,3% em 2023, Portugal conseguiu, ainda assim, registar o 5º maior crescimento económico no conjunto dos 27 países da União Europeia”, aponta Ricardo Ferraz, enquanto “a Estónia foi o 2º país da União que mais contraiu, ao passo que a economia polaca praticamente que estagnou”.
A explicação reside no facto de numa conjuntura adversa não termos sido tão penalizados quanto a generalidade dos nossos parceiros.
“Portanto, a explicação reside no facto de numa conjuntura adversa não termos sido tão penalizados quanto a generalidade dos nossos parceiros”, indica ainda o investigador no ISEG e professor na Universidade Lusófona. É de salientar que no arranque deste novo ano, segundo a estimativa rápida conhecida esta semana, a economia portuguesa voltou a crescer acima da média da Zona Euro.
Gonçalo Pina, professor associado de Economia Internacional na ESCP Business School, também aponta ao ECO que “os países de Leste estão mais expostos ao aumento dos custos com energia — o que também afeta a indústria”. “Portugal tem beneficiado de preços de energia relativamente baixos e o setor dos serviços, como o turismo, não tem sofrido tanto”, acrescenta.
Apesar da subida no ranking, o país já chegou a estar em posições melhores: 15º em 2000, 16º em 2005 ou 17º posição em 2016, como recorda Luís Miguel Ribeiro, presidente do conselho de administração da Associação Empresarial de Portugal (AEP).
Não há razões estruturais que não possam ser alteradas para que não fiquemos para sempre tão abaixo da média.
Além disso, o país continua a estar abaixo da média europeia. Para o economista Gonçalo Pina, existe ainda “um potencial de convergência que pode ser atingido com melhor integração de mercados”. “Não há razões estruturais que não possam ser alteradas para que não fiquemos para sempre tão abaixo da média”, argumenta.
Ricardo Ferraz também defende que são necessárias reformas estruturais, argumentando que já devia estar em curso um plano “que permitisse aumentar o nosso PIB potencial”. “Um plano que criasse as condições necessárias para que nos próximos anos Portugal pudesse acompanhar os seus parceiros”, considera.
Até porque já há alguns países europeus a recuperar do choque da pandemia de Covid-19 e das guerras iniciadas recentemente, como mostram os dados divulgados esta semana. Pelo que, completa o economista, “para não ficarmos para trás quando os grandes motores arrancarem, temos de pensar no futuro”.
Patrões pedem políticas públicas para estimular produtividade
Num artigo de opinião no Público, o antigo ministro da Economia, António Costa Silva, defendeu o papel das empresas nesta evolução do PIB per capita, argumentado que foi devido “ao dinamismo e resiliência dos empresários e da economia nacional; ao apoio de políticas públicas que permitiram salvaguardar e estimular o tecido produtivo; ao crescimento sustentável das exportações; à aposta consistente nas qualificações e na inovação, trazendo-as para o chão de fábrica; à atração de investimento externo; à capacidade para diversificar os motores da economia”.
Do lado das empresas, este esforço é reconhecido, mas considera-se que continuam a faltar políticas públicas que estimulem o tecido produtivo.
Este crescimento serviu para limitar ‘danos’ causados anteriormente e não para colocar Portugal no grupo dos quinze países mais desenvolvidos.
Para Luís Miguel Ribeiro, o crescimento verificado no ano passado “serviu para limitar ‘danos’ causados anteriormente e não para colocar Portugal no grupo dos quinze países mais desenvolvidos, como é a ambição da AEP e deve ser a do país”. Para melhorar a atração de investimento, a inovação e as qualificações, “as prioridades devem passar pela redução estrutural da carga fiscal sobre as empresas e os recursos humanos, criando incentivos fiscais à inserção de jovens licenciados nas empresas e aliviando a carga fiscal sobre o trabalho na classe média”.
Rafael Alves Rocha, diretor-geral da CIP, concorda que “os decisores políticos têm de agir imediatamente e pôr em marcha um conjunto de políticas públicas que comecem a resolver os problemas”. “Caso vislumbremos esse sinal político, a nossa capacidade de reação aumentará na mesma medida e, pelo caminho, talvez seja um pouco mais fácil atrair investimento estrangeiro”, indica.
Algumas das áreas onde estas medidas deviam estar focadas, exemplifica o porta-voz, seria na formação contínua dos trabalhadores. Aqui “tem havido investimento privado continuado”, mas “poderia haver mais, até porque este é um esforço que interessa a todos, talvez seja possível juntar mais as forças e os entendimentos entre público e privado”, argumenta.
Eleições nos EUA e guerras preocupam empresas
No ano passado, as exportações foram bastante prejudicadas pelo abrandamento da economia mundial e, em particular, da europeia. As vendas para o estrangeiro estão a demorar a recuperar neste arranque de 2024, mas os empresários ouvidos pelo ECO mostram-se otimistas. Ainda assim, expressam também receios com os riscos geopolíticos e o resultado das eleições nos EUA.
Carlos Vicente, diretor-geral da Vitacress, aponta que “Portugal se tem vindo a consolidar a nível de parceiro internacional, não só ao nível do turismo, mas também na capacidade produtiva, na capacidade inovadora, na fiabilidade do seu trabalho e da sua qualidade”. “Temos aqui uma plataforma interessante para crescer”, afirma o gestor.
Também confiante está Armindo Costa, presidente e Fundador da ACO Shoes, que se mostra seguro de que as empresas nacionais vão “começar a ter mais confiança e mais encomendas”. “Estou muito positivo, estou animado”, sublinha, apesar de ressalvar que “falta ainda a solução para um problema, que é em novembro a eleição do presidente dos Estados Unidos”.
O peso das exportações no PIB tem vindo a aumentar, o que comprova este esforço que acontece apesar do difícil, incerto e complexo contexto global.
O diretor-geral da CIP também expressa preocupação com esta questão eleitoral do outro lado do Atlântico, apontando mesmo que, se o cenário para os EUA “parece mais desanuviado”, no horizonte surge um novo risco caso Donald Trump vença mesmo as eleições presidenciais. “Haverá uma nova guerra de tarifas?”, questiona.
Perante esta incerteza, Rafael Alves Rocha admite que o novo Governo liderado por Luís Montenegro “talvez traga um novo impulso”. Independentemente do quadro político, completa, “os empresários estudam, avançam, constroem, concretizam, procuram internacionalizar-se”. “O peso das exportações no PIB tem vindo a aumentar, o que comprova este esforço que acontece apesar do difícil, incerto e complexo contexto global”, conclui.
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