Tribunal anula coima de 190 milhões da Autoridade da Concorrência aos hospitais privados

Autoridade da Concorrência aplicou coimas de 190 milhões à CUF, Luz Saúde e outros hospitais privados por concertação nas negociações com ADSE. Tribunal considerou prova inválida e anulou decisão.

Em julho de 2022, a Autoridade da Concorrência avançou com coimas no valor de 190 milhões de euros contra os hospitais privados, incluindo a CUF, Luz Saúde e Lusíadas, e ainda a associação do setor, por práticas irregulares de concertação nas negociações com a ADSE, o subsistema de saúde dos funcionários públicos. Cerca de dois anos depois, o tribunal de Santarém veio agora declarar nula a decisão do regulador, depois de considerar inválidas as provas recolhidas na investigação. A decisão deixa cair as multas milionárias e faz com que o processo regresse quase à estaca zero.

A sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão foi proferida a 17 de abril de abril, tendo transitado em julgado no início deste mês (3 de maio), o que significa que não foi apresentado recurso da parte da Autoridade da Concorrência (nem de nenhum dos outros visados).

O tribunal de Santarém – onde o processo se encontra a ser julgado depois dos recursos dos hospitais contra a decisão da Autoridade da Concorrência – considerou a prova (ou boa parte dela) inválida porque não houve autorização judicial prévia para a busca e apreensão de correspondência eletrónica nos hospitais. E obrigou o regulador da concorrência a devolver os e-mails e mensagens apreendidos aos visados.

A informação consta do prospeto do empréstimo obrigacionista da CUF que vai para o mercado esta quinta-feira e foi confirmada pelo ECO junto de várias fontes, incluindo da própria Autoridade da Concorrência.

“O Tribunal da Concorrência Regulação e Supervisão deu cumprimento a uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que havia declarado a nulidade das mensagens de correio eletrónico apreendidas pela Autoridade da Concorrência em diligências de busca com mandado emitido pelo Ministério Público. Esta posição do TRL surge na sequência da decisão do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional a norma da Lei da Concorrência que atribuía competência ao MP para autorizar estas buscas”, explica o regulador ao ECO.

“Nessa medida, e sendo necessário desentranhar as referidas mensagens e reformular a decisão, o TCRS declarou a nulidade da Decisão Final e da Nota de Ilicitude, devolvendo o processo à AdC para eventual reformulação dos autos e elaboração de nova NI expurgada das referidas mensagens de correio eletrónico”, acrescenta.

A Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, a quem o regulador da concorrência tinha aplicado uma multa de 50 mil euros, adianta que a “maior parte da prova apreendida” foi considerada ilegal, tal como “vinha há vários anos propugnando, quer em sede administrativa, quer em sede de recurso contencioso”.

O presidente da Autoridade da Concorrência, Nuno Cunha Rodrigues, durante a audição na Comissão de Orçamento e Finanças na Assembleia da República, Lisboa, 11 de abril de 2023. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

Exceção pode acelerar nova condenação

Só há uma exceção na decisão do tribunal de Santarém: o Hospital Particular do Algarve, porque as diligências tiveram autorização concedida através de juiz de instrução criminal, segundo o prospeto da CUF. Razão pela qual a decisão da Autoridade da Concorrência e respetiva coima no valor de 8,8 milhões de euros se mantêm.

Os outros grupos hospitalares – que não estiveram disponíveis para comentar ou não responderam até à publicação deste artigo – livram-se (para já) das suas coimas: CUF (74,9 milhões de euros), Luz Saúde (66,2 milhões), Lusíadas (34,2 milhões), Trofa Saúde (6,6 milhões) e Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (50 mil euros).

Uma fonte ouvida pelo ECO adiantou que, embora o processo regresse à Autoridade da Concorrência, a decisão do tribunal abre uma possibilidade: a prova considerada válida em relação ao Hospital Particular do Algarve poderá ser suficiente para se avançar com novas notas de ilicitude contra os outros hospitais privados, evitando assim a realização de novas diligências.

A Autoridade da Concorrência diz que está a aguardar a devolução do processo “para proceder ao desentranhamento das mensagens de correio eletrónico em questão, reanalisar todos os demais elementos probatórios que integram o processo e avaliar a viabilidade de emitir uma nova nota de ilicitude e prosseguir com o processo“.

A CUF nota no prospeto que o regulador não tem prazo para reformular a nota de ilicitude. E que pode mesmo decidir-se pelo arquivamento do processo.

No âmbito deste processo, a Autoridade da Concorrência condenou vários grupos de hospitais por terem coordenado entre si “a estratégia e o posicionamento negocial a adotar no âmbito das negociações com a ADSE, através e com a participação conjunta da APHP, entre 2014 e 2019”.

Segundo a autoridade, estas práticas permitiram fixar o nível de preços e outras condições comerciais no âmbito das negociações com a ADSE, bem como a “coordenação da suspensão e ameaça de denúncia da convenção celebrada com a ADSE para obstaculizar a regularização da faturação por parte da ADSE relativa a 2015 e 2016″.

Do lado dos hospitais, alega-se que as reuniões em que participou a APHP foram pedidas expressamente pelo Ministério da Saúde e pela própria ADSE e que os preços são fixados unilateralmente pela ADSE.

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