Empresários desvalorizam resultados do teste à semana de 4 dias. “Prioridade deveria ser reforçar produtividade”

Vice-presidente da CIP atira que resultados seriam "muito diferentes" se empresas da indústria, distribuição e construção civil tivessem participado no projeto-piloto. Recomenda cautela.

Rafael Campos Pereira diz que “não quer desvalorizar o trabalho” de quem levou a cabo o projeto-piloto à semana de quatro dias em Portugal, mas deixa claro que os resultados obtidos (e divulgados esta segunda-feira) não são representativos da economia nacional. Em declarações ao ECO, o vice-presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) defende que a prioridade neste momento deveria ser reforçar a produtividade das empresas portuguesas, para que, numa fase seguinte, estas consigam mesmo reduzir a carga de trabalho semanal por cada trabalhador.

Não podemos embandeirar em arco, sem pensar no contexto e consequências”, atira o responsável, em reação aos resultados finais que o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) publicou esta manhã.

De acordo com esse relatório, das 21 empresas que testaram a semana de trabalho mais curta entre junho e novembro do ano passado, só quatro decidiram voltar para os tradicionais cinco dias por semana.

Do lado dos trabalhadores, houve uma redução do stress e da fadiga. Já do lado das empresas, melhorou a atratividade no mercado e o funcionamento das equipas, sem que isso tenha implicado, na maioria dos casos, mais custos.

Além destas 21 empresas, outras 20 já tinham arrancado a experiência antes do verão de 2023, sendo que, também entre estas, a maioria continua com este modelo inovador (metade já o dão por permanente, enquanto outras seis continuam a testar).

“Estamos a falar de 40 organizações, num universo de um milhão e meio de empresas. Estamos a falar de algumas centenas de trabalhadores num universo de cinco milhões de trabalhadores”, atira Rafael Campos Pereira, que considera, assim, que a amostra usada foi “pouco representativa”.

“O universo abrangido foi residual”, insiste. Convém explicar que o projeto-piloto foi de adesão voluntária. Mais de 100 empresas mostraram interesse inicialmente, mas só as tais 21 arrancaram efetivamente o teste em junho.

Além disso, o vice-presidente da CIP recomenda “muita cautela” em eventualmente rever os tempos de trabalho, tendo em conta três grandes pontos.

Primeiro, as empresas portuguesas estão com “grandes dificuldades em recrutar recursos humanos” e isso só tenderá a piorar, “com o afunilamento das fronteiras na Europa”. Nesse cenário em que contratar é difícil, o responsável alerta que reduzir o tempo de trabalho dos trabalhadores já integrados pode, portanto, piorar os resultados das empresas.

Em alguns casos, reduzir o tempo de trabalho pode significar ter de aumentar os preços, o que impacta a competitividade das empresas nacionais face às de outros países onde se trabalham mais dias. “Não estou a ver os consumidores disponíveis a pagar cinco ou dez vezes mais em nome dos direitos dos trabalhadores“, sublinha.

Em terceiro lugar, Rafael Campos Pereira dá o exemplo da Função Pública: a carga semanal foi reduzida para 35 horas, o que fez os custos do trabalho aumentarem, mas a qualidade dos serviços deteriorou-se, salienta.

Nesta fase, seria mais interessante, em vez de comprar um estudo, investir em medidas suscetíveis de ajudar as empresas a aumentarem a produtividade, para depois terem solidez suficiente para poderem reduzir o tempo de trabalho.

Rafael Campos Pereira

Vice-presidente da CIP

Devemos ponderar muito bem antes de entrar numa coisa destas. Não devemos pôr o carro à frente dos bois. Nesta fase, seria mais interessante, em vez de comprar um estudo, investir em medidas suscetíveis de ajudar as empresas a aumentarem a produtividade, para depois terem solidez suficiente para poderem reduzir o tempo de trabalho”, defende o vice-presidente da CIP.

Quanto à produtividade, é importante lembrar que os baixos níveis de que padece a economia portuguesa foram sempre um argumento contra a semana de trabalho mais curta. O projeto-piloto veio mostrar que reduzir as horas trabalhadas não teve o impacto nefasto esperado, mas Rafael Campos Pereira realça que o teste foi conduzido somente em organizações do setor dos serviços. “Na indústria, construção civil, distribuição, os resultados seriam muito diferentes”, assegura.

Os coordenadores do projeto-piloto já reconhecerem eles mesmos, no relatório final, que o teste serviu apenas de prova de conceito, apelando a que mais empresas (em especial, grandes organizações) experimentem reduzir as suas semanas de trabalho.

“A partir de agora, é sobretudo o setor privado a ver se de um lado e de um outro — do lado dos empregadores e do lado dos trabalhadores — existe valor” neste modelo, afirmou o coordenador Pedro Gomes, em declarações ao ECO.

As empresas que queiram vir a experimentar a semana de trabalho mais curta vão ter à disposição a partir do último trimestre deste ano um kit de iniciação com informação que as orientará nessa experiência.

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