Pode a Vila dos Números dar vida ao imobiliário na bolsa nacional?

Desde que em 2019 entrou em vigor o quadro legal que rege as Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária que a indústria permanece amorfa e permanentemente afastada dos investidores.

O universo das Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária (SIGI) recebe esta terça-feira um novo alento, com a admissão técnica à Euronext Lisbon Access (o mercado secundário da Euronext Lisboa) da Vila dos Números. É apenas a terceira SIGI nacional criada desde que a 1 de fevereiro de 2019 entrou em vigor o quadro legal destas sociedades, com vista a configurar “um novo veículo de promoção do investimento e de dinamização do mercado imobiliário, em particular do mercado de arrendamento”, lê-se no decreto-lei.

As SIGI surgiram em Portugal com a promessa de se tornarem num elemento relevante no mercado imobiliário, à semelhança do que aconteceu em outros países.

Inspiradas nos Real Estate Investment Trusts (REIT) dos EUA e nas Sociedades Anónimas Cotizadas de Inversión en el Mercado Inmobiliario (SOCIMI) em Espanha, as SIGI foram introduzidas no mercado nacional há cinco anos, tendo como objetivo atrair investimento, aumentar a oferta de imóveis para arrendamento e dinamizar o setor imobiliário. No entanto, a sua implementação e desenvolvimento no mercado nacional têm ficado muito aquém das expectativas.

Apesar das promessas iniciais, as SIGI têm encontrado dificuldades significativas para se estabelecerem como um pilar do mercado imobiliário. A legislação, embora inspirada em modelos internacionais de sucesso, não foi suficiente para dinamizar o setor.

Pedro Coelho, CEO da Square Asset Management, uma das maiores sociedades gestoras de fundos imobiliários nacionais, atribui a fraca dinamização das SIGI em Portugal nos últimos anos com “alguma falta de flexibilidade” da legislação. “De notar que na nossa vizinha Espanha, onde as SOCIMI são muito populares, só com o terceiro ajuste na legislação é que arrancaram de vez”, refere ao ECO.

A lei que rege as SIGI conta, até ao momento, com uma só revisão. Realizada em agosto de 2019, esta alteração teve como foco a aprovação do regime fiscal a estas sociedades, que se revela como a sua grande vantagem face a outros ativos, como, por exemplo, os tradicionais fundos de investimento imobiliário. No entanto, são também produtos menos regulados que os fundos de investimento.

O novo regime, resultante destas alterações, tem o mérito de, por um lado, reforçar o seu alinhamento com as melhores práticas internacionais existentes em torno deste veículo de investimento e, por outro lado, esclarecer alguns aspetos que não resultavam claros do regime anterior, reforçando assim a segurança jurídica dos investidores”, descreveu a equipa de advogados da sociedade Morais Leitão na altura as alterações do quadro legislativo.

Benesses fiscais não agarram investidores

Uma das principais vantagens fiscais das SIGI é a isenção de IRC sobre os rendimentos de capitais, rendimentos prediais e mais-valias auferidas, desde que os imóveis tenham sido detidos pela SIGI por um período mínimo de três anos. Para usufruir desta vantagem fiscal, as SIGI têm de cumprir alguns requisitos:

  • Distribuição de Lucros: Devem distribuir pelo menos 90% dos lucros do exercício aos acionistas.
  • Composição do ativo: Pelo menos 80% do valor do ativo deve ser constituído por direitos sobre bens imóveis e participações, e pelo menos 75% do valor total do ativo deve ser constituído por direitos sobre bens imóveis para arrendamento.
  • Dispersão do capital em bolsa: Até ao terceiro ano completo de atividade, pelo menos 20% do capital das SIGI deverá estar disperso na bolsa na mão de investidores com posições abaixo de 2%. Essa percentagem mínima sobe para 25% a partir do final do quinto ano completo de negociação em bolsa.

A revisão do quadro fiscal das SIGI em agosto de 2019 estabeleceu também que estas sociedades podem deter participações em outras sociedades que não sejam SIGI, desde que cumpram certos requisitos. Esta flexibilidade permite uma maior diversificação e potencial para estruturas de investimento mais complexas, como operações de “share-deal” em vez de “asset-deal”, com benefícios fiscais ao nível do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).

Apesar destas alterações, poucas mudanças se observou nesta indústria. Sobretudo em comparação com o quadro das SOCIMI em Espanha, que têm mostrado uma grande vitalidade ao longo dos anos.

É disso exemplo a Lar España, que se especializou no setor do retalho, a Hispania, que antes de ser adquirida por 2 mil milhões de euros pela Blackstone em 2019 era das SOCIMI mais ativas no mercado espanhol com um portefólio diversificado que incluía hotéis, imóveis residenciais e escritórios; e a Merlin Properties, atualmente uma das maiores SOCIMI espanholas com uma carteira diversificada que inclui escritórios, centros comerciais e ativos logísticos, e que conta com vários negócios realizados em Portugal.

Parte da fraca adesão das SIGI em Portugal é explicada pelo pouco interesse dos investidores a estas empresas. “A Square tentou lançar uma SIGI no período logo a seguir à Covid que não avançou por falta de investidores”, revela Pedro Coelho. O líder da Square refere que os últimos anos não têm sido propensos ao crescimento da SIGI em Portugal. “Considerando que a legislação é de 2019, a seguir tivemos a pandemia Covid-19, inflação e a subida de taxas de juro, estes não foram períodos fáceis para as sociedades cotadas.”

A fraca liquidez das ações das SIGI nacionais espelhada pela quase inexistência de negociações no mercado secundário, como é evidenciado pela performance da Olimpo Real Estate Portugal e da Atrium Bire, ilustram a desconfiança dos investidores nesta indústria.

Na bolsa, o desempenho das duas SIGI nacionais revelam este quadro, mas, sobretudo, espelham o afastamento dos pequenos investidores. A começar pela quase inexistência de negócios realizados com as suas ações, dada a fraca liquidez que carateriza o mercado secundário da bolsa nacional, o Euronext Lisbon Access, em que estão cotados.

A Olimpo Real Estate Portugal, a primeira SIGI cotada na bolsa nacional através de um IPO promovido pelo Bankinter e pela Sonae Sierra a 24 de junho de 2020 numa colocação direta, contou com apenas nove negócios realizados num volume acumulado de 116 mil euros nos últimos três anos — apesar de 83% do capital estar nas mãos de pequenos investidores. Durante este período, as ações da Olimpo Real Estate Portugal contabilizaram uma rendibilidade negativa de 1,35% por ano (incluindo já os dividendos distribuídos).

O mesmo sucede com os títulos da Atrium Bire, a outra SIGI portuguesa negociada na Euronext Access, que desde que abriu o capital em bolsa a 13 de abril do ano passado não regista qualquer negócio em bolsa.

Estes números comparam, por exemplo, com as valorizações de 13,3% e 22,3% por ano no último triénio das SOCIMI espanholas Merlin Properties e Lar España, respetivamente, negociadas na bolsa de Madrid.

Apesar das promessas iniciais, as SIGI têm encontrado dificuldades significativas para se estabelecerem como um pilar do mercado imobiliário. A legislação, embora inspirada em modelos internacionais de sucesso, não foi suficiente para dinamizar o setor, contrastando fortemente com a vitalidade observada nas SOCIMI espanholas.

A Merlin Properties, cotada em Madrid e também na bolsa Lisboa, expressou no passado a intenção de criar uma SIGI nacional à imagem do que sucede em Espanha, mas sem sucesso até ao momento. “Gostaríamos de ser uma SIGI mas, tal como estão regulamentadas, não nos permite”, referiu Inés Arellano, investor relations da Merlin Properties em 2019 ao ECO.

A fraca liquidez das ações das SIGI nacionais, espelhada pela quase inexistência de negociações no mercado secundário da Euronext como é evidenciado pela performance da Olimpo Real Estate Portugal e da Atrium Bire, ilustram a desconfiança dos investidores nestes produtos, que se pautam também por serem menos regulamentados do que os fundos de investimento imobiliário e do que as empresas cotadas na Euronext Lisboa, porque as sociedades do Euronext Access não estão sujeitas às mesmas regras que as empresas no mercado regulamentado”, mas um conjunto menos extenso de regras e regulamentos ajustados a empresas de pequena dimensão.

O impacto da pandemia da Covid-19, seguido por um ambiente económico adverso com inflação e aumento das taxas de juro, apenas agravou a situação, criando um cenário pouco propício para o crescimento das SIGI. Mas essa realidade económica está agora a mudar, e isso pode também reavivar esta indústria.

“Acredito que agora com esta nova normalização do mercado possam surgir SIGI e que terão influência no mercado de arrendamento”, refere Pedro Coelho. É justamente sob esta orientação que, esta terça-feira, ocorre a admissão técnica da Vila dos Números à Euronext Lisbon Access.

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