Em dois anos e meio criou-se apenas uma SIGI. Euronext reconhece fracasso

Desde julho de 2019, a Sonae Sierra e o Bankinter foram os únicos a criar este veículo imobiliário. Investidores dizem que regime tem de mudar e a Euronext concorda.

Foram criadas há cerca de dois anos e meio e “vendidas” na altura como verdadeiros ímanes de investimento imobiliário internacional. O Governo prometeu que as Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária (SIGI) iam dinamizar e trazer liquidez para o mercado de arrendamento, mas já no início os investidores alertavam para a necessidade de haver mudanças neste instrumento. A verdade é que, até ao momento, criou-se apenas uma SIGI e a Euronext Lisbon reconhece que o regime pode, afinal, “não ser suficientemente atrativo”.

As SIGI andavam a ser prometidas desde 2015, mas foram aprovadas pelo Parlamento apenas em julho de 2019, apesar de vários obstáculos. É um conceito internacional, criado à semelhança dos norte-americanos REIT (Real Estate Investment Trust) ou das espanholas SOCIMI (Sociedade Anónima Cotizada de Inversión en el Mercado Inmobiliario).

Trata-se de sociedades cotadas em bolsa, que investem em imóveis — habitacionais ou não habitacionais –, sendo que 75% do valor total da carteira tem de corresponder a imóveis destinados a arrendamento e que estes têm de se manter em carteira por, pelo menos, três anos. A lei diz ainda que 20% do capital das SIGI tem de estar disperso por pequenos investidores e que 90% dos lucros têm de ser distribuídos sob a forma de dividendos.

A 18 de setembro de 2018, o ministro da Economia afirmou que as SIGI iriam “colmatar uma falha de mercado” e contribuir “para a criação de habitação a preços acessíveis nas cidades”. Mais tarde, a 27 de fevereiro de 2019, já afirmou que, afinal, estas sociedades não iriam “servir para dinamizar o mercado da habitação”, embora admitisse a hipótese de “aparecerem operadores” interessados em “investir no mercado da habitação”. O foco destes veículos seria, assim, o mercado comercial — escritórios e logística.

A 3 de abril de 2019, durante o Portugal Real Estate Summit, a presidente da Euronext referiu-se às SIGI como um “instrumento muito simples, que investe em imóveis que geram rendimento e distribui esse rendimento”. Isabel Ucha falou numa “alternativa interessante” e uma “oportunidade de investimento” para investidores institucionais, mas também para particulares.

“Regime é circunscrito a sociedades portuguesas”

Ainda as SIGI andavam pelos corredores do Parlamento e já eram muitos os elogios a este regime. A Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) afirmou em janeiro de 2019 que havia muitas empresas e fundos internacionais com vontade de entrar no mercado português, mas que apenas queriam investir através de instrumentos que conhecessem e com os quais se sentissem “confortáveis, com os REIT”.

Em julho deste ano, em entrevista ao ECO, a SOCIMI espanhola Ktesios admitiu a possibilidade de criar uma SIGI em Portugal, depois de ter entrado para a bolsa nacional. “Parece-nos uma regulamentação bastante avançada e vantajosa”, disse Henry Gallego, CEO da empresa.

Mas a verdade é que, nestes dois anos e meio, foi criada apenas uma SIGI — a Ores. A Sonae Sierra e o Bankinter foram as únicas empresas que se lançaram neste regime, replicando o modelo que já tinham em Espanha — Olimpo Real Estate SOCIMI. Criaram a primeira — e única — SIGI a 20 de dezembro de 2019. A retalhista está responsável pela gestão da carteira imobiliária e da sociedade, enquanto o banco gere o veículo em si.

Os primeiros sinais de que as SIGI não eram assim tão perfeitas apareceram da parte da espanhola Merlin Properties. Esta SOCIMI, que conta com vários investimentos imobiliários em Portugal, não replicou, até agora, o modelo que tem no país vizinho, tendo vindo sempre a investir da forma mais comum. E mesmo com a entrada para a bolsa de Lisboa, o cenário mantém-se. “Gostaríamos de ser uma SIGI mas, tal como estão regulamentadas, [a lei] não nos permite”, disse a responsável pelas relações com investidores da Merlin, Inés Arellano, em declarações ao ECO em outubro de 2019.

O regime das SIGI é, de certa forma, circunscrito a sociedades portuguesas e não permite que REITs internacionais se possam qualificar como similares às SIGI.

João Cristina

CEO da Merlin Properties em Portugal

Passado todo este tempo, a opinião mantém-se. João Cristina, CEO da Merlin em Portugal, adianta ao ECO que “o regime das SIGI é, de certa forma, circunscrito a sociedades portuguesas” e “não permite que REITs internacionais se possam qualificar como similares às SIGI”. Em causa está o regime de transparência fiscal, afirma. Comparando com as SOCIMI, em Espanha, “o regime [português] devia atender ao princípio da reciprocidade”.

“Se um REIT investir em Espanha ou em França, aplica-se o mesmo regime fiscal”, mas se “um REIT internacional quer investir em Portugal, tem de formar uma SIGI e dispersar o capital em bolsa”, explica o responsável. Essa distinção entre nacionalidades implica, por exemplo, que “há tributação na distribuição de dividendos” em Portugal, algo que não acontece noutros países. “França [por exemplo] reconhece a SOCIMI como igual à SIIC”, diz.

João Cristina acredita, assim, que o regime de transparência fiscal seja a principal razão que explique a fraca adesão dos investidores — “principalmente internacionais” — às SIGI. Contudo, tem esperança de que o Governo altere o regime, à semelhança do que aconteceu em Espanha. As SOCIMI foram criadas em 2009 mas, tal como estavam regulamentadas, não atraíam investidores, acabando por ser alteradas em 2012.

“A mudança ocorre por tentativa e erro e em Espanha foi igual. Portugal terá de passar pelo mesmo processo e isso hoje parece-me óbvio. Porque se só há uma SIGI até agora, é porque alguma coisa não está a correr bem. Ainda não se fez o fine tuning [ajuste], mas acabará por se fazer”, nota.

Euronext espera “poder debater” mudanças com o próximo Governo

O ECO questionou a Euronext para perceber os motivos para este fracasso das SIGI, ao que a empresa liderada por Isabel Ucha respondeu que “o interesse no regime jurídico das SIGI mantém-se” e que tem havido “diversos contactos que o demonstram, inclusive através das associações do setor”. Além disso, nota ainda que “o aparecimento da pandemia pode ter levado vários operadores do setor a repensar ou adiar a sua entrada em mercado”.

Contudo, reconhece que, da maneira que está, o regime pode não ser assim tão atrativo. “O facto de existir apenas uma SIGI no atual regime sugere que este pode não ser suficientemente atrativo para empresas e/ou investidores“, diz a Euronext Lisbon.

A empresa que gere a bolsa de Lisboa admite, assim, que possa ser necessário alterar o regime das SIGI de forma a atrair mais investidores. “Alguns aspetos do atual regime têm sido alvo de especial atenção pelos intervenientes no setor, como por exemplo a composição dos ativos detidos pelas SIGI ou o grau de dispersão do seu capital, no sentido de conferir maior flexibilidade e atratividade ao regime”, lê-se na resposta.

Um dos aspetos que poderia ser mudado tem a ver com o “limiar de participações dos investidores” que, para a Euronext, deveria ser reduzido. Isto é, a legislação diz que a SIGI tem de ter, pelo menos, 11 acionistas com menos de 2% do capital para assegurar o mínimo de 20% de capital. A empresa de Isabel Ucha defende que deveria ser revisto o número mínimo de investidores.

Outra alteração indicada pela Euronext tem a ver com o “refinanciamento de créditos para aquisição de ativos imobiliários”, deixando este de ser “considerado no cálculo do ativo da SIGI”. A empresa diz que, juntamente com outras associações do setor, tem vindo a trabalhar em propostas para “melhorar o regime e torná-lo mais atrativo” e, nesse sentido, espera “poder debater [o tema] com o próximo Governo”.

O ECO remeteu ao Ministério da Economia questões semelhantes, de maneira a perceber os possíveis motivos desta fraca adesão às SIGI, inclusive se estariam a ser pensadas mudanças ao regime, mas, até ao momento de publicação deste artigo, não obteve resposta.

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