Dos salários às pensões, passando pelos impostos. O que prevê o programa económico da esquerda francesa?

Vencedora inesperada das eleições francesas, Nova Frente Popular tem programa económico que custa à volta de 125 mil milhões de euros. Dos salários às pensões, o que propõe a coligação de esquerda?

A coligação de esquerda Nova Frente Popular (NFP) conseguiu uma surpreendente vitória nas eleições francesas deste domingo, conquistando 182 dos 577 lugares da Assembleia Nacional e derrotando a extrema-direita. Mas, sem uma maioria absoluta, será muito difícil de pôr em prática o seu programa económico para o país, com França a arriscar tempos de ingovernabilidade.

O que prevê o programa macroeconómico da Nova Frente Popular? A ideia dos seus líderes passa por “colocar o Estado no centro da economia”, tendo como foco reforçar o apoio aos cidadãos com menores rendimentos, reduzir a idade da reforma e agravar significativamente os impostos junto dos mais ricos para compensar o aumento da despesa.

Trabalho

  • Aumentar o salário mínimo para 1.600 euros líquidos (cerca de 1.400 euros líquidos atualmente);
  • Indexar os salários à inflação;
  • Aumentar em 10% o indexante para os funcionários públicos.

Pensões

Empresas

  • Condicionar o apoio às empresas que não respeitem os critérios ambientais, sociais e de governança (ESG);
  • Tornar os trabalhadores “verdadeiros atores da vida económica”, dando-lhes pelo menos um terço dos lugares nos Conselhos de Administração das empresas;
  • Regulamentar o setor bancário e financeiro “para evitar novas crises”;
  • Criação de vários mecanismos de ajuda às PME e às microempresas: adiantamentos a 0% durante 1 ou 2 anos, pelo setor bancário público, para empresas em dificuldades financeiras;
  • Criação de um fundo de solidariedade para o desenvolvimento das PME;
  • Criação de um regime de crédito bonificado para as PME e microempresas que pretendam fazer investimentos estratégicos (financiamento a 0% ou mesmo a taxas de juro negativas para quanto mais útil for o investimento do ponto de vista social e ambiental).

Poder de compra

  • Congelar dos preços dos alimentos de primeira necessidade, energia e dos combustíveis;
  • Anular a taxa de 10% sobre as faturas de energia e do aumento do preço do gás a partir de 1 de julho.

Impostos

  • Introduzir um 14.º escalação de imposto sobre o rendimento;
  • Criar uma sobretaxa sobre os salários mais elevados;
  • Tributar os dividendos, distribuição de lucros, poupança salarial, compra de ações e horas extraordinárias;
  • Reintroduzir o imposto sobre o património com uma dimensão climática;
  • Abolir o flat tax e reinstituir o exit tax (um imposto para os que deixam de ser residentes em França);
  • Reformar o imposto sobre as heranças tornando-o mais progressivo, visando os ativos mais elevados e introduzindo um limite de herança máxima;
  • Introduzir um imposto quilométrico sobre os produtos importados;
  • Eliminação de nichos fiscais “ineficazes, injustos e poluentes”.

Educação

  • Dar os primeiros passos para uma escolaridade totalmente gratuita (transportes, cantina, material e atividades extracurriculares).

Indústria

  • Reindustrializar França no sentido de acabar com a dependência do país e da Europa em setores estratégicos (energias renováveis, semicondutores, medicamentos, tecnologias de ponta, automóveis elétricos).

Imigração

  • Revogar as leis de asilo e imigração de Macron;
  • Facilitar o acesso aos vistos, regularizar o estatuto dos trabalhadores, dos estudantes, pais de crianças em idade escolar e introduzir uma autorização de residência de dez anos;
  • Rever o Pacto Europeu de Asilo e Imigração para “garantir que os migrantes sejam migrantes”.

A NFP reúne mulheres e homens de organizações políticas, sindicais, comunitárias e cívicas que estão unidos na construção de um programa para romper com as políticas de Emmanuel Macron, respondendo a questões sociais, ecológicas, democráticas e de paz urgentes.

Programa eleitoral Nova Frente Popular

Défice excessivo agrava preocupações

Apesar da vitória nas eleições, existem dúvidas quanto à capacidade da coligação de esquerda vir a implementar estas medidas. “Sem uma maioria absoluta, e dada a radicalidade do seu programa socioeconómico, o NFP não conseguirá aprovar uma única lei, a não ser que recorra ao instrumento (artigo 49.º, n.º 3, para forçar a legislação) que o próprio tanto criticou durante a anterior legislatura”, lê-se numa nota do ING divulgada esta segunda-feira.

O banco neerlandês continua a análise afirmando que a atual retórica da esquerda “poderá reacender alguma volatilidade nos mercados”, mas deixa sublinhado que “não será possível este programa ser implementado na sua totalidade, uma vez que não encontrará outro apoio no parlamento“.

Certo é que o programa económico da coligação tem feito soar os alarmes entre os partidos da oposição, o tecido empresarial e os mercados por poder representar uma ameaça às contas publicas. Pressionada a quantificar o seu programa económico, a Nova Frente Popular estima que as medidas tenham um custo que ascenderá a 25 mil milhões de euros este ano e a 100 mil milhões no próximo. No entanto promete que o programa não será financiado por “um aumento dos défices”.

Além disso, estas propostas, onde se inclui a indexação dos salários à inflação, a revisão dos escalões do imposto sobre o rendimento e a revogação da reforma das pensões, surgem numa altura em que a França está a ser alvo de um processo da Comissão Europeia por ter um défice excessivo. O défice francês atingiu 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, enquanto a dívida pública do país se fixou em 110,6% do PIB.

Caso não reduza o seu défice orçamental até ao limite de 3% e o rácio da dívida pública para menos de 60% do PIB, mediante o cumprimento de ajustamentos anuais que terá de negociar com o Executivo comunitário, Paris arrisca-se a ter de pagar uma multa de 0,1% do PIB, o que equivale a cerca de 2,5 mil milhões de euros.

Reviravolta deixa França à beira da ingovernabilidade

O resultado das eleições do passado domingo foi uma surpresa, na medida em que se esperava uma vitória da extrema-direita. A Nova Frente Popular conquistou 26% dos votos, enquanto o bloco do Presidente Emmanuel Macron, a Renascença liberal, ficou em segundo lugar, com 24%.

A maior surpresa foi a queda do Reagrupamento Nacional (RN, de extrema-direita) de Marine Le Pen, que, na primeira volta, esteve em vias de ganhar as eleições com uma maioria absoluta, mas, na segunda ronda, caiu para a terceira posição, ainda que tenha tido mais votos do que os seus adversários (37%).

Resumindo, nenhum dos partidos conseguiu a maioria absoluta. E se, por um lado, o resultado permitiu que parte do país (e da Europa) respirasse de alívio, devido aos receios em relação a um governo de extrema-direita, levantou outras preocupações quanto a uma possível ingovernabilidade.

Afinal de contas, a coligação de esquerda é composta pelos socialistas, ecologistas e a extrema-esquerda, e embora o Emmanuel Macron ainda não se tenha pronunciado sobre o resultado eleitoral, os liberais já rejeitaram a ideia de a esquerda chegar ao Governo sob o argumento de não haver nenhuma maioria no parlamento.

A resistência à esquerda também se refletiu na vontade do primeiro-ministro, Gabriel Attal, apresentar a demissão, que não foi, “por enquanto”, aceite pelo Presidente.

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