Ordem dos Arquitetos admite “medidas mais duras” face a baixos salários e alta emigração
"Dentro das profissões mais qualificadas, que obrigam a um ensino com características diferenciadoras e responsabilidade, somos a profissão pior remunerada", lamenta presidente da Ordem.
Baixos salários e falta de condições de trabalho continuam a levar os jovens arquitetos a emigrar e revelam uma “desvalorização da profissão,” cuja responsabilidade a Ordem atribui sobretudo à inação do Estado, ponderando “medidas mais duras”.
Passado um ano de atividade da nova direção da Ordem dos Arquitetos (OA), o presidente, Avelino Oliveira, faz um balanço de “satisfação” pela dinâmica imprimida à associação profissional neste período, mas de “insatisfação” por não ter conseguido os principais objetivos junto dos decisores do Governo.
“A profissão é paga em Portugal a um quinto ou um sexto do que é paga noutros países europeus”, lamentou o responsável em entrevista à agência Lusa a propósito do primeiro ano do projeto com o lema “Agora, Futuro”, que venceu as eleições da OA para um mandato até 2026.
Cerca de 28 mil arquitetos estão atualmente inscritos na ordem – 22 mil no ativo — com entrada anual de cerca de 800 novos membros, segundo os números recentes. “Cerca de metade dos arquitetos inscritos tem menos de 40 anos”, sublinhou Avelino Ferreira sobre o perfil destes profissionais que, “no início de carreira recebem cerca de mil euros”.
“Dentro das profissões mais qualificadas, que obrigam a um ensino com características diferenciadoras e responsabilidade, ou seja, que obrigam a mestrado e mais um ano de estágio, somos a profissão pior remunerada”, lastimou o presidente da OA, apontando que, a juntar aos baixos salários, muitos arquitetos acumulam variadas funções, uma realidade “muito desmotivadora”.
Avelino Oliveira salientou que esta “desvalorização da profissão continua a empurrar os jovens arquitetos para a emigração, porque não se sentem reconhecidos, nem têm condições para ser autónomos e melhorar a sua vida”, encontrando-se “entre os profissionais que mais emigram”.
O responsável citou dados do Projeto REMIGR – que procura compreender a dimensão e características dos novos movimentos de emigração portuguesa – do Observatório da Emigração e da Fundação Manuel Francisco dos Santos sobre emigração em Portugal entre 2001 e 2020.
Os estudos referem que, neste período de vinte anos, 5,64% dos emigrantes nascidos entre 1970 e 1980 eram arquitetos e designers.
“Estima-se que tenham emigrado neste período 75 mil portugueses, portanto, pelas nossas contas, são pelo menos 2.500 arquitetos, cerca de 10% dos membros ativos da OA”, indicou Avelino Oliveira à Lusa.
Este cenário atual, que coloca os jovens arquitetos “entre as cinco profissões que mais emigram em Portugal, a par dos profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros e fisioterapeutas”, é visto como “muito preocupante”, enfatizou o presidente.
Daí a sensação de frustração e insatisfação ao fim de um ano de mandato da nova direção, após vários contactos e reuniões ministeriais: “Não conseguimos os nossos principais objetivos juntos dos decisores do Governo, relacionados com a valorização da profissão e de melhores condições de trabalho dos arquitetos“.
“Nós vamos endurecer as posições se as coisas continuarem assim nos honorários e na desvalorização da arquitetura. Vamos tomar medidas mais fortes”, disse, sem querer, para já, avançar quais.
Para Avelino Oliveira, o quadro atual advém de um percurso de vinte anos de inação de decisores de vários governos, entidades públicas, reguladores, legisladores, autoridades do trabalho e da concorrência.
“Esta emigração é preocupante. Significa que há pouca retenção de talentos no país, e os jovens arquitetos que emigram não estão a regressar porque a situação não mudou”, reforçou o arquiteto formado na Escola do Porto, atualmente a lecionar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.
Entretanto, a OA criou um projeto chamado Remuneração Justa: “Falámos com os partidos, os grupos parlamentares, os ministérios que nos tutelam, tivemos várias reuniões, instituições que regulam o mercado, a Autoridade da Concorrência, e apresentámos dados. Todos mostraram compreensão e boas palavras, mas de concreto não conseguimos nada”.
Outro dado que veio a público este ano e que a Ordem dos Arquitetos considera preocupante relaciona-se com os honorários da encomenda pública pagos em Portugal: “Em média, o que o Estado encomenda aos arquitetos e engenheiros vale só 1,99% do valor total da empreitada“.
“É um valor abaixo de 2%. Isto é quase tratarem-nos como se fossemos a ‘Loja dos 2 Euros’ e isso preocupa-nos particularmente. É um valor que talvez não diga nada à generalidade da população, mas indica que o próprio Estado é o promotor da concorrência desleal e da desvalorização dos arquitetos. Nós analisámos mais de 100 concursos públicos que representam quase 400 milhões de euros de empreitada”, disse o arquiteto que possui ateliê em Matosinhos.
Ao longo do primeiro ano de mandato, a nova direção também diz ter percorrido o país para conhecer a realidade das carreiras de arquitetos da administração pública e no setor privado, realizando encontros e debates.
“Deparámo-nos com inúmeras questões, algumas delas muito complexas, que necessitam de alteração, porque há colegas que estão a trabalhar em condições e a fazer serviços acumulados. Fazem projetos, são responsáveis por obras, fiscalização, entre outras matérias”, descreveu à Lusa.
Para o presidente da OA, “o nível das carreiras é muito baixo e os arquitetos têm uma responsabilidade acrescida, sendo que as funções que desempenham, extravasam muito as meras carreiras gerais”.
O cenário é insatisfatório, mas — diz Avelino Oliveira — “os arquitetos têm pouca tendência para reclamar: queixam-se muito entre os colegas a baixa voz, mas não se manifestam”.
Neste quadro, a OA criou uma plataforma para propor uma alteração legislativa que quer formalizar até ao próximo congresso dos arquitetos, marcado para maio de 2025, em Évora, no Alentejo.
“Vamos apresentar uma proposta abrangente ao Governo, sobre, não só a remuneração das carreiras públicas, mas também do seu funcionamento. Estamos a começar a ver problemas nalguns territórios, em Portugal, que não têm arquitetos nem para os projetos, nem para a gestão urbanística”, alertou.
Avelino Oliveira diz que “a profissão na administração pública não é atrativa face às condições atuais, e está a começar a acontecer na arquitetura o que já é um problema grave com os engenheiros”.
“Já há falta de engenheiros nas entidades públicas e na administração pública. Na arquitetura está a começar a acontecer o mesmo em certos territórios”, apontou o responsável, relembrando que o setor da construção representa 16% do PIB.
Questionado sobre o ponto da situação das alterações ao estatuto das ordens profissionais, aprovado no parlamento há um ano, em clima de contestação — no caso da OA porque “os atos próprios e exclusivos dos arquitectos são colocados em causa” –, Avelino Oliveira disse não haver novidades, desde então.
“Este Governo prometeu que iria reabrir o processo, mas não o fez”, indicou, acrescentando que os arquitetos estão a aguardar a reabertura “não conformados, mas de certa maneira disciplinados”.
O novo estatuto “cria dificuldades orgânicas, para já, algumas complicadas para vários profissionais e precisa mesmo de ser revisto”, defendeu, indicando que a OA espera a reabertura por parte do Governo até ao final do ano.
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