COP das Finanças “insuficiente” dificulta vitória na próxima conferência
Apesar de o grande objetivo de investimento ter triplicado, é criticada a ambição e a falta de clareza quanto aos meios para o atingir. A próxima COP terá de revisitar estas questões antes de avançar.
A COP das Finanças parece ter deixado um rasto de desilusão no que diz respeito ao seu principal objetivo: a definição de uma nova meta de financiamento climático. No final das negociações, ficou o compromisso da angariação de 300 mil milhões de euros anuais, o triplo do valor que estava em causa anteriormente. Mas várias questões se levantam quanto a este novo desígnio, desde a distância a que fica das verdadeiras necessidades até às suas fontes.
O ambiente de discórdia foi patente durante as negociações, marcadas pela saída abrupta do plenário de um grupo de representantes das nações mais vulneráveis, em protesto, por considerarem que as suas posições não estavam a ser devidamente consideradas. Se este grupo tivesse mantido a intransigência, a COP29 poderia ter sido palco de um cenário que se havia verificado apenas uma vez em três décadas de conferência: o colapso da linha principal de negociações.
Acabou por se fechar o maior compromisso financeiro que alguma vez foi assinado no âmbito das Conferências do Clima das Nações Unidas, e o triplo do objetivo anterior, num contexto de elevada inflação e tensões geopolíticas, e após a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, uma voz do lado oposto da batalha pelo ambiente. Um avanço, nestas circunstâncias, poderia ser considerado uma vitória, mas não foi o que aconteceu. “Um número redondo num papel escrito já de madrugada para responder à pressão da comunicação social e de alguns países”, é como Rodrigo Tavares, professor catedrático convidado na Nova SBE especializado em Finanças Sustentáveis, olha para o grande número que saiu das negociações da COP29.
[Objetivo de 300 mil milhões de dólares é] um número redondo num papel escrito já de madrugada para responder à pressão da comunicação social e de alguns países.
Nas reações que se conheceram imediatamente após o resultado, está de facto patente uma insatisfação generalizada. “Esperava um resultado mais ambicioso”, concedeu o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. Maria da Graça Carvalho, ministra do Ambiente e Energia, também assume que era desejável uma maior ambição, e a líder da delegação do Parlamento Europeu para a COP29, Lídia Pereira, concorda que há que “ir ainda mais longe na COP30”. ”Pouco ambicioso e insuficiente” e “muito abaixo das responsabilidades históricas”, acusa a associação ambientalista Zero. Uma “ilusão ótica”, afirmou o enviado especial da Índia, Chandni Raina, em representação dos países em desenvolvimento.
O ceticismo justifica-se porque, explica Rui Tavares, por mais que se tenha registado um avanço, os objetivos de financiamento climático não atingiram as expectativas, nem relativamente ao valor a ser desembolsado, nem sobre o método de transferência desse capital, nem sobre os mecanismos de monitorização dessas transferências.
O acordo final não é explícito, por exemplo, sobre se os 300 mil milhões de euros devem ser doados aos destinatários – os países em desenvolvimento – na forma de subvenções ou de empréstimos. Esta última forma é de difícil gestão por parte destes países, que muitas das vezes se encontram já endividados. E contribuições de instituições multilaterais, como o Banco Mundial, deverão contar para este bolo, em vez de este montante ser da responsabilidade exclusiva dos orçamentos dos Estados mais ricos. Para mais, acrescenta Rodrigo Tavares, “o valor também não contabiliza os efeitos da inflação”.
Em paralelo, “a discrepância entre os valores acordados e as estimativas das necessidades reais, destaca a urgência de esforços adicionais e de compromissos financeiros mais ambiciosos”, acrescenta o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa. As organizações não-governamentais apontavam a fasquia de um bilião como a quantia correspondente à soma das necessidades climáticas estimadas nos principais relatórios das Nações Unidas.
Fica ainda mal resolvida a questão dos doadores. O objetivo era aumentar a base de Estados financiadores, para que os países mais ricos partilhassem a “conta” climática com economias emergentes que possuem condições financeiras e a sua quota-parte de emissões relevantes, como é o caso da China e da Arábia Saudita. Contudo, o documento final afirma apenas que se “encoraja os países em desenvolvimento a efetuarem contribuições, incluindo através da cooperação Sul-Sul, numa base voluntária”. “A China continuará também a ser reconhecida como um país em desenvolvimento [tal como previsto na classificação das Nações Unidas], apesar de ser a segunda maior economia do mundo”, critica Rodrigo Tavares.
Este acordo dá-nos pelo menos alguma segurança de que em 2025, ano para o qual estávamos sem regra, há um valor definido.
O valor final acordado, assinala Susana Viseu, consultora em matérias de transição climática e fundadora da organização não governamental Business as Nature, que esteve presente nas últimas seis COP, deriva precisamente da questão de não haver um alargamento dos contribuidores, num contexto em que financiadores como a Europa e os Estados Unidos estão a braços com fenómenos de populismo, que dificultam o ímpeto sustentável, e despesas crescentes na área da segurança. Além de que a recente eleição de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos torna a contribuição futura deste país “uma incógnita”. Angela Lucas, consultora do Center for Responsible Business da Universidade Católica, acrescenta que “idealmente, haveria um roadmap mais definido de quem pagaria o quê, como e quando“, mas os países, a título individual, podem sempre assumir as suas contribuições, ressalva.
No texto final, há ainda a menção ao objetivo de uma angariação anual de fundos de 1,3 biliões de dólares, mas esta já considerando todas as fontes disponíveis, o que inclui o investimento privado. É necessário agora “convencer as empresas”, assinala Susana Viseu, balançando que existe uma forma mais “impositiva” de o fazer, através da aplicação de taxas sobre as empresas com maiores emissões. Não olha apenas para os produtores de petróleo, mas também aos seus clientes, os setores que consomem combustíveis fósseis de forma intensiva. “Não se pode por todo o ónus nos petroestados. Eles existem porque o mercado existe”, refere. Por outro lado, deve atuar-se pela via do incentivo. “Tem de se pensar em mecanismos que tragam de forma mais efetiva as empresas para este financiamento“, pontua.
O atraso nos prazos impostos para os objetivos financeiros é também notório. No início das negociações procurava-se refrescar a meta de financiamento a partir de 2025. No entanto, o acordo desta conferência impõe que os compromissos assumidos sejam concretizados não obrigatoriamente a partir dessa data mas sim “até 2035”. Ou seja, no limite, pode-se atingir o valor acordado apenas uma década após o esperado. Do lado positivo, Angela Lucas sublinha que “este acordo dá-nos pelo menos alguma segurança de que em 2025, ano para o qual estávamos sem regra, há um valor definido”. E vinca que, arrastar até à próxima década o atingir deste objetivo “seria defraudar as expectativas”.
Tem de se pensar em mecanismos que tragam de forma mais efetiva as empresas para este financiamento.
Susana Viseu, depois de seis anos a marcar presença nestas conferências, realça contudo que nem tudo é sobre o acordo final. Apesar de também não o considerar “suficiente”, afirma que as COP continuam a ter um papel importante não só ao colocarem o tema na agenda — “sem este momento, a situação corria sérios riscos de regredir” — mas também porque há um movimento paralelo que tem vindo “a crescer cada vez mais”: os acordos bilaterais e multilaterais que estão a ser firmados.
Mercado de carbono ganha os aplausos
No meio do descontentamento quanto à questão financeira, há contudo espaço para aplaudir outro avanço destas negociações: a formalização do mercado de carbono global que estava preconizado no acordo de Paris. Este foi um passo dado em Baku que mereceu o elogio da ministra do Ambiente portuguesa e da eurodeputada Lídia Pereira.
“Este era tido como um mecanismo muito relevante para promover as reduções das emissões”, refere Angela Lucas, que em Portugal é também promotora do Fundo Land, focado na reflorestação. A ideia é que exista um mercado global, supervisionado pelas Nações Unidas, para que países e empresas possam negociar créditos de carbono entre si, independentemente dos mercados de carbono regionais que já existem, e mesmo que tenham que haver alguns ajustes para casar cada um dos níveis.
“Agora começa a fase seguinte, a de implementação e regulamentação do Mecanismo de Crédito do Acordo de Paris (PACM, na sigla em inglês), o nome oficial desse mercado mundial”, aplaude Rodrigo Tavares, que considera esta uma conquista “francamente positiva”.
Em contrapartida, a associação ambientalista Zero alerta para o risco de manchar a credibilidade deste sistema com “falhas” como a falta de clareza das consequências no caso de incumprimento do armazenamento e redução do carbono, e como se garantem os esforços no muito longo prazo. Além disso, “arriscamo-nos a aceitar créditos de carbono de projetos com fraca qualidade e sem a devida integridade, o que é inadmissível”, critica a associação.
Na opinião de Angela Lucas, um “ponto crítico” é precisamente como vai ser feita uma “contabilidade rigorosa” dos créditos. Fica também em aberto se este mercado terá em conta a responsabilidade histórica pelas emissões poluentes, um fardo que pesaria sobretudo sobre os países mais ricos. Susana Viseu aguarda com expectativa que os créditos globais não sejam apenas de carbono, e que se criem também créditos relacionados com a biodiversidade e a utilização de energias limpas.
COP30 começa com o pé esquerdo
Tendo em conta o ponto insatisfatório no qual terminou esta COP, a próxima, que terá lugar no Brasil, em Belém, não terá o caminho facilitado. “Para que a próxima conferência seja bem-sucedida, será necessário um esforço conjunto para alinhar os compromissos financeiros com as necessidades reais dos países em desenvolvimento, garantindo também a melhoria eficaz dos acordos estabelecidos”, defende Paulo Rosa.
Angela Lucas conta que o “bolo” de 300 mil milhões de dólares vai voltar a ser posto em causa, e a discussão reaberta. “O compromisso financeiro de Baku acaba por dificultar o caminho” para que se possam reduzir as emissões de carbono, considera. Rodrigo Tavares concorda que o Brasil “terá muito trabalho pela frente”, já que terá de concluir a questão do financiamento climático ainda “antes de chegar ao ponto central”, que é o de garantir que os países apresentem Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês) ambiciosas e alinhadas com os objetivos de descarbonização do planeta.
Para que a próxima conferência seja bem-sucedida, será necessário um esforço conjunto para alinhar os compromissos financeiros com as necessidades reais dos países em desenvolvimento, garantindo também a melhoria eficaz dos acordos estabelecidos.
E, ao que parece, os dilemas até já começaram. O governo brasileiro está a ter dificuldades em selecionar o presidente da COP30 e o Climate Change High-Level Champion, os dois principais cargos, denuncia Rodrigo Tavares. Além disso, realça, “Belém não tem, manifestamente, condições logísticas para receber uma cimeira desta envergadura”. Na edição deste ano, o número de participantes inscritos ultrapassou os 32.000.
Mas há ainda outra questão a levantar em relação ao Brasil como organizador. É que, pela quarta vez consecutiva, a COP vai ter lugar num Estado cuja economia é altamente apoiada pela produção de petróleo.
Durante a conferência deste ano, o Presidente do país que a recebeu, o Azerbaijão, chegou mesmo a afirmar que “o petróleo e o gás natural são dádivas de Deus”. No rescaldo do evento, a ministra Maria da Graça Carvalho concedeu ainda que o “bloqueio dos países produtores de combustíveis fósseis” não permitiu um maior avanço nas negociações, em particular no que diz respeito à mitigação. E este não é, de todo, o único relato da dificuldade acrescida que se nota quando os grandes produtores estão à mesa: “Há definitivamente um desafio em conseguir uma maior ambição quando se está a negociar com os sauditas”, queixou-se o conselheiro climático dos EUA, John Podesta, citado pela Reuters.
“É preciso ter presente que o Brasil, tendo querido afirmar-se como líder climático, teve no ano passado como maior exportação o petróleo“, relembra Angela Lucas, embora considere que a discussão não pode fazer-se sem estes Estados, e que a presidência da COP serve para promover a discussão junto dos menos interessados.
Por outro lado, assinala Susana Viseu, “o Brasil está com vontade de tornar esta COP marcante“, e já sugeriu, inclusivamente, que fosse criada uma comissão independente, que trabalhasse na esfera de influência do secretário-geral das Nações Unidas, e que pudesse ir preparando o encontro durante o ano inteiro, e manter-se mesmo no ativo ao longo das próximas COP, evitando que os compromissos assumidos acabem por “se esbater” Sobre os resultados do próximo ano, conclui: “Confiante é um bocado demais, mas estou otimista“.
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