Projetos de baterias na Europa sob ameaça, mas cadeia ainda pode singrar
Analistas e consultores apontam várias ameaças a investimentos na cadeia de valor de baterias na Europa. Porém, ainda é possível que o Velho Continente se consiga destacar nesta frente.
O desenvolvimento de uma cadeia de valor das baterias na Europa, apesar dos recentes reveses – desde a quebra de empresas e projetos até uma procura diminuída – tem ainda pernas para andar, acreditam a maioria dos especialistas consultados pelo ECO/Capital Verde, e Portugal pode ser um “contribuidor-chave”.
Já era conhecido o contexto de abrandamento nas vendas de carros elétricos na Europa há vários meses, com os preços, a falta de carregadores e a concorrência por parte da China a travarem o crescimento europeu nesta fileira. “As empresas produtoras de veículos elétricos têm sido gravemente penalizadas, vendo os seus inventários a aumentar, receitas a diminuir e lucros a caírem a pique”, sumariza o analista da XTB Vítor Madeira.
A consequência foi o adiamento ou a redução da escala dos planos de produção de carros elétricos, explica a Fitch, uma vez que a produção de baterias é um negócio muito intensivo em capital e, neste sentido, “não se consegue adaptar rapidamente para responder a mudanças na procura”. “Infelizmente para a cadeia de valor das baterias na Europa, vários projetos estavam a começar o seu desenvolvimento quando a procura mudou”, no sentido descendente, pontua a Shroders.
O ruído em torno do setor já estava em crescendo; o estrondo chegou com o pedido de proteção contra credores da fabricante de baterias Northvolt, a grande promessa desta fileira no Velho Continente. “Esta conjuntura macroeconómica e tecnológica foi a gota de água para a Northvolt, colocando os seus projetos em risco, os seus financiamentos cancelados e por último uma situação de insolvência iminente”, avalia Vítor Madeira.
Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, identifica como fatores chave para a queda desta empresa a gestão financeira, desafios operacionais, concorrência intensa e condições de mercado desfavoráveis. “O futuro da empresa dependerá da implementação bem-sucedida deste plano [de reestruturação] e da sua capacidade em se adaptar às condições de mercado”, vaticina o economista.
O que podemos esperar é que este desinvestimento em soluções sustentáveis continue, com mais empresas deste género a ter dificuldades.
E quanto ao futuro do setor? “O que podemos esperar é que este desinvestimento em soluções sustentáveis continue, com mais empresas deste género a ter dificuldades, enquanto esperamos por novos avanços tecnológicos nesta área, tal como já tinha acontecido com o hidrogénio há uns anos”, acredita o analista da XTB. Os desafios existentes, como os custos elevados, a dependência de cadeias de abastecimento, as barreiras regulatórias e os riscos financeiros,” tornam provável que alguns projetos enfrentem atrasos ou mesmo cancelamentos”, considera também Paulo Rosa.
Ainda assim, o economista sénior do Banco Carregosa considera que a ideia de criar uma potência europeia em baterias continua “relativamente convincente” e a Europa mantém-se uma “forte concorrente” no mercado global de baterias. Os restantes partilham também de uma visão mais animadora. “Apesar de os recentes cancelamentos de projetos reconhecidos serem desapontantes, continuamos a ver razões para sermos otimistas acerca da cadeia de valor nas baterias da Europa”, indica Alex Monk, gestor de portefólio na Shroders, que vê a procura por baterias a recuperar apoiada em avanços tecnológicos e numa contínua redução de custos. Caso os países europeus consigam criar o ambiente de investimento adequado, e as empresas europeias consigam retomar a liderança tecnológica, “não há razão para que a cadeia europeia de baterias não seja um sucesso”, balança.
Consideramos que as perspetivas para a cadeia de valor das baterias na Europa são globalmente positivas.
“Consideramos que as perspetivas para a cadeia de valor das baterias na Europa são globalmente positivas”, reforça Alexandre Silva, consultor na PwC, baseando-se num maior foco que deteta na implementação dos planos europeus nesta área, em vez de a ação se limitar à emissão de regulação. Uma “evidência” disto mesmo é o anúncio recente, por parte da Comissão Europeia e do Banco de Investimento Europeu, da parceria de apoio a investimentos na indústria de produção de baterias, mobilizando 200 milhões de euros para este efeito, destaca a consultora.
Para a Europa ser bem sucedida neste esforço, na ótica de Monk, é importante liderar o desenvolvimento tecnológico, sendo que as empresas europeias não conseguiram, recentemente, acompanhar a mudança nos métodos de fabrico, perdendo para a China nesta corrida. “No final do dia, é a competitividade do produto, em termos de acessibilidade e qualidade, que mais importarão”, defende a Shroders. Ao mesmo tempo, destaca que “construir uma cadeia de fornecimento de baterias vai levar tempo e um apoio claro de longo prazo é crítico para assegurar que as decisões de investimento possam avançar”. Este apoio consiste não só em facilitar o licenciamento e criar a regulação adequada, como em envolver as comunidades locais assegurando cobenefícios e, finalmente, a atribuição de subsídios que permitam ganhos de escala.
A consultora PwC sublinha que a criação de incentivos financeiros é “essencial”, sobretudo num contexto de tomada de posse de Donald Trump, que poderá levar à realocação de investimentos para a Europa. Entretanto, o “reforço do diálogo político e influência económica com as geografias de extração e processamento dos recursos/ materiais usados nas baterias terão (ainda) que ser concretizados”, acrescenta a PwC. Paulo Rosa reforça: deve haver “um aumento” do financiamento e incentivos.
No final do dia, é a competitividade do produto, em termos de acessibilidade e qualidade, que mais importarão.
O economista sénior destaca ainda a necessidade de diversificação de fontes de fornecimento e investimento na extração de recursos nacionais e a importância de trabalhar na formação de trabalhadores nesta área.
Seja qual for o desfecho, o certo é que o desenvolvimento desta indústria trará benefícios para o bloco comunitário. A Shroders afirma que a consolidação de uma cadeia europeia é “crucial” para garantir a segurança de abastecimento, proteger empregos em indústrias críticas, apoiar o crescimento do Produto Interno Bruto e reduzir as emissões poluentes, sobretudo nos transportes. E o economista sénior do Banco Carregosa acrescenta que a cadeia deve ser impulsionada não só pela procura por veículos elétricos, mas sobretudo tendo em vista o desenvolvimento de soluções para o armazenamento de energia renovável.
Portugal sente o abalo mas ainda pode ser “chave”
Em Portugal nota-se a turbulência que cresce ao nível do continente. Por cá, também houve uma desistência sonante: o projeto Aurora, para a construção de uma refinaria de lítio em Setúbal, foi abandonado pelos respetivos promotores, Galp e Northvolt. Outra refinaria que está na calha, promovido pela Bondalti e grupo José de Mello, unidos na Lifthium, encontra-se de momento pendente de decisão.
A próxima década será crítica para estabelecer uma indústria europeia de baterias resiliente e competitiva, com Portugal a ter uma palavra e a ser um contribuidor-chave.
Num registo mais positivo, a Lusorecursos, empresa que detém a concessão para a exploração da mina de Montalegre e um projeto de refinação de lítio nessa área, afirma que não só está firme nas suas decisões como também se mostrou disponível para alargar o projeto. Por seu lado, a concorrente Savannah, responsável pela concessão do lítio em Boticas, reitera igualmente que pretende manter os planos e até estará à procura de novas refinarias para abastecer com o produto que pretende extrair.
O Governo veio, entretanto, apresentar iniciativas no sentido de promover a exploração de matérias-primas críticas no país, com o lançamento de um plano nacional que prevê o levantamento do potencial nesta área e leilões. Além disso, o ministro da Economia, Pedro Reis, assegurou que deteta ainda interesse no desenvolvimento de projetos em Portugal e está ativamente à procura de um substituto para o projeto da Galp.
No final de contas, “a próxima década será crítica para estabelecer uma indústria europeia de baterias resiliente e competitiva, com Portugal a ter uma palavra e a ser um contribuidor-chave”, considera Paulo Rosa. A PwC entende que Portugal pode ter ainda “um papel mais relevante” pela ligação “especial” a África, onde estão muitas das matérias-primas críticas, e pelas reconhecidas capacidades de cooperação e diálogo internacional.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Projetos de baterias na Europa sob ameaça, mas cadeia ainda pode singrar
{{ noCommentsLabel }}