Exclusivo Dona do Pingo Doce paga dívida de 30 milhões ao Estado por taxa contestada em tribunal
Sem deixar cair ações judiciais e queixa a Bruxelas, Jerónimo Martins liquida taxa de segurança alimentar que recusava pagar desde 2012. Já rendeu 130 milhões e Governo diz que “será para manter".
Ao fim de 12 anos a recorrer aos tribunais portugueses para impugnar a cobrança da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), a Jerónimo Martins JMT 0,44% decidiu “proceder ao pagamento integral de todos os montantes faturados”. A retalhista adianta ao ECO que a liquidação do valor em dívida aconteceu no final do ano passado e ascendeu a “cerca de 30 milhões de euros, incluindo todas as faturas de 2024”.
Ainda assim, o grupo liderado por Pedro Soares dos Santos, que detém as cadeias Pingo Doce, Recheio e Hussel, ressalva ao ECO que vai “manter as impugnações judiciais em curso”, com que tem avançado de seis em seis meses. Assim como a queixa feita à Comissão Europeia em junho de 2019, em que alegou também estar em causa “um auxílio ilegal do Estado”, e que continua sem resposta por parte do Executivo comunitário.
Não obstante continuarmos convencidos da injustiça da TSAM e considerando a demora da Comissão Europeia em pronunciar-se (…), não sendo possível antecipar quando tal pronúncia possa vir a ter lugar, foi decidido proceder ao pagamento integral de todos os montantes faturados.
Em causa está uma taxa criada em 2012 pelo Governo de Pedro Passos Coelho e mantida no consulado de António Costa – e agora pelo Executivo de Luís Montenegro. Paga em função da área de vendas, com um valor de sete euros por metro quadrado (m2), aplica-se aos estabelecimentos de comércio alimentar com mais de 2.000 metros quadrados ou que tenham várias lojas em Portugal que perfaçam mais de 6.000 m2.
“Não obstante continuarmos convencidos da injustiça da TSAM e considerando a demora da Comissão Europeia em pronunciar-se sobre a queixa apresentada pela Jerónimo Martins e outros [operadores], não sendo possível antecipar quando tal pronúncia possa vir a ter lugar, foi decidido proceder ao pagamento integral de todos os montantes faturados”, detalha fonte oficial da distribuidora, que viu os lucros caírem 21% até setembro, para 440 milhões de euros.
Porém, durante o ano passado, antes de em dezembro pagar o valor em dívida, já tinha sido obrigada a entregar perto de cinco milhões de euros ao Estado. É que algumas decisões a favor da constitucionalidade desta taxa já tinham transitado em julgado e “nesses casos o pagamento teve de ser efetuado”. Por isso, no último relatório e contas, relativo ao terceiro trimestre, já “só” contabilizava em 21,3 milhões de euros as “taxas em discussão nos tribunais” relativas ao Pingo Doce, Recheio e Hussel.
As sociedades participadas pela MC têm procedido ao pagamento da Taxa de Segurança Alimentar Mais e, à semelhança de anos anteriores, têm impugnado a mesma junto dos tribunais.
O Ministério da Agricultura confirma ao ECO que a retalhista controlada pela holding Sociedade Francisco Manuel dos Santos, que vai mudar a sede para os Países Baixos, era “o único operador económico” a impugnar judicialmente a liquidação da TSAM, “não procedendo ao respetivo pagamento, na medida em que o recurso tem efeito suspensivo”.
Apesar de também continuar a recorrer à justiça, a concorrente MC, dona dos supermercados Continente e Meu Super, optou desde o início por pagar os montantes relacionados com essa taxa.
“Confirmamos que as sociedades participadas pela MC têm procedido ao pagamento da Taxa de Segurança Alimentar Mais e, à semelhança de anos anteriores, têm impugnado a mesma junto dos tribunais, em defesa dos seus direitos, nomeadamente por se discordar da natureza e razão de ser desta taxa”, respondeu ao ECO a principal empresa do grupo Sonae, liderado por Cláudia Azevedo.
Taxa já rendeu 130 milhões e “será para manter”, diz Governo
Implementada pela então ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas, para suportar os custos inerentes ao cumprimento das normas europeias em matéria de qualidade e segurança alimentar, e proteção animal e vegetal, desde junho de 2012, a receita arrecadada com a taxa de segurança alimentar já supera os 130 milhões de euros. É que, segundo contas da tutela, até este pagamento da Jerónimo Martins já tinham entrado 99,9 milhões de euros nos cofres do Estado.
Esta taxa que integra o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar, dirigido pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), é liquidada em abril e deve ser paga em duas prestações de montante igual, em maio e outubro. Começou por ter um valor de 4,08 euros por metro quadrado de área de venda do estabelecimento comercial, logo em 2013 subiu para sete euros e, desde então, permanece inalterado. O Ministério liderado por José Manuel Fernandes garante ao ECO que “a taxa será a mesma” em 2025 e afasta a possibilidade de deixar de ser cobrada.
Tendo em vista a manutenção destes controlos, na sua grande maioria impostos por legislação europeia, cujos resultados beneficiam todos os consumidores, constituindo ainda elemento promotor para o comércio externo, a taxa será para manter.
“A TSAM destina-se a financiar ações conducentes à salvaguarda da saúde pública, através da realização de controlos oficiais no âmbito da sanidade animal, sanidade vegetal e segurança dos alimentos. A receita proveniente desta taxa acolhe os custos inerentes à aquisição de análises laboratoriais, aquisição de vacinas, medicamentos, abate e destruição de animais e projetos com vista ao incentivo ao desenvolvimento da qualidade dos produtos agrícolas e património genético”, justifica o Governo.
Assim, acrescenta fonte oficial do Ministério, “tendo em vista a manutenção destes controlos, na sua grande maioria impostos por legislação europeia, cujos resultados beneficiam todos os consumidores, constituindo ainda elemento promotor para o comércio externo, a taxa será para manter”. “Na prática, as ações levadas a cabo através do financiamento da TSAM, consubstanciam uma garantia para o consumidor de que os alimentos postos à venda mantêm a respetiva qualidade e genuinidade”, concluiu a tutela.
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