As novas medidas anti-corrupção são suficientes? Setor responde

Conselho de Ministros aprovou mudanças na orgânica do MENAC, o organismo que fiscaliza as políticas de prevenção da corrupção. Atual diretor sai com efeitos imediatos. Nova direção escolhida em breve.

“Dar uma nova vida à instituição que luta contra a corrupção”. Foi a razão dada pela ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, para a mudança na orgânica do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), aprovada em Conselho de Ministros na quinta-feira.

O Conselho de Ministros aprovou quatro diplomas para a prevenção da corrupção e aceleração processual. “Este é um dia bom para a Justiça”, disse a ministra.

O MENAC passa a ter um conselho de administração com três elementos e um quadro de pessoal próprio, “alterando a gestão assente num órgão unipessoal”. Os três membros do Conselho de Administração serão nomeados por resolução do Conselho de Ministros para mandatos de quatro anos. O mandato atual – liderado por António Henriques da Graça, Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo Tribunal de Justiça – acaba de forma automática, mas a nova equipa da direção ainda não está escolhida.

Paralelamente, o Governo aprovou ainda um plano plurianual de recrutamento de 50 inspetores alocados à inspeção de autarquias. Mas não só. O Executivo, numa primeira fase ainda este ano, vai recrutar 30 inspetores entre a IGF e a IGAMAOT.

Estas medidas surgem numa altura em que a maioria das denúncias sobre suspeitas de corrupção apresentadas ao MENAC e ao Ministério Público dizem respeito à atividade desenvolvida nas autarquias locais. “Isso foi o suficiente para fazer soar o alerta sobre a necessidade de rever o modelo de controlo interno do Estado”, referem.

Na apresentação das medidas, o Governo sublinhou que perante esta situação haviam três cenários em “cima da mesa”: a criação de uma entidade nova, a transferência dessas competências para outra entidade pública ou o reforço de meios das entidades que já receberam essas competências: a IGF e o IGAMAOT, optando pela última opção.

A ministra da Justiça, Rita Júdice. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

 

E o que pensa o Ministério Público destas alterações?

“Nunca é demais recordar que a melhoria da celeridade e eficácia da resposta à corrupção é essencial para a credibilidade do próprio sistema de Justiça e, por essa via, para a afirmação de um verdadeiro Estado de Direito”, referiu Paulo Lona, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).

O SMMP congratulou-se, essencialmente, com a proposta de alteração das regras de distribuição dos processos judiciais, deixando de ser necessária a presença de magistrados judiciais e do Ministério Público e sendo apenas obrigatória a presença de um funcionário judicial.

O sindicato sublinhou também a importância da aposta na prevenção da corrupção nas autarquias locais e a alteração das regras de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

No caso das regras de acesso ao STJ, o objetivo é permitir a entrada de juízes mais novos. Já no caso do combate à corrupção nas autarquias, foi aprovado um diploma para contratação de 30 inspetores especializados em matérias autárquicas durante este ano e mais 20 até 2027.

No entanto, apontou o SMMP, “é igualmente necessário lembrar que o combate eficaz à corrupção depende, em primeiro lugar, de uma genuína vontade política para dotar o Ministério Público e as forças policiais dos recursos materiais, humanos e tecnológicos necessários. As lacunas nos recursos humanos para combater este tipo de criminalidade têm sido apontadas tanto interna como externamente”, acrescentou o sindicato.

O que dizem os advogados?

Alexandra Mota Gomes, advogada e sócia da Antas da Cunha ECIJA, defende que “estas medidas vêm materializar a concretização do Governo relativamente a alguns pontos da Agenda Anticorrupção, de 20 junho de 2024. Neste sentido, considero que as medidas anunciadas são positivas e tentam ultrapassar as entropias enfrentadas pelo MENAC desde a sua criação, bem como a urgência no apoio aos autarcas no âmbito da prevenção e na própria necessidade de fiscalização da corrupção ao nível das autarquias”. Ressalvando, porém, que “estas medidas não podem ser vistas como a resolução do problema da corrupção, mas sim mais um passo importante no caminho a percorrer”.

Destacando como “muito positivo”o envio à Assembleia da República do relatório anual do MENAC (e não apenas ao Governo), “medida que aumenta a transparência e o acompanhamento da atividade do MENAC, que, uma vez, reforçado, poderá estar sujeito a maior escrutínio”.

Juliana Vasconcelos Senra, advogada associada da MFA Legal, defende que estas medidas “representam apenas uma parte do esforço do executivo de implementar a Agenda Anticorrupção, vindo efetivar algumas das várias propostas desta Agenda. Não são medidas isoladas nem serão as últimas a ser anunciadas, pelo que não é possível ainda, como um todo, avaliar a eficácia desta Agenda. Relembre-se que a Agenda Anticorrupção é bastante abrangente, com 32 focos de intervenção, e que os diplomas aprovados ontem em Conselho de Ministros apenas vêm responder a uma fração destes”.

Salientando a relevância da atenção particular ao tema das autarquias locais, já que, “segundo esclarecimentos do Governo, quase metade das denúncias do MENAC ao Ministério Público dizem respeito a autarquias locais, atendendo também à proliferação de processos mediáticos de corrupção e infrações conexas nas autarquias locais. É ainda certo que o tema tem sido preponderante em discussões legislativas recentes, como é exemplo da questão da nova Lei dos Solos, que atribui mais competências às assembleias municipais. O reforço de medidas de prevenção neste contexto assume assim todo o interesse quando se estendem às autarquias locais mais atribuições, que naturalmente geram mais riscos da prática de infrações”.

Colocando o foco nas mudanças do MENAC, a advogada salienta que “este é um importante passo para o dotar da eficácia de que precisa. As medidas colocam alguma pressão ao MENAC para ser um elemento-chave da Agenda Anticorrupção e demonstram uma certa insuficiência do seu papel até agora – nas palavras da Ministra da Justiça, vamos querer mais do MENAC. Só o tempo demonstrará se o MENAC assume o papel que lhe está destinado nesta Agenda”.

Como a MFA Legal já havia sugerido na sua resposta à Consulta Pública da Agenda Anticorrupção, “não deve deixar de considerar-se a constituição de um gabinete de apoio e de acompanhamento de Denunciantes de corrupção e infrações conexas no MENAC. Um tal gabinete viria dar resposta à preocupação do Considerando 89 da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, a partir da qual foi transposta a Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro – a lei de proteção dos denunciantes. A efetivação de medidas de proteção dos denunciantes é essencial para assegurar a maximização das denúncias, para que sejam vistas como procedimentos seguros e em que o denunciante de boa-fé beneficia de um apoio institucional sério”, explica a advogada.

Concluindo que “acresce que será necessária a revisão do Regime Geral da Prevenção da Corrupção (RGPC), nomeadamente para efeitos de clarificação de diversas zonas cinzentas, que só têm aumentado com a implementação da nova plataforma do MENAC. Subsistem algumas incertezas, sobretudo quanto às entidades privadas abrangidas”.

“Quem disse que a Agenda Anticorrupção era apenas um PowerPoint, enganou-se”

A alteração da estrutura do MENAC foi um dos quatro diplomas aprovados pelo Governo, num dia que a ministra considerou ser “bom para a Justiça” e “bom para a luta contra a corrupção”. Em dezembro, à margem de uma conferência sobre corrupção, a ministra tinha justificado a já anunciada reestruturação do MENAC, afirmando que o organismo instituído há cerca de três anos ficou “aquém da sua função”.

A ministra fez ainda um breve balanço da implementação das 32 medidas da agenda anticorrupção do Governo: “De todas elas temos resultados para apresentar. Mais de metade está em execução, algumas já foram totalmente concretizadas e estão a dar bons resultados – como a tramitação eletrónica do inquérito no processo penal. Quem disse que a Agenda Anticorrupção era apenas um PowerPoint enganou-se”.

Sobre uma das medidas mais emblemáticas, o diploma da perda alargada de bens obtidos por via de corrupção, cujo anteprojeto o Ministério da Justiça tinha prometido para o final de janeiro, Rita Alarcão Júdice disse que “está na reta final”, para ser aprovado pelo Governo e depois remetido ao parlamento.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

As novas medidas anti-corrupção são suficientes? Setor responde

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião