Setor da água aplaude nova estratégia, mas Algarve queixa-se
No sul do país, onde a seca é mais severa, representantes dos municípios e do turismo apontam necessidades não atendidas e consideram que o investimento na região deveria ter mais peso no novo plano.
O setor da água, na generalidade, considera positiva a estratégia “Água que Une”. A atenção que é dada à eficiência e reutilização de água são dois dos pontos mais destacados. Contudo, o Algarve, na voz do presidente da Comunidade Intermunicipal e do líder da associação de Turismo, afirma que não está a ter a devida atenção.
Este domingo, dia 9 de março, o Governo apresentou a estratégia ‘Água que Une’, que inclui um total de 294 medidas para serem aplicadas de norte a sul do país, e que exigirá um investimento de 5 mil milhões de euros até 2030. Entre as medidas prevê-se o estudo e construção de novas barragens e de novos “empreendimentos de fins múltiplos” no Médio Tejo e Mondego, mas também várias medidas de melhoria da eficiência do setor e a aposta na reutilização de água.
“Qualquer estratégia é positiva, para mais uma que vem fazer face ao desafio que é muito particular da região do Algarve mas é um desafio nacional”, diz André Gomes, presidente do Turismo do Algarve. O diretor-geral da AJAP – Associação dos Jovens Agricultores de Portugal, Firmino Cordeiro, entende que “fazia falta o que foi feito. Não está concluído, mas já se partiu muita pedra em relação ao que havia”. Outro ponto forte, para os agricultores, é a ambição “grande” nos tempos de execução – duas décadas – já que “é de extrema importância para o país que sejamos céleres”.
“O essencial relativamente aos recursos hídricos está lá contemplado“, dando uma “grande importância” à questão da eficiência, com a resposta às largas perdas que se verificam atualmente na rede, e reforçando o investimento na reutilização de água, aponta Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS). O mesmo considera que “é uma boa opção valorizar a agricultura”, o que o plano faz, ao procurar aumentar as disponibilidades de água para o setor.
Como pontos a favor, a associação ambientalista Zero considera também “de louvar” prioridades como o aumento da eficiência hídrica e promoção do uso racional da água, a redução das perdas de água nos sistemas de abastecimento e a promoção da utilização de água residual tratada. “Parece-me que [a estratégia] reflete um bom diagnóstico das necessidades de investimento do setor, nomeadamente, ao nível das infraestruturas“, avalia, por sua vez, o CEO do grupo Indaqua, Pedro Perdigão.
"Parece-me que [a estratégia] reflete um bom diagnóstico das necessidades de investimento do setor, nomeadamente, ao nível das infraestruturas.”
Para o CEO da Indaqua, os “fortes investimentos” na reabilitação da rede só serão possíveis assegurar com o apoio dos operadores privados, “mas o contributo que estes podem dar vai muito além da disponibilização de capital”. Espera que estes possam colocar os seus conhecimentos e experiência ao serviço da eficiência, e que, nesse sentido, o plano preconize “uma verdadeira aposta em modelos de gestão que incentivem a eficiência“.
Firmino Cordeiro mostra-se igualmente satisfeito com as iniciativas no âmbito da economia de água, das perdas na distribuição e à aposta na reciclagem de água. Maior armazenamento, maior recuperação e maior eficiência são três pontos-chave para os agricultores, que o diretor-geral da AJAP aponta como estando presentes na estratégia. Elogia ainda o facto de, apesar de a seca se verificar com mais intensidade no Algarve e Alentejo, ter sido abordada de um ponto de vista nacional.
Já o responsável pelo turismo na região algarvia destaca pela positiva o investimento “forte” em infraestruturas e ações que promovem, no seu entender, uma coesão territorial “que devia existir ao nível da água”.
Olhando aos benefícios para o setor do turismo em particular, André Gomes realça como positiva a reforçada aposta, patente no plano, em águas tratadas quer para a rega, quer para a agricultura.
Barragens e empreendimentos dividem opiniões
Com a referência do plano às novas barragens, António Pina assinala pela positiva “alguma disponibilidade para rasgar com preconceitos”. Os agricultores, como já referido, apontam a construção de nova capacidade de armazenamento como um dos pontos-chave da estratégia.
Já os ambientalistas apontam como “duvidosa” a aposta “no forte aumento” da oferta de água, sublinham que o impacte ambiental das barragens “é enorme” e afirmam que há o risco de não existir disponibilidade de água suficiente para encher novas barragens e abastecer as áreas de regadio associadas. Nomeia, em particular, o caso de Alportel. “O risco de um investimento elevado resultar numa estrutura subaproveitada ou ineficaz não pode ser ignorado”, remata. Neste sentido, a mesma entidade apela a um processo de consulta pública alargado.
"O risco de um investimento elevado [em novas barragens] resultar numa estrutura subaproveitada ou ineficaz não pode ser ignorado.”
No que diz respeito aos empreendimentos de fins múltiplos, semelhantes àquele que existe no Alqueva, o representante dos agricultores diz-se “completamente de acordo”. No caso do Tejo, é particularmente útil dado que, apesar de já possuir uma vasta cultura de regadio, alimenta-a muito à base de furos, explica, o que não é desejável.
No Mondego, a seu ver, a utilidade deste tipo de empreendimento estará mais na capacidade de gerir melhor e armazenar mais água, numa zona na qual o acesso este recurso não é escasso. Destaca ainda como positiva a indicação de que barragens como a do Baixo Sabor deverão deixar de ter uma funcionalidade estritamente de geração elétrica, e passar a dispor de água para a agricultura.
Para Francisco Ferreira, presidente da Zero, “cada caso é um caso”, e tudo depende dos volumes em causa e da justificação para os utilizar. Quase todas as barragens acabam por ter fins múltiplos, indica, dos quais são exemplo o lazer, abastecimento de agua para consumo humano, agricultura, regularização de cheias, produção elétrica. O conceito nasceu há umas décadas, com a “expressão máxima” em Portugal no Alqueva.
No âmbito desta estratégia, o presidente da Zero entende que os fins múltiplos são mencionados na lógica de considerar o uso agrícola, o que “pode tirar disponibilidade a outros usos”, sendo que o consumo humano é a prioridade habitual. Na sua opinião, deve primeiro investir-se na eficiência, que “vem primeiro na ordem das prioridades”, e apenas depois avançar para estas soluções, que no plano “estão pouco justificadas”.
Algarve insatisfeito
Olhando à incidência maior que este problema tem no sul do país, “gostava de ver um peso maior [de medidas] no sul”, contrapõe, contudo o líder do Turismo no Algarve, apontando os largos milhões que estão previstos no programa e não se dirigem à região do Algarve.
Para esta região, está previsto um investimento de 350 milhões de euros em medidas de médio prazo para o aumento da resiliência do sistema de abastecimento, com horizonte de 2024 a 2035 e o Plano de Recuperação e Eficiência como fonte de financiamento, e um programa a longo prazo para aumento da disponibilidade de água no sistema de abastecimento público, no valor de 45 milhões, a executar entre 2035 e 2042. Está ainda orçada a modernização do aproveitamento hidroagrícola de Silves, Lagoa e Portimão (12 milhões) e conclusão da mesma no Alvor (45 milhões), a produção de água para reutilização (33 milhões, até 2026) e, finalmente, o estudo de viabilidade de construção das barragens de Foupana e Alportel.
Uma das questões que considera “imprescindíveis”, e que não está prevista no documento, são ligações das barragens do Algarve ao Alqueva. “É urgente efetivar um conjunto de investimentos no sentido de dotar região de resiliência e redundância que nos permita não estar sempre em alerta”, defende.
"No que diz respeito ao Algarve, esta estratégia não acrescenta nada.”
A necessidade de ligar o Algarve ao Alqueva é também sublinhada pelo presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), António Pina: “é essa a nossa preocupação de momento”, diz. De resto, considera, “no que diz respeito ao Algarve, esta estratégia não acrescenta nada”, com exceção dos estudos para a construção das barragens de Alportel e Foupana.
Para António Pina, o que o Governo faz nesta estratégia é, essencialmente, “estender ao resto do país o que a região do Algarve fez há cerca de cinco anos” no âmbito da sua estratégia para a Eficiência Hídrica. Apesar de entender esse intuito como positivo, olhando ao geral da estratégia, na ótica deste responsável, esta é “pouco mais que um power point apresentado à pressa para o período que se avizinha [de possíveis eleições]” e “um trabalho ainda incipiente”, tendo em conta por exemplo as várias medidas que ainda não têm identificada a fonte de financiamento.
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