Exclusivo PGR investiga transportadora por suspeitas de fraude com fundos europeus
A Auto Viação Feirense, liderada por Gabriel Couto, tentou obter mais verbas do PRR no mais recente concurso para aumentar as frotas de autocarros de emissões nulas, mas ainda não obteve resposta.
O Ministério Público está a investigar a transportadora Auto Viação Feirense por suspeitas de fraude com fundos europeus. A empresa é, há muito, beneficiária de fundos europeus, tendo recebido no Portugal 2020 mais de oito milhões de euros e no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) já recebeu 2,1 dos 8,4 milhões que lhe foram atribuídos como apoio à aquisição de veículos elétricos para atuação na Área Metropolitana de Lisboa.
A Procuradoria-Geral da República confirmou ao ECO que no Ministério Público de Santa Maria da Feira está a decorrer um inquérito que se encontra “em investigação e está sujeito a segredo de Justiça externo”.
O ECO sabe que o Ministério Público já solicitou documentação ao Fundo Ambiental e ao Sustentável 2030, o programa temático que sucedeu ao POSEUR, sobre esta empresa de Lourosa, no concelho de Santa Maria da Feira.
No entanto, Gabriel Couto, o presidente do conselho de administração da Auto Viação Feirense, contactado pelo ECO, disse não ter conhecimento de qualquer inquérito e que lhes foi pedido “nenhum detalhe ou informação” pelo Ministério Público. “Já ouço esses boatos há tantos anos”, desabafou o responsável, lamentando o facto de ser “acusado de tudo e mais alguma coisa”, desde que começou “a crescer e a dar nas vistas”.
O inquérito do Ministério Público terá sido aberto na sequência de uma denúncia de uso indevido de fundos europeus. Ao que o ECO apurou, poderá estar em causa a utilização de autocarros limpos comprados para renovação e reforço das frotas na Área Metropolitana de Lisboa, mas que afinal estavam a ser utilizados no Porto. Mas também uso indevido de verbas destinadas aos carregadores elétricos destes mesmos autocarros. E, por outro, a opção da empresa em comprar autocarros em segunda mão e não novos, como definido no contrato.
O ECO contactou o Fundo Ambiental, o beneficiário intermediário dos projetos de apoio à aquisição de veículos elétricos para atuação na Área Metropolitana de Lisboa, no âmbito do PRR, e o Sustentável 2030, o programa temático que sucedeu ao POSEUR do Portugal 2020. Nenhum confirmou ter sido a entidade denunciante, reconhecendo apenas terem sido financiadores de projetos da Auto Viação Feirense.
A empresa de Santa Maria da Feira conseguiu 8,44 milhões de euros do PRR para a compra de 44 autocarros limpos para a área metropolitana de Lisboa e a compra de oito postos de abastecimento, num investimento total de 23 milhões de euros. Um apoio a fundo perdido concedido a 22 de setembro de 2022 e que só foi igualado pela Sociedade de Transportes Coletivos do Porto, que recebeu 8,44 milhões de euros, dos quais 7,5 milhões de euros já pagos.
Todas as empresas selecionadas neste concurso do PRR (C15-i05) são grandes empresas, com exceção da Auto Viação Feirense, que é uma PME. E todas têm quase a totalidade dos apoios concedidos pagos, com exceção da empresa em investigação e da Carris, que recebeu cerca de metade dos 1,22 milhões atribuídos para a compra de autocarros elétricos e a hidrogénio para sua frota. De sublinhar que este concurso tinha data de conclusão prevista para dezembro de 2023.
A Auto Viação Feirense recebeu 2,1 dos 8,4 milhões que lhe foram atribuídos, de acordo com o Portal da Transparência. Gabriel Couto queixa-se deste atraso “injustificado”: “Já temos todos os autocarros comprados e a funcionar. O último, comprado há mais de um ano, já tem mais de 130 mil quilómetros feitos a atravessar a ponte Vasco da Gama e ainda não recebemos o dinheiro”.
Questionado por que razão não recebeu ainda a totalidade do dinheiro, o responsável retorque: “Isso perguntamos nós todos os dias ao PRR”. Gabriel Couto explica que a equipa do PRR está agora a “debruçar-se” sobre o seu processo depois de um ano inteiro sem o fazer por ter estado dedicada ao novo concurso de autocarros elétricos. “Todas as semanas mandamos para lá informação e depois voltam a pedir-nos informação”, duas e três vezes, “a ponto de achar que tudo isto é uma fraude porque daqui a pouco estamos falidos”, alerta.
“Os pressupostos para ter acesso a estas candidaturas são demonstrar que, sem o acesso aos fundos, não tínhamos capacidade para investir. E estamos sem o dinheiro, apesar de termos demonstrado que precisamos dele e já termos o investimento feito”, explicou o responsável, sublinhando que a empresa já tem 86 autocarros elétricos na estrada todos os dias.
A empresa liderada por Gabriel Couto tentou obter mais verbas do PRR, no mais recente concurso para aumentar as frotas de autocarros de emissões nulas e expandir a rede de infraestruturas de carregamento e abastecimento em todo o país, que teve um reforço de 137 milhões de euros no âmbito da reprogramação do PRR (C21-i12), elevando o total do investimento para 227 milhões de euros.
Mas não obteve qualquer resposta das autoridades de gestão, disse o próprio ao ECO, manifestando preocupação pelos atrasos que a crise política possa gerar neste processo, já que a compra de autocarros implica o lançamento de concursos públicos — “que são todos impugnados pelos perdedores”, atesta – e depois são necessários vários meses para as empresas fornecerem os autocarros. “Os chineses são os mais rápidos e mais baratos, mas mesmo assim demoram oito a dez meses a fornecer os veículos”, avançou. Todos os investimentos do PRR têm de estar concluídos até final do segundo trimestre de 2026.
Esta PME, criada há 88 anos, e que conta com cerca de 470 trabalhadores, também já obteve apoios do Portugal 2020, nomeadamente do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos. Foram 8,01 milhões de euros (81% do investimento total) atribuídos para a “aquisição de 60 autocarros (20 viaturas elétricas e 40 viaturas a gás natural para o transporte público de passageiros”, confirmou ao ECO fonte oficial do Sustentável 2030.
Sem adiantar mais informações, a mesma fonte remeteu para o site do programa no qual constam os dados públicos sobre este projeto e onde se pode ler que a “AVF já adquiriu todos os seus autocarros e orienta se agora para a componente dos postos de abastecimento quer elétrico maior maturidade quer a gás natural”. Estava previsto, segundo a empresa, o “investimento num posto de abastecimento a gás natural e cinco pontos de carregamento elétrico”.
Já no âmbito do Compete, vulgarmente conhecido como o programa temático das empresas, em 2019, a Auto Viação Feirense recebeu 154,78 mil euros para a qualificação das PME, nomeadamente “investimento em software para integração da informação em plataformas B2B e B2C e criação de acessos à plataforma Tuding Bus”, como explica a empresa no seu site.
A empresa de Santa Maria da Feira, que tem um acordo de parceria com a Flixbus para assegurar viagens entre Lisboa e o Porto, e vice-versa, num autocarro movido a energia elétrica, tem sido notícia pelas greves convocadas por não cumprimento do contrato coletivo de trabalho. Aliás, a empresa tem pelo menos 33 ações judiciais intentadas contra ela desde 2020 (uma delas já este ano) por trabalhadores que optam pela via judicial para fazer valer os seus direitos, nomeadamente a falta de pagamentos de horas extraordinárias e ajudas de custo, como noticiou o Dinheiro Vivo em 2023. Destas, apenas quatro estão resolvidas num valor global de 367,36 mil euros.
O ECO questionou ainda o Ministério do Ambiente e a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, mas não obteve respostas até à publicação deste artigo.
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