Ordem dos Advogados: eleições antecipadas, ação judicial pelo meio, dois candidatos arqui-inimigos e redes sociais a fervilhar

Segunda volta das eleições para bastonário dos advogados realiza-se esta segunda-feira. Na 1ª volta, Fernanda de Almeida Pinheiro obteve 33,81% (6.496 votos) e João Massano 30,95% (5.946 votos).

O dia D para a Ordem dos Advogados (OA) chegou. A partir das 21.00 desta segunda-feira, dia 31 de março, os cerca de 36 mil (36.585) advogados inscritos no país vão saber quem será o próximo ou próxima bastonária. Frente a frente estão dois candidatos: Fernanda de Almeida Pinheiro, atual bastonária, e João Massano, atual líder da Regional de Lisboa. Uma segunda volta que se prevê renhida já que, segundo os resultados obtidos na primeira volta, apenas 550 votos separaram os dois advogados.

Assim, a 18 e 19 de março, Fernanda de Almeida Pinheiro obteve 33,81% (6.496 votos) e João Massano 30,95% (5.946 votos). Votaram 22.566 advogados (embora descontando os votos nulos e em branco acabaram por contar apenas 19.211), cerca de quase 60% do total.

Mas este não foi um período calmo nem previsível numa instituição centenária como a Ordem dos Advogados. A 27 de novembro do ano passado, um ano e meio antes do período eleitoral ordinário e quando nada o fazia prever e por alguns considerado de ‘golpe palaciano’, a bastonária anunciou a convocação de eleições antecipadas para todos os órgãos da instituição. “Este novo estatuto impunha a criação de novos órgãos e naturalmente esses dois órgãos tinha um regime transitório da norma previa duas opções: podíamos designar o órgão ou convocar eleições antecipadas até 31 de março de 2025”, dizia a bastonária. A OA optou, à data, designar e dar posse ao Conselho de Supervisão e ao Provedor do Beneficiário dos Serviços.

“Porém, tal decisão gerou alguma divisão na nossa classe, com críticas públicas àquela designação (incluindo de titulares de órgãos da Ordem), apresentação de recursos daquela deliberação e ameaças públicas de ações judiciais. A Ordem dos Advogados não pode viver refém de controvérsias internas, litígios judiciais ou debates infindáveis sobre a regularidade de atos administrativos. O cenário atual não só cria desconfiança e insegurança quanto aos atos praticados pelo Conselho de Supervisão, como compromete a capacidade da Ordem de se focar nos verdadeiros desafios da advocacia”, acrescentava.

Isto deixou os futuros candidatos com apenas três meses – com período de Natal e final do ano pelo meio – para recolher assinaturas suficientes e elaborar as listas de candidatos. Certo é que acabaram por ser apenas quatro os candidatos a bastonário, ao contrário dos atos eleitorais anteriores que contavam com mais de seis candidatos ao cargo. Nas semanas que se seguiram, Fernanda de Almeida Pinheiro foi alvo de críticas pelos seus opositores. A polémica atingiu o ponto máximo quando um grupo de seis advogados chegou a interpôr uma providência cautelar no Tribunal Administrativo de Lisboa, alegando que a marcação das eleições era ilegal e que as mesmas deveriam ser suspensas. Embora o Tribunal tenha acabado por permitir a realização das mesmas – não apreciando a questão jurídica em si mas admitindo que não era competente para essa decisão e sim o Conselho Superior da própria Ordem – semanas e dias antes da primeira volta de 18 de março ainda pairava no ar a dúvida sobre se as eleições se realizariam, de facto.

O mês de março tem sido profícuo em publicações, vídeos, críticas e apoios formais nas redes sociais de ambos os candidatos e equipas respetivas. A campanha da lista U , encabeçada por Fernanda de Almeida Pinheiro e com uma equipa idêntica à que foi eleita em dezembro de 2022, com o mote de “Juntos Pela Ordem que Queremos” tem atualmente 1,4 mil gostos e 1,9 mil seguidores só no facebook. João Massano – que escolheu o mote “Juntos Podemos Mais” para a sua lista R – tem site e um perfil no Instagram com 7.200 seguidores, uma página de Linkedin com mais de 21 mil seguidores e 8,2 mil seguidores na rede social Facebook.

Tomada de posse da nova bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro - 09JAN23
Tomada de posse da nova bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida PinheiroHugo Amaral/ECO

 

E se a candidatura da atual bastonária arrecadou mais votos, na primeira volta, na zona do distrito judicial do Porto, a de Massano arrecadou mais votos no de Lisboa, área onde aliás Massano exerce o cargo de presidente do CRL da OA desde 2019. Mas não é apenas isto que diferencia estas duas candidaturas. É público e notório que a relação de ambos está apetrechada de divergências que incluiu um conflito que foi parar ao Tribunal Administrativo de Lisboa no ano passado, relativamente à elaboração de um regimento para os trabalhadores do Conselho Regional de Lisboa (liderado por Massano) sem alegadamente ter competência estatutária adequada. Recentemente, os candidatos trocaram acusações no Facebook sobre a questão da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), um dos temas mais fraturantes da campanha. Massano chegou a ser alvo de três processos disciplinares, na sequência de queixas do Conselho Geral de Fernanda de Almeida Pinheiro.

Fernanda de Almeida Pinheiro tomou posse no dia 9 de janeiro de 2023 como bastonária dos Advogados. Tem 55 anos, é licenciada em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa, tendo exercido a profissão como advogada de empresa entre 2002 e 2007 e como Diretora de Recursos Humanos, junto de sociedades da área das Tecnologias de Informação. Foi Vice-Presidente da APAPI–ADV – Associação Portuguesa da Advocacia em Prática Individual entre maio de 2020 e 2022. Autora de diversos artigos de revistas e plataformas ligadas ao Direito, é também autora do livro de Poesia “Que Côr tem a Paixão” que foi publicado em dezembro de 2016 e comentadora residente do canal NOW.

Contratou, em fevereiro, pela terceira vez, serviços de assessoria de imprensa in-house (a primeira saiu ao fim de uns meses, a segunda esteve a cargo da Lift). Na última semana publicou vídeos contra o seu oponente – em que referia um alegado contrato ilegal realizado por João Massano em investigação no Tribunal de Contas – e usou e abusou das redes sociais (pela página da campanha ou através da sua equipa) para apontar o dedo a Massano, a José Costa Pinto (ex-candidato que alcançou o terceiro lugar) e até jornalistas da área, acusando-os de serem parciais e tendenciosos.

Mas o momento que mais críticas gerou ocorreu a 27 de março – em que, perante o apoio formal a Massano por parte de José Costa Pinto, enviou um mail à classe com o título “A verdade veio ao de cima! Depois não digam que não avisámos! SADT, CPAS e a Associação das Sociedades de Advogados (ASAP): a peça que faltava no puzzle destas eleições!”. Para enviar esse mail, a bastonária terá usado a base de dados a que tem acesso enquanto bastonária dos quase 40 mil advogados.

“Como já tínhamos alertado, a candidatura do Dr. João Massano está repleta de membros ligados a grandes sociedades de advogados e à ASAP – Associação das Sociedades de Advogados de Portugal”, diz o mail. Listando de seguida nomes como Eduarda Proença de Carvalho (ex- Uría e atual Proença de Carvalho Advogados ), Manuel Protásio (da VdA), Paula Ponces Camanho
(Morais Leitão) e André Matias de Almeida (atual Proença de Carvalho, ex- Albuquerque e Associados mas que a candidata, por lapso, o coloca como ex sócio da Uría Menendez). E relembrando a posição de José Moreira da Silva, líder da ASAP, relativamente ao que chama de “temas cruciais” como o SADT (em que as sociedades querem “repensar” o acesso ao direito, considerando o atual sistema “manifestamente pernicioso” e “incapaz de garantir uma assistência jurídica de qualidade”) e a CPAS (“a atual caixa de previdência é o melhor regime para os advogados”), citando artigos da imprensa.

Continuando, a bastonária admite que Massano “não ficou por aqui!” descrevendo, de seguida, que a lista liderada por José Costa Pinto, agora fora da corrida, “também incluía vários membros de sociedades associadas da ASAP – incluindo o próprio candidato. E o que fez essa lista depois? Apoia agora o Dr. João Massano”, diz a bastonária. Referindo-se a José Costa Pinto, Gonçalo Gama Lobo, Félix Bernardo, Joana Whyte, João Martins Costa, Paulo Saragoça da Matta. “O puzzle está completo! “, dizia.

O tiro acabou por lhe sair pela culatra porque, desde então e até esta segunda-feira, a página de João Massano encheu-se de apoios de alguns dos nomes mais sonantes da advocacia portuguesa que, até então, não tinham ainda anunciado o apoio formal ao advogado.

Exemplos disso são os penalistas Paulo de Sá e Cunha, Paulo Saragoça da Matta e Manuel Magalhães e Silva. Bem como Agostinho Pereira de Miranda, sócio fundador da Miranda, Artur Marques ou António Garcia Pereira. Na quinta-feira, o também antigo bastonário, Guilherme de Figueiredo, demonstrou o seu apoio público a João Massano. António Schwalbach, Rogério Alves, Angelo D’ Almeida Ribeiro e Artur Marques seguiram-nos. Maioria destes advogados que, a 18 e 19 de março, votaram em José Costa Pinto.

João Massano, 54 anos, concluiu a licenciatura, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1994. Em 2004 tornou-me sócio fundador da ATMJ. Mestre em Direito em 2006, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Manteve uma carreira académica durante cerca de 17 anos, como docente universitário na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na Universidade Lusófona e na Universidade Moderna. Agora trabalha em prática individual, com escritório próprio.

Ligado ao Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados (CR Lisboa) desde 2011, primeiro, como Vogal Tesoureiro do CRL (triénio 2011-2013) depois, nos dois mandatos seguintes, como Vice-Presidente responsável pelo pelouro da Formação (triénios 2014-2016 e 2017-2019) e, finalmente (desde 2019), como Presidente do CR Lisboa.

Massano – que optou durante a campanha eleitoral por uma postura menos crítica e mais virada para as linhas do seu programa – não deixou de admitir que foi alvo de campanhas de assassinato de caráter. “Na campanha, atacaram-nos sem parar. Insultos, humilhações, ataques pessoais — a mim e à minha equipa. Mas não temos medo. Estamos aqui e vamos continuar a avançar.
Cada ataque só reforça a nossa determinação. Porque acreditamos que somos a melhor opção para o futuro da Advocacia.
Porque é tempo de mudar”, dizia no arranque de 2025. Para assessoria de imprensa, o advogado conta com uma das maiores agências de comunicação do país, liderada por António Cunha Vaz.

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João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos AdvogadosHugo Amaral/ECO

 

Propostas de Fernanda de Almeida Pinheiro e João Massano. Descubra as diferenças

Fernanda de Almeida Pinheiro, a CPAS e a atualização das tabelas dos advogados oficiosos

Sob o lema “Juntos pela Ordem que queremos”, a atual bastonária recandidata-se para assegurar uma “resposta firme” que garanta que as reformas em curso, com a da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) e do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT), não sejam interrompidas. No seu anúncio de candidatura, nas redes sociais, defendeu que “a Advocacia portuguesa enfrenta hoje desafios que exigem coragem, determinação e, acima de tudo, continuidade. Continuar as reformas que já estão em marcha, continuar a dignificar a nossa profissão e continuar a construir uma Ordem mais moderna, mais inclusiva e mais próxima de todos os Advogados “.

Fernanda de Almeida Pinheiro compromete-se a resolver de forma definitiva o problema da CPAS, garantindo direitos sociais, contribuições ajustadas à realidade económica de cada profissional e direitos adquiridos, e a avançar com as revisões periódicas da tabela da SADT.

Entre as medidas apresentadas está ainda a ampliação dos benefícios, com mais ferramentas tecnológicas, formação especializada e redes de apoio à jovem Advocacia, o reforço da inclusão e igualdade, garantindo que a OA seja representativa e acessível a todos os Advogados e continuar o trabalho de valorização pública da profissão e representação ativa através de uma participação constante em processos legislativos e em fóruns institucionais, com vista à defesa firme dos direitos, prerrogativas e interesses da Advocacia.

Na mesma publicação nas redes sociais, assumiu que “o nosso compromisso é claro: não subiremos quotas, continuaremos a lutar por uma Ordem forte e transparente, e avançaremos com as reformas em curso. Juntos, faremos da Advocacia portuguesa um exemplo de modernização, dignidade e inclusão”.

Propostas de João Massano

Sobe o mote “Juntos Podemos Mais”, o atual Presidente do CR de Lisboa lançou a candidatura porque acredita “que há outro caminho – um caminho melhor – para a OA. Um rumo que permita devolvê-la ao seu posicionamento original, de instituição que tem competências fundamentais”, tais como, “defender o Estado de Direito e colaborar na administração da Justiça, representar a profissão de Advogado e reforçar a solidariedade entre os Advogados, promover o acesso ao conhecimento e aplicação do direito e contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica e ser ouvida na construção legislativa relevante para o exercício da Advocacia e colaborar na sua alteração para melhor”.

O mesmo acredita que, nos últimos anos, “estas competências têm sido descuradas, com efeitos perniciosos para a credibilidade da Ordem e para a reputação da Advocacia e de todos os Advogados”. Massano defende ainda que esse posicionamento, que considera errado, tem tido consequências nefastas para a profissão, tais como, “um clima de desunião e mal-estar na classe, que tem afastado os Advogados da vida da Ordem (…)”, bem como “uma erosão da reputação e da notoriedade da Ordem e da Advocacia, levando mesmo a que algumas portas se venham fechando ao seu contributo para construir uma Justiça melhor”.

Na apresentação pública da candidatura, João Massano apresentou os principais pontos da sua candidatura:

  • Dignificar: recuperar a dignidade da profissão e o papel institucional da Ordem dos Advogados;
  • Defender: unir os Advogados à sua Ordem, com medidas como: (i) lutar pela dignificação dos atos próprios, (ii) negociar a reversão ou adequação à realidade da profissão das alterações ao Estatuto, (iii) criar uma Comissão Contra o Isolamento da Advocacia, etc.;
  • Dotar: (i) resolver o problema da proteção social dos Advogados, considerando uma terceira via entre CPAS e Segurança Social, (ii) continuar a programar e desenvolver a formação contínua e diversificada, (iii) pugnar pela dignidade dos Advogados inscritos no SADT, etc.;
  • Desafiar: (i) colocar o cidadão no centro do SADT, (ii) resolver o problema das custas judiciais como obstáculo ao acesso à Justiça, (iii) pugnar pela implementação da taxa reduzida de IVA para a prestação dos serviços jurídicos e (iv) continuar o combate à procuradoria ilícita.

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